O estudo baseou-se numa abordagem combinada, que incluiu 1.019 respostas válidas a inquéritos representativos da população economicamente activa, com cobertura equilibrada em termos etários e geográficos, e dez focus groups com 28 participantes oriundos de 24 instituições dos sectores público e privado. No sector público, participaram 12 representantes de 10 entidades, incluindo ministérios e direcções-gerais. Já o sector privado contou com 16 participantes de 14 organizações, entre startups, ONGs, associações e instituições financeiras. Para a avaliação das competências digitais, foi utilizado o mais recente Quadro Europeu de Competência Digital para os Cidadãos, publicado pela Comissão Europeia em 2022. Esta ferramenta, composta por cinco áreas de competência, 21 subcompetências e seis níveis de proficiência – de utilizador básico a especialista –, permitiu medir, de forma estruturada, a aptidão da população em domínios como a gestão de informação, comunicação e colaboração, criação de conteúdos digitais, segurança e resolução de problemas.
Potencial económico
No que respeita ao potencial económico, as conclusões são ambiciosas: a digitalização poderia aumentar o PIB per capita de Cabo Verde em mais de 145% nos próximos 10 anos, passando de 7.316,17 dólares (em 2019) para 17.888,45 dólares, com um crescimento médio anual de 11,8%. Este nível colocaria o país acima de economias como a do Egipto ou da África do Sul em termos de paridade de poder de compra.
O motor principal desse crescimento seria o aumento da produtividade, responsável por 139% da variação estimada, graças ao reforço do peso dos sectores digitais, à melhoria da eficiência interna e à difusão tecnológica para outros sectores. As exportações líquidas de serviços TIC teriam um contributo modesto (1%), enquanto o aumento do emprego representaria 7% da projecção.
Importa sublinhar que os cálculos foram conservadores, não incluindo ganhos provenientes de tecnologias emergentes, como a IA generativa, o 5G ou a blockchain, nem o eventual impacto da atracção de talento qualificado da diáspora.
Avaliação
A avaliação das competências digitais revela um quadro misto. Cabo Verde apresenta níveis autónomos nas áreas de Informação e Dados (4,04) e Comunicação e Colaboração (4,22), mas um défice na Criação de Conteúdos Digitais (3,37) e na Resolução de Problemas (3,20), sobretudo em tarefas mais complexas. Na comunicação digital, destacam-se pontuações elevadas na capacidade de comunicar (4,95) e partilhar informação (4,91), embora a participação activa na sociedade através de meios digitais seja mais baixa (3,97). Em Segurança (3,74), há autonomia razoável para proteger dispositivos, dados pessoais e saúde, mas há margem para melhorar no reconhecimento do impacto ambiental das tecnologias.
As diferenças sectoriais também são significativas. O sector privado (4,01) supera ligeiramente o sector público (3,68) e as ONGs (3,79), enquanto o sector informal apresenta valores muito inferiores (2,66). No privado, a digitalização é mais urgente nas áreas de contabilidade, gestão e atendimento ao cliente, havendo elevada procura por competências em segurança digital, análise de dados, inteligência artificial e design. Já no público, há disparidades internas: áreas como Inspecção, Educação e Administração Pública destacam-se pela maturidade digital, mas os sectores financeiro e diplomático registam as pontuações mais baixas na criação de conteúdos digitais. A necessidade de formação em ferramentas básicas (Word, Excel, PowerPoint, Google Docs, Zoom, Teams, WhatsApp) é transversal, com importância média de 4,39 numa escala de 1 a 6.
No que respeita a grupos vulneráveis, o estudo expõe desigualdades preocupantes. Homens (4,04) apresentam competências mais elevadas do que mulheres (3,53), sendo a diferença mais acentuada no sector privado. Há também um claro fosso geracional: pessoas entre os 18 e os 44 anos rondam médias de 3,91-3,92, enquanto pessoas com 65 ou mais anos descem para 2,85. Pessoas com deficiência registam 3,20 face a 3,77 da população sem deficiência. Baixa escolaridade e inserção no sector informal estão igualmente associadas a níveis inferiores. Estes indicadores alertam para o risco de exclusão acrescida destes grupos no contexto da aceleração digital, exigindo políticas específicas de inclusão.
Falhas e desafios
Entre as falhas de mercado e desafios identificados, o mais citado é a falta de recursos financeiros, seguido da escassez de recursos humanos qualificados. O conhecimento insuficiente e a falta de tempo são barreiras menores, mas ainda relevantes. No sector público, a fraca preparação organizacional traduz-se em baixo investimento em formação contínua: 46% dos departamentos oferecem formação geral com pouca frequência e 47% raramente oferecem formação digital. Além disso, faltam estratégias alinhadas, equipas multidisciplinares e liderança digital clara. A cultura organizacional nem sempre valoriza a inovação e a colaboração, e a integração das tecnologias nos serviços públicos permanece incompleta.
Recomendações
As recomendações do estudo vão desde medidas para a população em geral – como apostar na aprendizagem ao longo da vida, investir na educação de base, reforçar a inclusão digital e promover o uso ético e seguro das tecnologias — até orientações específicas para sectores.
No público, a prioridade passa por melhorar competências em segurança, interoperabilidade, uso de ferramentas como IA e Power BI, e promover pensamento crítico e comunicação eficaz. No privado, há forte procura por análise de dados, automação, segurança digital, criação de conteúdos e domínio de ferramentas premium. Em ambos os casos, a cultura de aprendizagem contínua é apontada como essencial.
Os focus groups destacaram cinco eixos estratégicos: educação e capacitação (aliando competências digitais e comportamentais), planeamento realista e acelerado da digitalização, inclusão e adaptação da transição a grupos específicos, reforço da segurança e ética digital, e valorização de boas práticas com incentivos à formação.
Entre os exemplos internacionais que Cabo Verde poderia adaptar estão o programa SkillsFuture de Singapura, que atribui créditos individuais para formação contínua, e o Kigali Employment Service Centre do Ruanda, que subsidia formações alinhadas com as necessidades dos empregadores.
Segundo a mentora do projecto de estratégias de competências digitais de Cabo Verde, Margarida Mascarenhas, a média nacional situou-se em 3,75 pontos, indicando que o país está num nível intermédio.
“As pessoas têm algumas competências para realizar certas tarefas sozinhas, mas ainda estamos longe de alcançar uma verdadeira autonomia digital”, explicou em declarações à comunicação social no dia da apresentação do estudo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1237 de 13 de Agosto de 2025.