Que balanço faz da sua recente visita oficial a São Vicente?
Em relação à sua pergunta, diria que logo nos primeiros momentos, após a passagem da tempestade, a Cruz Vermelha foi para o terreno, através da sua representação local, mas também através da equipa nacional de respostas às catástrofes. Analisando a natureza, o grau de impacto do fenómeno, tivemos que accionar de imediato a nossa equipa e o nosso plano de contingência. Logo nos primeiros dias, enviamos para a ilha um grupo de três pessoas: um especialista em operações, que é o director do Departamento de Catástrofes; um outro elemento da governança, que tem uma especialidade interessante ao nível da gestão territorial e informação geográfica, mas também da estrutura urbanística e o seu funcionamento no contexto da ilha e do território; e mais um elemento que trabalha a nível das questões que têm a ver com as famílias, com as crianças e as conexões que existem entre as famílias com as autoridades e com a comunidade. E enviamos mais um especialista em matéria de informação geográfica, mas também que detêm experiência ao nível da gestão de desastres, que tem experiência ainda por cima na liderança das estruturas locais da Cruz Vermelha de Cabo Verde. Portanto, chegaram à ilha e juntamente com a equipa de São Vicente da CVCV começaram a trabalhar com as autoridades no âmbito do Sistema Nacional de Proteção Civil, articulando com as autoridades e com as instituições. De imediato foram-nos atribuídas algumas responsabilidades, nomeadamente em relação à classificação da situação e à inventariação dos danos e estragos. Fizemos aquele trabalho, continuamos a fazê-lo, mas entendemos que devíamos reforçar mais a equipa local e enviámos mais quatro elementos que estão ali em São Vicente, perfazendo neste momento um total de sete elementos de dimensão nacional. Mas estruturamos também as nossas respostas, porque entendemos que uma das questões que se colocavam com alguma veemência tinha a ver justamente com o amparo das pessoas, o abrigo, a alimentação, os cuidados de imediato que deviam ser prestados, mas também a questão da saúde e o impacto do fenómeno na psique das pessoas. Daí que tivemos de projectar mais uma outra equipa. Uma equipa de saúde da Cruz Vermelha que integra médicos, enfermeiros, psicólogos e sociólogos que estão em São Vicente a trabalhar juntamente com os outros actores que estão no terreno.
Então, que balanço faz da sua recente missão oficial?
Bom, a minha vista a São Vicente permitiu-me, por um lado, constatar, in loco, daquilo que foi o impacto, o grau de incidência deste fenómeno forte que resulta das alterações climáticas, não só a nível das comunidades, mas sobretudo a nível das estruturas dos sistemas, dos sistemas de educação, dos sistemas de reprodução, do sistema político mesmo e de governança. Esta visita permitiu-me também ver in loco, a situação das pessoas. Permitiu-me ir visitar as localidades, os dois centros de acolhimento que estão sob a gestão directa da Cruz Vermelha, pois temos expertise neste domínio e as autoridades confere-nos esta missão. Pude também trabalhar e falar com elementos ligados à estrutura do poder local, mas também nacional. Portanto, os ministros que estavam no terreno, como, por exemplo, o ministro que tutela a área da Proteção Civil, o ministro que tutela a área da Família, da Administração Pública e o ministro do Mar. Tivemos conversas interessantes sobre aquilo que aconteceu e como é que podemos reforçar as nossas forças, permitindo que a sinergia funcione neste momento crucial para São Vicente. Por um lado, permitiu-me também trabalhar com as nossas equipas. Trabalhamos com a equipa local, com a equipa de resposta nacional, com os voluntários em contextos específicos no âmbito da actuação no terreno, mas também ao nível das formações que vêm sendo desenvolvidas, nomeadamente ao nível da orientação psicossocial e como lidar com essas situações. Devo dizer que temos uma parceria interessante com a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que tinha na ilha psicólogos ligados à Cruz Vermelha portuguesa e com quem estamos a trabalhar. Mas dizer ainda que tive também excelentes encontros, por exemplo, com a Cooperação Espanhola, que nos enviou um expert na área do WASH, portanto água, saneamento e esgotos, com quem falamos muito e discutimos alguns cenários com vista à adopção de uma estratégia de intervenção conjunta: portanto a Cooperação Espanhola, a Cruz Vermelha e as autoridades do país. Mas também tive uma importante reunião com a cúpula das Nações Unidas aqui em Cabo Verde. As várias agências que estavam ali representadas e chefiadas pela Coordenadora Residente das Nações Unidas em Cabo Verde e tivemos uma reunião muito importante e, diria eu, muito rica em termos de conteúdo, em termos de partilha de informações. Como sabe a Cruz Vermelha de Cabo Verde justamente com as Nações Unidas vem trabalhando para um cenário de intervenção conjunta em vários domínios que têm a ver com os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Já identificámos algumas e, portanto, a nossa reunião em São Vicente serviu para aprofundar também aquilo que vai resultar de um quadro de entendimento e que vai permitir uma intervenção conjunta entre a Cruz Vermelha e as Nações Unidas aqui em Cabo Verde, visando, como eu disse, reforçar o esforço do país em relação aos ODS. Portanto, foi uma boa visita, porque também conseguimos falar com parceiros, com amigos, com empresas que se disponibilizaram em apoiar a Cruz Vermelha neste momento. Tivemos um excelente encontro com a direcção do Grupo IMPAR, e com várias outras empresas sediadas em São Vicente, e com o nosso membro honorário, o senhor Augusto Vasconcelos, com quem falamos muito, uma pessoa também que nos aconselha, com base na experiência que ele tem, como actuar nessas situações difíceis. Portanto, foi uma missão muito produtiva porque permitiu que eu me inteirasse um pouco da situação e também articular com as autoridades, com os actores que estão no terreno e a trabalhar com as estruturas da Cruz Vermelha e com os nossos elementos.
A Cruz Vermelha de Cabo Verde, apenas dois dias após as fortes chuvas que atingiram, com maior impacto, a ilha de São Vicente, mas também as ilhas de Santo Antão e São Nicolau, lançou a campanha ReconstituirComEsperança. O que já foi feito neste âmbito?
Na verdade, logo a seguir ao acontecimento, como disse, acionamos não apenas uma equipe de resposta a catástrofes, mas também acionamos um fundo. A Cruz Vermelha já faz, salvo erro, 3 ou 4 anos, criou um fundo de emergência, justamente para esse fim. Dizer que o fundo vem sendo estruturado em termos de órgãos de gestão e mesmo dos mecanismos de mobilização de recursos para sua alimentação. Por exemplo, foi muito bem pensado, no contexto da projecção dos jogos sociais: os prémios não levantados ao nível dos jogos revertem-se a favor da Cruz Vermelha e são direccionados para este fundo de emergência. Portanto, havia algum dinheiro e começamos logo a fazer uso deles. Por outro lado, entendemos que sozinhos não poderíamos cumprir com as nossas obrigações humanitárias, não apenas de ser uma instituição de socorro, mas também de ser auxiliar das autoridades no campo humanitário. Portanto, ouvindo os colegas da governança e os profissionais humanitários, entendemos que deveríamos trabalhar e lançar uma campanha nacional e internacional. E a campanha Reconstruir com Esperança está a decorrer, e foi bem aceite a nível nacional e ao nível internacional. Dizia que neste momento temos o engajamento de muitas instituições, de muitas individualidades e principalmente do cidadão comum, que vem procurar a plataforma da Cruz Vermelha para manifestar a sua solidariedade e fazer chegar o pouco que tem às pessoas que mais precisam neste momento. A campanha tem várias dimensões. Tem uma dimensão que tem a ver com a colecta de bens de primeira necessidade e tem a ver também com a colecta de utensílios de uso quotidiano. Estamos a falar de roupas, sapatos e outros, e também tem a ver com a necessidade da Cruz Vermelha, juntamente com as autoridades e outras organizações, de fornecer às pessoas algo que lhes é necessário neste momento. Estamos a falar, por exemplo, a nível da saúde, em que temos situações em que disponibilizamos alguns remédios com base nas prescrições médicas, temos, por exemplo, na área de cuidados... basta ver que nos centros de acolhimento temos bebês com um mês de tal, com 4 meses, com 6 meses e temos casais que se encontram no mesmo espaço. É preciso trabalhar toda essa dimensão, defendendo e protegendo a própria família. Uma coisa é quando temos uma situação de emergência: retiramos as pessoas da zona de risco e os colocamos num espaço, mas depois temos que trabalhar a dimensão. Portanto, vamos ter que trabalhar essa questão dos casais com bebês, com crianças e vamos também trabalhar aquilo que eu vi no terreno: o impacto do fenómeno na mente das pessoas. A Cruz Vermelha tem uma equipa que se deslocou aqui da Praia e que se juntou com a equipa de São Vicente que está a fazer um trabalho interessante. Por outro lado, é preciso perspectivar o amanhã dessas pessoas, desde agora. Eu falei com o ministro da Administração Interna, ele me deixou entender que é uma preocupação do governo e estão a trabalhar nessa solução. Ainda ontem trabalhei com outros governantes e com o senhor presidente do Serviço de Proteção Civil, com quem temos uma comunicação muito frequente e permanente, também estão a analisar a situação. Mas até lá temos que trabalhar as soluções, sendo certo que há outros critérios que têm a ver com o aproximar do início do ano lectivo. E não só do ano lectivo, mas também da campanha agrícola. Temos de ver tudo isso na óptica daquilo que resulta, portanto, da sobrevivência das pessoas. Mas a campanha, ao nível nacional, já tem muita visão. Tive também um encontro com a senhora Primeira-dama, que também tinha uma campanha já na forja, e entendemos que seria melhor a gente coordenar. Portanto, em vez de estar a duplicar as campanhas, seria melhor, sendo madrinha da campanha, agregar a sua Fundação Dretu à Cruz Vermelha. Portanto, a Primeira-dama vem fazendo a sua campanha, sendo certo que os recursos são mobilizados e canalizados através das estruturas da Cruz Vermelha. Mas temos várias empresas e bancos a nível nacional que já aderiram em termos de disponibilização de produtos para suprir as necessidades básicas, mas também disponibilizando recursos financeiros. A nível internacional, basta dizer que temos também, por exemplo, um bom engajamento da União Europeia,
o DREF e o APEL, que são dois mecanismos de mobilização de recursos que o Movimento Internacional da Cruz Vermelha tem e que foram accionados. Temos o governo dos Estados Unidos que teve um posicionamento muito interessante. E temos o governo da Alemanha, que também teve um funcionamento muito interessante. Temos o governo de Espanha e o governo regional das Canárias que tiveram também um posicionamento muito interessante e temos ainda o governo de Cabo Verde que de várias formas tem permitido que a Cruz Vermelha possa, na verdade, realizar a sua missão. Devo dizer que a campanha tem uma ligação muito forte com todo o Movimento Internacional da Cruz Vermelha. Nós, de imediato, avaliamos a situação, de acordo com o quadro existente que é um quadro perturbador. Ou seja, a partir do momento em que o governo declarou uma certa situação no país, de calamidade, neste caso nas regiões do Norte, Santo Antão e São Vicente, deliberadamente acionamos o DREF. O DREF é o mecanismo de resposta a desastres. O DREF foi aprovado imediatamente tendo um montante de financiamento no valor de cerca de 70.000 contos cabo-verdianos. É consignado para um determinado público-alvo, composto por 500 famílias; o prazo de execução é de 4 meses. O DREF tem um prazo curto. É uma resposta imediata. A sua área de intervenção é São Vicente e Santo Antão. Mas mesmo assim, com base nos elementos que nos foram fornecidos pelos especialistas que estão aqui connosco, não só daFederação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, mas da Cruz Vermelha de Cabo Verde. Então, tivemos que reavaliar a natureza da situação e reclassificar. Se para o DREF a classificação tinha a cor amarela, já agora a situação é laranja. Laranja significa que, para além da intervenção de urgência, temos que perspectivar logo o depois. E isso só se faz no quadro de um outro instrumento que temos, que é o APEL. Traduzindo para o português seria um apelo, que é também um outro mecanismo de que dispomos. O APEL normalmente é feito pela Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho através das estruturas que se encontram na sua sede, na Suíça. Avaliando todos os elementos, acabaram por entender que a Cruz Vermelha de Cabo Verde fez uma boa avaliação e aceitaram a nossa avaliação e a situação neste momento é de nível laranja, o que permite o lançamento do mecanismo APEL que já foi feito e tem como montantes a serem mobilizados 2 milhões e meio de francos suíços. O território de abrangência é São Vicente e Santo Antão, o período para o funcionamento do APEL é de um ano, podendo ser prorrogado caso seja necessário. O APEL tem como público-alvo 800 famílias cabo-verdianas.
Portanto, é uma campanha com uma forte dimensão nacional e internacional.
Sim, é uma campanha de dimensão nacional e internacional e tem contado com uma ampla adesão de instituições, empresas, cidadãos comuns, ONGs, personalidades entre outras. A mesma tem sido orientada na recolha de roupas, bens de primeira necessidade, materiais e produtos de uso doméstico, água e produtos de higiene pessoal e familiar, e contribuição financeira através das contas bancarias da campanha. Nesta campanha estão engajadas todas as estruturas e serviços centrais e locais da Cruz Vermelha de Cabo Verde (CVCV) municípios, Sociedades Nacionais de outros países, representações diplomáticas em Cabo Verde, e outros parceiros e já permitiu mobilizar recursos para apoiar famílias desalojadas, quer através da distribuição de kits de emergência, recheios de casa, roupas e sapatos, água, material de higiene e saneamento do meio, recursos financeiros, etc. De referir que, no âmbito da resposta à emergência, a CVCV, através da sua equipa de saúde, em articulação com o serviço de saúde na ilha tem garantido apoio psicossocial, com apoio de profissionais de saúde, psicólogos e sociólogos. Também estamos a trabalhar em articulação com os serviços municipais para identificar as necessidades prioritárias em termos de habitação e saneamento. O objectivo é não apenas dar resposta imediata, mas também ajudar na recuperação pós catástrofes.
Qual é a percepção dos sanvicentinos sobre esta campanha?
Os sanvicentinos, diria eu, estão esperançosos. Estão esperançosos que conseguirão se erguer. Por outro lado, sentem que não estão sozinhos. E isso dá um certo ânimo, dá a uma pessoa a vontade de enfrentar uma situação. As pessoas ao saberem que o mundo está com São Vicente, sentem-se mais animadas.
Onde podem ser entregues as doações?
As doações podem ser, ao nível nacional, entregues nas estruturas da Cruz Vermelha, que existem em todas as ilhas e praticamente em todos os municípios. Temos 19 estruturas territoriais e todas estão sensibilizadas com as portas abertas. Por outro lado, a nível da Praia, podem ser entregues aqui na sede, no Platô. Podem ser entregues na Secretaria-Geral, na rampa de Lém-Ferreira, podem ser entregues na Fazenda, no Centro de Cuidados e podem ser entregues na sede do Conselho Local da Praia, que fica no Paiol e nos armazéns centrais da Cruz Vermelha em Achada Grande-Frente.
Que instituições nacionais e internacionais a Cruz Vermelha tem conseguido mobilizar?
Conseguimos mobilizar várias instituições nacionais, incluindo municípios, empresas privadas e associações comunitárias. Ao nível internacional, temos contado com a solidariedade da Federação Internacional das Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (FICV) e seus parceiros, de algumas sociedades nacionais irmãs que manifestaram disponibilidade para apoiar. Esse esforço colectivo mostra a força da maior rede humanitário do mundo.
Como vai prosseguir a Campanha?
A campanha ReconstituirComEsperança terá várias fases. Numa primeira etapa, estamos concentrados em garantir que as famílias afectadas tenham acesso ao essencial: abrigo, alimentação, roupas e apoio psicossocial. Numa segunda fase, vamos canalizar os recursos para apoiar a reconstrução de habitações, infraestruturas comunitárias, de modo a devolver às pessoas condições de vida dignas, permitindo-as restabelecer os seus meios de subsistência. Continuaremos a apelar à solidariedade nacional e internacional, porque esta é uma causa que nos interpela a todos.
Quando deflagrou a Covid-19, o senhor classificou-a como uma crise humanitária sem precedentes. Em termos qualificativos como vê esta nova crise?
A Covid-19 foi, de facto, uma crise sem precedentes à escala mundial. O que vivemos agora, com a tempestade, é diferente, mas igualmente grave no plano humanitário, porque afectou directamente a vida e a dignidade de centenas de famílias. É uma crise de carácter climático e social que exige uma mobilização nacional urgente e solidária.
Qual é o historial da Cruz Vermelha de Cabo Verde em termos de apoio humanitário às situações de emergência tanto em Cabo Verde como a nível internacional?
Bom, nós estamos a trabalhar nesse sentido. Toda a acção da Cruz Vermelha tem esse objectivo. Por um lado, acudir às pessoas, sobretudo às mais vulneráveis, e, por outro lado, preparar-se para situações críticas, como o que aconteceu agora em São Vicente. Eu diria que o nosso mandato foi feito com base nessas situações. Nós fomos leitos em Outubro de 2017 e fomos empossados em Fevereiro de 2018 e tomamos as secas mais severas de Cabo Verde. Aguentamos. Logo a seguir veio a Covid-19. Aguentamos. A Cruz Vermelha aguentou. Depois da Covid, veio a Dengue, também aguentamos. E agora temos São Vicente. Diria eu que o nosso mandato foi estribado nesses acontecimentos e que têm-nos fortalecido muito. Hoje a Cruz Vermelha tem uma estrutura de governança muito forte, tem sistemas de respostas muito bem organizados, tem uma base de organização funcional nos vários domínios também bem estruturados. Tem, portanto, um leque de parceiros nacionais e internacionais e, sobretudo, conseguiu reforçar a sua credibilidade, que é um dos grandes capitais que a Cruz Vermelha dispõe.
Como está a Cruz Vermelha de Cabo Verde agora preparada para intervir em futuros casos de emergência?
Dizer que temos uma das melhores sociedades nacionais da Cruz Vermelha de África. Estamos posicionados entre os dez primeiros lugares no continente. Nós temos um quadro de avaliação que permite classificar as sociedades nacionais, chamado OCAC. É um quadro de referência com que nós trabalhamos: ver a governança; ver a administração; ver os projectos; ver a intrusão com a comunidade, com o Estado e com os parceiros internacionais. Nós conseguimos, portanto, corresponder à maioria dos requisitos do plano OCAC e hoje somos considerados como uma das melhores sociedades nacionais ao nível da África e a Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelhovem dizendo que a Cruz Vermelha de Cabo Verde é um modelo aqui em África de funcionamento de uma sociedade nacional. E vale a pena também dizer que isso resulta não só do trabalho pessoal da Cruz Vermelha, mas também da visão das autoridades nacionais com quem temos uma articulação muito importante. Os parceiros da sociedade civil, do sector privado, tudo isso conta. É claro que há coisas que devem ser feitas ainda. Mas nós conseguimos dotar a sociedade nacional de estruturas de governança nacional e local, desenvolvemos toda uma base legal de funcionamento, concebemos nossos planos estratégicos, reestruturamos a sociedade e, sobretudo, trabalhamos à base de sustentabilidade financeira da sociedade nacional, entretanto há coisas que dependem do governo: estamos a falar do regime jurídico. A Cruz Vermelha de Cabo Verde, até hoje, a 50 anos da sua criação, ainda não dispõe de um regime jurídico, que é necessário e indispensável. É um quadro a ser criado pelo Estado que permitirá à Cruz Vermelha articular-se com o Governo, com o Parlamento, com a Presidência da República, com as autarquias. Este quadro permitirá à Cruz Vermelha fazer a mobilidade e determina certas questões que são específicas da Cruz Vermelha. Nós desenvolvemos essa proposta e apresentamo-la ao governo, mas já lá vão cerca de quatro anos, insistimos muito tanto no regime jurídico da Cruz Vermelha e na lei de emblema. Uma coisa é o governo fazer parte das Convenções de Genebra de 1949, outra coisa é trazer para o ordenamento jurídico nacional, portanto o conteúdo das convenções. neste particular o governo tem que trabalhar esses dois mecanismos sob pena de a gente continuar na mesma situação. Uma tem a ver juntamente com o regime jurídico da Cruz da Vermelha, cuja proposta já está com o governo e a lei de emblema também. Esses dois elementos fazem muita falta, não só à Cruz Vermelha de Cabo Verde, mas também ao Movimento Internacional, porque nas Assembleias Gerais da Federação e nas reuniões estatutárias de que o Estado de Cabo Verde é parte. Estamos a falar da Conferência Humanitária Internacional, essas questões são consideradas e são questionadas e nós não temos como justificar. A única coisa que nos resta é dizer que a Cruz Vermelha já mobilizou os seus recursos e os seus juristas que elaboraram a proposta está com o governo e estamos à espera. Acredito que vão pegar nisso porque deixam muito a falta.
Está no cargo desde 2017. O que mudou durante o seu mandato?
Eu diria que o que mudou durante o nosso mandato, porque somos uma equipa. Mudou muito. Mudou muito porque conseguimos nos primeiros anos fazer o levantamento da situação real da Sociedade Nacional, identificar os pontos fracos e os pontos fortes, e com base nisso trabalhar, portanto, os sinais e os planos do aumento da sociedade nacional. Diria eu que hoje, contrariamente àquilo que encontramos, embora reconhecendo sempre todo o grande trabalho que os nossos antecessores fizeram, os voluntários, nós agradecemos, tomamos boa nota disso, mas nós entendemos que mudamos totalmente a Cruz Vermelha de Cabo Verde. Hoje temos uma sociedade nacional de jure e de facto, porque tem os seus órgãos, temos seus projectos, tem os seus planos, e está em sintonia com as directrizes da Federação e é considerada como uma das melhores sociedades nacionais em África. A mudança que a Cruz Vermelha provocou resulta no bem-estar das pessoas. Podemos ver nas crianças hoje as infraestruturas que foram melhoradas, podemos ver nos centros de dia que foram melhorados, nos lares, nas infraestruturas, nos equipamentos da Cruz Vermelha e, sobretudo, ao nível dos conselhos locais, em que, por um lado, temos uma governança muito comprometida, temos, portanto, ima infraestrutura moderna em todas as nossas estruturas territoriais e conseguimos, na verdade, levar autonomia para os conselhos locais. São hoje os verdadeiros representantes da Cruz Vermelha. A nível do sistema da governança e de gestão, no âmbito da alteração dos estatutos, conseguimos introduzir os elementos que faltavam, nomeadamente, separar a governança local e a governança nacional e introduzir órgãos que faziam muita falta, designadamente o Conselho Fiscal, que não havia, que é um órgão muito importante a nível da Sociedade Nacional, e separar os processos de eleições com a governança. Criamos uma comissão independente de eleições que faz toda a gestão dos processos eleitorais. E, por um lado, acabamos com essa questão de que apenas um grupo de 12 pessoas decidia quem iria ser o presidente da Cruz Vermelha. Hoje, o presidente da Cruz Vermelha e os órgãos nacionais são eleitos directos na Assembleia Geral. Por outro lado, conseguimos trazer uma grande força da sociedade cabo-verdiana de uma forma organizada para a Cruz Vermelha, que é a juventude. Hoje temos uma estrutura nacional da juventude, temos um fórum, e temos um representante que é eleito pelos seus pares, e ao nível de cada direcção do Conselho Local, há um eleito local que integra a direcção, que ajuda, portanto, a Cruz Vermelha a trabalhar a juventude enquanto força, mas também enquanto público-alvo. Por outro lado, conseguimos desenvolver a diplomacia humanitária. Basta ver que nós articulamos com organismos internacionais, com Estados, com a organizações da sociedade civil. Portanto, tudo isso resulta do nosso mandato. Mas, como disse, há muito por fazer ainda. Neste momento temos, por exemplo, o novo plano estratégico que foi agora tanto aprovado e que prevê que daqui a 3, 4 anos vamos ter uma sociedade nacional, se calhar, com uma categoria a que se chama de parceira. Ou seja, para além de ser uma sociedade nacional, vai ajudar as pessoas de outras sociedades nacionais. Neste momento, embora não tenhamos esta categoria, vamos ajudando. A Cruz Vermelha da Guiné-Bissau depende muito da Cruz Vermelha de Cabo Verde, a Cruz Vermelha de São Tomé depende muito da Cruz Vermelha de Cabo Verde, a de Moçambique e muitas outras. Embora com os parcos recursos que a gente dispõe, conseguimos levar a nossa solidariedade além-fronteiras. Basta dizer que, aquando do Ciclo Idai, que atingiu Moçambique, foi a primeira vez em que a Cruz Vermelha de Cabo Verde, juntamente com o governo, conseguiu fazer uma expedição humanitária, enviando cerca de 11 profissionais da área de saúde e de catástrofes para Moçambique. Portanto, isso fica na história. E a Covid-19 mostrou também que a Cruz Vermelha é uma instituição que nasceu numa situação de crise de guerra, cresceu com as situações de crise de guerra e não só. Crises provocadas pelo homem, mas também pela natureza, como é o caso que acontece agora com as alterações climáticas. É isso a nossa missão e o nosso desígnio e vamos, portanto, fazer com que as pessoas sofram menos, que a dignidade seja sempre o apanágio do ser humano e que aquilo que todo ser humano tem por dentro, que é o humanismo, encontre respaldo nas plataformas da Cruz Vermelha.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1239 de 27 de Agosto de 2025.