Lino Magno, teólogo e pastor na igreja do Nazareno de Pedra Badejo, Santa Cruz. “Jesus fez-se pobre para que nós fôssemos ricos”

PorAntónio Monteiro,27 dez 2025 9:42

Nesta quadra natalícia, o teólogo Lino Magno vem lembrar-nos que o Natal não é apenas celebração, mas também um convite à reflexão sobre a fé e sobre como a presença de Jesus Cristo pode orientar políticas públicas, atitudes comunitárias e a saúde emocional. Com uma mensagem de muita esperança, paz e compreensão, Magno propõe um Cabo Verde que não se apoia apenas no egoísmo ou na marginalidade, mas na justiça social, no amor e na sã convivência. “Um Cabo Verde em que ajudamos uns aos outros, construímos juntos e marcamos a diferença, não pela óptica antagonista, mas pela óptica do amor”, afirma o teólogo.

Do ponto de vista cristão, qual é o significado central do Natal?

Do ponto de vista central, nós temos os pais da Igreja, Inácio de Antioquia e Irineu de Leão. Os pais da igreja, só para situar, são aqueles da chamada época patrística. Portanto, no ano 100, termina um ciclo da igreja. A partir do ano 100, temos os pais da igreja, os grandes teólogos. Então, eles centralizaram e falaram do Natal, no aspecto cristológico. E disseram claramente que o Natal não poderia incorporar nada que fosse aspectos comercias, porque fundamentalmente a centralidade do Natal era a própria encarnação. Tinha a ver com o aspecto cristológico, não romano, referindo-se à encarnação, que é basicamente o epicentro bíblico. É o Natal bibliocêntrico, que não se assenta no invólucro, mas fundamentalmente em Cristo.

Nesta quadra natalícia que mensagem deixa aos cristãos cabo-verdianos?

É uma mensagem de esperança. A mensagem também é de uma certeza que Cristo é a figura central da nossa fé. E, considerando isso, Cabo Verde pode ganhar a consciência clara de que a nossa relação uns com os outros precisa estar no primado da existência de Cristo, da sua vida. Então a mensagem que eu deixo é uma mensagem de muita esperança, de muita paz, de muita compreensão, de um Cabo Verde que não se estriba sobre o egoísmo, sobre a marginalidade, país onde também há a justiça social, há amor e há paz. Um Cabo Verde em que ajudamos um ao outro, construímos juntos e marcando a diferença, não pela óptica antagónica, mas pela óptica do amor.

Natal e justiça social. Referindo-se a Cabo Verde, como é que o tema Natal se relaciona com a busca por justiça, dignidade e cuidado aos vulneráveis?

Significa que nós temos que incorporar um novo conceito, um conceito do nascimento de Cristo, que é a encarnação, que é Deus se fazendo homem, e a própria visão antropológica, Deus habitou entre nós. Então, se nós entendermos, se nós incorporarmos a espiritualidade, a compaixão, menos egoísmo, menos egocentrismo, menos a busca da minha própria vantagem. Então, nesse sentido, o nascimento de Cristo assume uma dimensão transformacional, assume uma dimensão de consciência, assume uma dimensão que afecta positivamente a relação humana. É essa a compreensão que temos que ter. E aí praticamos o bem, respeitamos o outro e a humanidade. No contexto do nosso Cabo Verde, significa menos criminalidade, menos VBG, menos problemas em que há, portanto, a busca do protagonismo alheio e vivemos numa sociedade pacífica. Mas resta agora essa consciência, ganhar essa consciência porque nós estamos numa numa via acelerada, nós estamos numa sociedade, e Cabo Verde também entra nisso, em que ninguém quer saber de ninguém. É cada um buscando o seu porto seguro. Aí o altruísmo falha, a compaixão não existe, é um materialismo colossal que gera a crise existencial que é o vazio. O vazio inteiro, a solidão e a busca dos prazeres para preencher esse vazio. Daí vem a depressão, vem o desespero. A presença de Deus na vida humana e a vinda de Cristo deve gerar essa compreensão, porque Jesus veio, mas não para nascer e ficar na terra. Ele veio para cumprir uma missão. A vinda de Cristo nos transporta, nos faz uma linha directa com o Calvário. É isso.

Há as chamadas fé activa e fé passiva. Como estamos nestes quesitos em Cabo Verde e como se manifestam na prática?

Antes demais a fé activa é o resgate das nossas incapacidades e um amparo revitalizador perante os desafios que nos interpelam. Ela reprograma o nosso estado mental e espiritual, impulsionando-nos para um figurino de protagonista da nossa própria história e não um mero coadjuvante nas lides da vida. A fé activa carrega o peso de uma convicção que não se dissolve com as marés. Ela sobrepõe às intempéries e nos afirma como autênticos guerreiros e vitoriosos vencedores. A fé passiva alimenta-se de dependência e nos coloca na dimensão de circunstâncias. Ela não carrega a marca da determinação e acções proactivas. Ainda a fé passiva se posiciona no figurino de vítimas. Não é desbravadora e nem convicta. Sua plataforma de análise é mais externa do que interna e sua raiz não é profunda. Ainda devo dizer que a fé activa acredita no progresso e mudanças em todos os níveis. Envolve e desenvolve, ajusta, enquadra e ampara. A fé passiva espera acontecer, ao contrário da fé activa que faz acontecer.

Jesus não nasceu num berço de ouro. O que é que significa essa humildade para os cristãos?

Sim, essa humildade é o retrato do próprio Deus transcendente. João dizia, o verbo fez-se carne e habitou entre nós. Aqui temos Deus tornando-se homem. É antropologia. Deus humanizou-se. Nessa óptica, Jesus não nasceu num berço de ouro, dando a ideia de que o Deus transcendente se fez homem para que nós também tivéssemos humildade, para que a humanidade entendesse isso e compreendêssemos melhor uns aos outros, e sobretudo compreendermos a nós mesmos. É claro que esta questão é muito mais profunda do que dizer simplesmente que é uma lição de humildade, mas é muito mais abrangente do que isso. Um Deus que não nasceu num berço de ouro, mas numa manjedoura, algo que indica também um estado de pobreza. Alguém disse que Jesus se fez pobre para que nós fôssemos ricos. Jesus não nasceu num berço de ouro. É uma expressão que suscita uma profunda reflexão.

No seu livro "Reconstruindo Percurso", põe a tónica sobre a resiliência, a capacidade do homem de se desvencilhar de si mesmo, bem como sobre a importância da espiritualidade no combate à depressão e às demais doenças psíquicas. Podia centrar algumas temáticas que aborda no livro?

A realidade social cabo-verdiana no contexto da saúde emocional com destaque para a boa performance mental e psíquica, precisa de grandes ajustes. Temos sinais de um número considerável de pessoas com défice na sua condição e qualidade mental. O número de suicídios atinge uma expressão que merece atenção redobrada. 50 suicídios por ano num país pequeno como nosso, é preocupante. É sinal evidente que a saúde emocional dos cabo-verdianos não está em grande forma. O que requer uma mudança urgente de paradigma. Vivemos um cenário preocupante, o qual deve nos conduzir à uma reflexão sincera. Mais do que preocupar com bens materiais, desejo do ter, será mais do que necessário um olhar interno, um escrutínio rigoroso diante do quadro actual em Cabo Verde. É necessário cultivar a paz interna, reconfigurar as prioridades, mudança de atitude e hábitos construtivos.

Qual é o sentido da compaixão, sobretudo nesta quadra natalícia?

A compaixão é o motor da sociedade. Compaixão é baixar ao nível da outra pessoa para ajudá-la, para servir, para cooperar.A compaixão é diferente de pena. Pena é uma vertente pálida. É uma acção sem acção. Não tem virtude. Pena observa, a compaixão actua, a compaixão resgata. Então, neste mundo em que nós vivemos, a compaixão é fundamental. É uma construção interna, uma construção também da auto-reflexão, do auto-crescimento e é realmente não só um tema espiritual, mas tem a ver com a nossa vivência. Sem compaixão, a humanidade morre, desaparece.

A compaixão pode ser traduzida no versículo bíblico: ama o teu próximo como a ti mesmo?

Sim, pode ser traduzida, porque a compaixão coloca-nos em direcção ao outro, extirpa o egocentrismo e abraça o necessitado, abraça o indiferente, abraça aquele que é o desprezado, o rejeitado. A compaixão tem uma visão global no ser humano, não fragmenta. Quem tem compaixão abraça, acolhe, não encolhe, acolhe.

Quem não ama a si próprio autoexcluiu-se da sua comunidade?

Perfeito, nós temos o amor, o amor vertical que é o amor divino, eu preciso amar um ser que é superior a mim, para que eu entenda quem eu sou. Descartes já dizia que se existe um mundo, portanto, um mundo imperfeito, é porque existe um ser perfeito. Então, se eu não amar a mim mesmo, estou perdido. Eu já me perdi numa existência que tem coisas boas, tem maravilhas, tem aspectos positivos, muito positivos.Então, a minha acção em relação ao outro parte do pressuposto de quem eu sou. Aí temos o aspecto identitário.


É dos poucos teólogos cabo-verdianos que escreve regularmente artigos de opinião. Qual é o seu público-alvo e que temas específicos aborda?

O meu público-alvo são basicamente todas as pessoas que gostam de ler, jovens, adolescentes. Há adolescentes, por exemplo, que apreciam imenso a minha escrita. Mas basicamente eu procuro escrever para todas as pessoas que queiram desenvolver a sua pessoa, o sentido mental, e também a sua performance.

Que temas aborda?

Eu sou muito eclético. Abordo questões existenciais, por exemplo, porquê eu existo, para quê, qual é o meu propósito no mundo. Abordo também política, a sociedade, a humanidade, a filosofia, a teologia, a criminalidade. Eu não tenho um tema específico. Eu verso a escrita de uma forma multidimensional.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1256 de 24 de Dezembro de 2025.

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Autoria:António Monteiro,27 dez 2025 9:42

Editado porDulcina Mendes  em  27 dez 2025 14:48

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