40 anos de silêncio sobre as prisões e as torturas em São Vicente

PorJorge Montezinho,3 jun 2017 7:30

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Prisões, torturas, mortes. Há 40 anos São Vicente sentiu a mão pesada do Partido Único, mas as origens da repressão brutal que sacudiu a ilha estavam a 5.425 quilómetros, em Angola, onde o levantamento popular de Maio de 77 fez soar os alarmes junto dos dirigentes do PAIGC.


Para perceber o que aconteceu em São Vicente temos primeiro de saber o que aconteceu em Angola e comparar as tácticas usadas, porque, logicamente, não se pode comparar a dimensão da repressão. Comecemos então por Angola. Em Outubro de 1976, a 3ª Reunião Plenária do Comité Central do MPLA marca o início do conflito aberto entre o grupo reunido em torno de Nito Alves (Ministro da Administração Interna) e a maioria da direcção política do MPLA. Nito Alves e José Van Dunem são acusados de “fraccionismo” [termo usado também pelo PAIGC, quando procedeu à expulsão dos chamados trotskistas] e por proposta de Van Dunem, é formada uma comissão de inquérito, sob a presidência de José Eduardo dos Santos, para investigar a existência de fraccionismo no MPLA.
O comité decide ainda extinguir o Ministério da Administração Interna, afastando assim Nito Alves do governo. Resolve igualmente fechar o jornal Diário de Luanda e o programa radiofónico Kudibanguela, que seguiam a orientação nitista. A 20 e 21 de Maio de 1977, a Reunião do Comité Central do MPLA decide afastar Nito Alves e José Van Dunem. As conclusões do inquérito sobre a existência de fraccionismo nunca foram tornadas públicas, há duas versões. A de que o inquérito concluiu pela “existência, de facto, do fraccionismo” e a de sobreviventes do 27 de Maio que sustentam que o relatório final da comissão de inquérito era inconclusivo. Durante a reunião, Nito Alves terá contra-atacado e acusado, entre outros, Iko Carreira, ministro da Defesa, pela situação caótica das Forças Armadas e por desviar fundos destinados ao reequipamento militar para contas na Suíça.
Ainda a 21 de Maio, logo a seguir ao encerramento da reunião, Agostinho Neto preside uma assembleia de militantes na Cidadela Desportiva, em Luanda, onde anuncia a decisão do Comité Central, defende os dirigentes atacados por Nito Alves e exorta a uma verdadeira “caçada” aos nitistas: “Peço aos camaradas, activistas do Movimento, membros dos Comités e Grupos de Acção que, de acordo com as decisões tomadas, façam um combate verdadeiro e sério contra todos os fraccionistas que encontrem pelo caminho.” Alguns protestos são reprimidos ainda dentro do estádio. A 23 de Maio, um plenário da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada pede a reintegração de Nito Alves e José Van Dunem no Comité Central. A 26, o Comité Central reúne-se novamente para discutir o “fraccionismo”. Como resultado do encontro, é publicada uma longa declaração do Bureau Político lida à noite na rádio por Lúcio Lara. Os “nitistas” são apresentados como “grupelhos de ambiciosos e oportunistas, procurando contestar, sob pretextos diversos, a orientação dos organismos dirigentes, falsificar o conteúdo da linha política do MPLA e lutar pela hegemonia e pelo controlo de toda a organização.”
Na madrugada do dia 27 de Maio, o destacamento feminino da 9ª Brigada, liderado pela Comandante Elvira da Conceição, ataca a cadeia de São Paulo usando um blindado soviético BRDM2. Há um duro combate que se prolonga por horas e no qual há baixas dos dois lados, até que as tropas atacantes saem vitoriosas. Como consequência do assalto, são libertados os presos “nitistas”. Ao início da manhã, a Rádio Nacional é tomada, com o apoio de militares da 9ª brigada, e volta a transmitir o programa radiofónico Kudibanguela, alternando músicas com pronunciamentos.
Agostinho Neto, do palácio presidencial, telefona para Fidel Castro pedindo a intervenção das tropas cubanas. A resposta não foi dada imediatamente. Entretanto, o locutor da Rádio Nacional convoca uma manifestação para a frente do Palácio da Presidência. Mais tarde, a convocatória é mudada para diante da Rádio Nacional, provavelmente porque blindados cubanos do batalhão presidencial teriam bloqueado os acessos ao palácio. Às 11h30 chegam à Rádio Nacional os blindados cubanos, que receberam ordens de Havana para esmagar a revolta e ficar ao lado de Agostinho Neto. Ao chegarem à praça, disparam sobre a população. Ao início da tarde, reconhecendo que os blindados BRDM não têm qualquer hipótese de enfrentar os tanques cubanos, a 9ª Brigada rende-se.
No dia seguinte, os tanques cubanos arrasam o bairro de Sambizanga, esmagando mais de cem casas. Depois, começa a caça aos jogadores do clube de futebol local, muitos deles ligados a Nito Alves e aos activistas do bairro. Agostinho Neto aparece de novo na televisão e em relação aos líderes da sublevação, usa um tom agressivo e ameaçador: “Alguns daqueles que participaram neste crime já estão presos. Dentro de pouco tempo, nós diremos qual será o destino que será reservado a esses indivíduos. Certamente, não vamos perder muito tempo com julgamentos. Nós vamos ditar uma sentença. Não vamos utilizar o processo habitual, seremos o mais breves possível, para podermos resolver esses problemas e, vamos tomar decisões segundo a lei revolucionária.”
São particularmente atingidas pela repressão as organizações de massas do MPLA (as mulheres, a juventude e os sindicatos), as Forças Armadas (especialmente a 9ª Brigada), a DISA, a Polícia Militar e a Polícia de segurança Pública, a administração pública, os ministérios. E, também, os estudantes e intelectuais: na Huíla, o principal dirigente político manda prender todos os que tinham concluído a 5ª classe do ensino oficial, considerando-os “inimigos de classe”.
O Jornal de Angola, a rádio e a televisão instilam o ódio e a violência. O Jornal de Angola publica editoriais intitulados: “Não pode haver tolerância com os fraccionistas”, “Encontrá-los e prendê-los”, “Vingar os heróis, Fuzilar os fraccionistas”. Anuncia, ainda, que os presos começaram a “confessar” a sua ligação ao estrangeiro. Em Junho, nos primeiros dias do mês, são fuziladas centenas de pessoas acusadas de “fraccionismo” nas províncias. A 19 do mesmo mês, o Jornal de Angola anuncia que foram detidos “os criminosos Zé Van-Dúnem e Sita Valles” (mulher de Van Dúnem, angolana de origem goesa) e a 7 de Julho o Ministério da Defesa comunica a prisão de Nito Alves, na região de Piri. São todos fuzilados. No total, as várias fontes apontam para um total de trinta mil mortos na consequência do 27 de Maio.

 

De Angola a Cabo Verde

 

Esta espécie de Golpe de Estado em Angola assustou os dirigentes cabo-verdianos [a maioria dos historiadores contemporâneos concluiu que o que aconteceu em Angola não passou de um levantamento popular que procurava uma alteração da política, sem a intenção de derrubar o governo]. Ora, em Cabo Verde, o Decreto-Lei nº 95/76, de 30 de Outubro, ajustava-se ao tipo de acções projectados para os órgãos de repressão policiais (treinados pela Stasi da RDA, Securitate da Roménia e a polícia de Cuba e URSS) e assegurava a completa liberdade das mesmas.
Com esta lei, a DSOP ficava com as mãos completamente livres para levar a cabo toda a espécie de atropelos e intimidação dos cidadãos, sem preocupação de controlo do poder judicial.
É ao abrigo dessa lei que, 7 meses depois, se iria proceder à prisão de várias pessoas muito conhecidas no meio mindelense. Mas o cenário começara a ser montado antes. Silvino da Luz, Ministro da Defesa e Segurança, no comício do 1º de Maio em São Vicente, denuncia que “...o imperialismo quando traça um plano para a Africa, é para todo o continente africano”, e que encontrava a sua expressão exacta nos “actos terroristas”, planeados para São Vicente e Sto. Antão. Era a noção conspirativa de elementos no estrangeiro e elementos internos unidos num complô de desestabilização.
Agnelo Alves é preso e passa os primeiros dias sem qualquer alimento nem água. A família não sabe o que lhe aconteceu. Sem poder tomar banho e com uma lata de azeite como retrete, só tem acesso aos primeiros cuidados de higiene no dia em que é levado para interrogatório (um banho de três minutos, sem sabão). No antigo quartel de João Ribeiro começa o questionário e as torturas com choques eléctricos, durante horas, até ser retirado em braços da cela. Depois de assinar uma confissão que não lera, passam-se semanas até que a família seja autorizada a levar-lhe comida, mas tinham de chegar até uma certa hora em ponto, ao mínimo atraso e os alimentos eram deitados aos cães. Lembra-se dos outros presos, Lulu Marques, metido numa cela isolado, a gritar durante três dias consecutivos, próximo da loucura. Toi de Forro, igualmente isolado, com um braço e costelas partidas, acabando por morrer porque ninguém o deixou ser visto por um médico.
Manuel Chantre é levado igualmente para João Ribeiro. É questionado sobre a “organização”, o nome do chefe e dos integrantes. Perante o silêncio, é espancado até quase ao desmaio. São-lhe mostrados os panfletos que circularam pelo Mindelo: “Homens do PAIGC regressem para o mato onde a barba é simples resguardo da pele do rosto e não o símbolo da divindade humana. O povo já não vos quer, o povo já não vos tolera mais”. Perante a ameaça de mais sevícias, Manuel Chantre confessa que tinha sido ele a estampar os panfletos e que não havia organização alguma. Isso não satisfaz as autoridades. Os interrogatórios continuam, sempre sem a presença de advogados de defesa ou de escrivães para anotarem as palavras dos presos, mas a máquina de choques eléctricos nunca faltava. Como disse anos mais tarde: “Eu fazia parte de um grupo anti-PAIGC, mas não se tratava de qualquer conjuração ou conspiração para a perpetração de qualquer crime contra a segurança interior ou exterior do Estado, nem de qualquer conspiração que tivesse tomado a forma de associação ilícita ou organização secreta com vista ao incitamento ou execução de qualquer crime”. Manuel Chantre fica preso na Ribeirinha até Janeiro de 1979.
Adelino Leite é preso e deixado incomunicável e sem alimento por dias. Segue depois para interrogatório onde leva choques eléctricos durante horas. A cena repete-se dias depois. Os interrogadores faziam as perguntas e davam as respostas, os interrogados tinham de responder “sim” a tudo. Se negassem, levavam um choque. Fica preso durante oito meses, sem culpa formada e sem julgamento. Quando é libertado, ameaçam-no com o regresso à cadeia se contasse o que lhe tinha acontecido.
Mário Leite é preso e passa os primeiros dias sem direito a água nem comida. Quando se queixa da sede, trazem-lhe água numa lata com fezes (o mesmo procedimento é descrito por outros prisioneiros). Fica preso durante 41 dias, “dias de sofrimento e de maus tratos, que eu não desejo nem ao pior dos inimigos”, como dirá mais tarde.
João da Cruz Lima é preso e fica incomunicável por 45 dias. É interrogado numa sala onde a máquina de choques eléctricos está presente, como um aviso (João da Cruz Lima nunca refere que foi torturado, provavelmente porque estava doente quando foi preso). Feitas as perguntas e dadas as respostas, o inquisidor escrevia-as à sua maneira. “Terminado o interrogatório, feito à maneira deles, sem a presença de um defensor jurídico, foi-me dado um documento para assinar”.
Augusto de Melo conhece as prisões logo a seguir ao 25 de Abril. Como se recusa a aderir a uma greve anunciada pelo PAIGC é preso, levado para o Tarrafal, em Santiago, e mais tarde para Caxias, em Portugal. Libertado nove meses depois, regressa a Cabo Verde só em Janeiro de 1976, e continua a ser vigiado pelo PAIGC. Em 1977 participa, de forma pouco activa, na distribuição de panfletos onde se mostravam contra a unidade Guiné/Cabo Verde (ironicamente, a história dar-lhes-ia razão três anos depois), se opunham à presença de russos e cubanos no arquipélago e aconselhavam o Partido Único a voltar para o mato. É preso e torturado com choques eléctricos durante horas, “nunca na minha vida imaginei sequer que houvesse um desespero igual feito por cabo-verdianos e para cabo-verdianos”. Quando adoece e pede um médico, as autoridades dizem-lhe que só havia médicos cubanos e russos, como tinham escrito nos panfletos que não os queriam, fica sem consulta. Augusto de Melo é libertado em Janeiro de 1979.

Os pseudo-burgueses e os pseudo-intelectuais

 

Os acontecimentos de 1977, desencadeados com a inverosímil justificação de prevenção de actos terroristas, tiveram como objectivo principal a intimidação de uma comunidade, que teve um papel decisivo no processo de independência e que é conhecida pela sua autonomia de opiniões e capacidade de influenciação do país.
No dia 8 de Junho, quatro dias depois das prisões, chega a Cabo Verde, Constantino Teixeira, Comissário de Estado de Segurança da Guiné Bissau. Em declarações à imprensa, diz que “filhos renegados da nossa terra têm urdido campanhas contra os nossos países através de panfletos subversivos”. Acrescenta que “no Mindelo e na cidade de Bissau foram detectados panfletos lançados por ex-informadores da PIDE ligados a traidores no estrangeiro” e que “essas tentativas de anti-africanos não parecem estar desligadas da estratégia geral do imperialismo para a desestabilização dos Estados progressistas africanos...”.
Uma nota de imprensa da Direcção Nacional de Segurança justifica as prisões da seguinte forma:
“Depois de confirmar a existência nas áreas de São Vicente e Porto Novo de contra-revolucionários, incluindo antigos informadores da PIDE-DGS, que mantêm estreitas relações com elementos anti-nacionais radicados no estrangeiro, a Direcção Nacional de Segurança e Ordem Pública, ordenou ao Agrupamento daquela  área a proceder ao desmantelamento do referido grupo. Das primeiras averiguações apurou-se que:
1 - Efectivamente todas as pessoas até ao momento detidas estão ligadas àquele grupo;
2 - O objectivo principal a que se propunham era a criação de um clima de insegurança interna e desprestígio do Governo no plano externo a fim de criar as condições propícias a uma intervenção do exterior, que tentaria destruir o actual regime político e travar o processo de transformação social em curso;
3 - Para levarem a cabo seu intento, tencionavam:
4 - Mobilizar a população através de panfletos de conteúdo calunioso e demagógico, que já  tinham começado a espalhar nas  áreas atrás mencionadas, e particularmente, nas frentes de trabalho em S.Vicente;
5 - instaurar um clima de instabilidade, para o que já tinham plano e material para a sabotagem de alguns pontos sensíveis, tais como a JAIDA, a Central Eléctrica, as Instalações de Telecomunicações, os quartéis, a Rádio Voz de S.Vicente, vias de comunicação em S.Antão, ao mesmo tempo que procederiam à liquidação física de alguns responsáveis do Partido e do Governo.
Neste momento prosseguem as averiguações com vista ao apuramento das responsabilidades. Mais se informa que, um dos detidos, furtando-se à vigilância dos guardas, evadiu-se e, ao ser localizado, saltou do terraço onde se encontrava tendo ficado gravemente ferido.”
Em 1977, o regime está  seguro, mas a presença de pessoas, ainda influentes no meio social, que em 74, não aceitaram o PAIGC e não se exilaram, deu-lhe o perfeito pretexto para aterrorizar toda uma camada social que ele via, por razões meramente ideológicas, com desconfiança. A consolidação do poder, pela neutralização do que considerava uma oposição embrionária, tinha em vista, também, não deixar flanco, quando o conflito latente com os jovens dirigentes se deflagrasse, o que viria a acontecer em 1979.
O Primeiro-ministro, Pedro Pires, por coincidência em visita oficial à ilha de São Vicente, aquando das prisões, referindo-se às pretensas acções dos “terroristas mindelenses”: ”Não chego a mesmo a perceber o que é que eles queriam, como é que eles pretendiam agir, mesmo que contassem com uma intervenção do exterior. Noutro aspecto penso que é preciso que se note que nós não queremos nem estamos a trabalhar para instaurar um regime burguês nem uma justiça burguesa. Vão ser tomadas todas as medidas para que os culpados sejam exemplarmente castigados; com certeza terão direito a defesa, com certeza, como cidadãos terão direito a se defenderem, a se explicarem... Mas ainda não se pode dizer que eles estejam presos, não se trata ainda de uma prisão. Eles estão detidos para averiguações...”.
Revelando a camada social visada com as prisões, o Primeiro-Ministro diz “...nessa fase da reforma, o colonialismo quis criar os seus agentes e a tendência é, de facto, criar uma certa burguesia nacional ou uma certa pseudo-intelectualidade nacional. Portanto é, entre esses pseudos, esses agentes, esses frutos do colonialismo, principalmente na fase podre do colonialismo, que vai procurar agentes, o bom africano que compreende e que não está  ligado aos terroristas...”. Os pseudo-burgueses eram os pequenos comerciantes de São Vicente, a certa pseudo-intelectualidade nacional também estava bem identificada: Baltasar Lopes da Silva, que chegou a ser interrogado, mas nunca detido. Sabemos hoje que foi a intervenção do então Presidente da República que evitou a prisão do claridoso. Aristides Pereira confessa que houve uma altura em que esteve tudo preparado para prender Baltasar Lopes da Silva e que foi ele quem pôs um travão a essa intenção, chamando Silvino da Luz para lhe dizer que “isso não podia ser”, anulando assim, por decisão própria, uma resolução que estava para ser tomada para esse dia ou para o dia seguinte. Ainda segundo as memórias do antigo Presidente, havia outros membros da direcção do partido, que não são identificados, que concordavam com o acto, porque acreditavam que Baltasar Lopes poderia estar envolvido com a UCID.

Crimes que nunca prescrevem

 

Segundo a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada por resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1984, e ratificada por Cabo Verde, em 1992, o termo “tortura” designa qualquer acto pelo qual uma violenta dor ou sofrimento, físico ou mental, é infligido intencionalmente a uma pessoa, com o fim de se obter dela, ou de uma terceira pessoa, informações ou confissão; de puni-la por um acto que ela, ou uma terceira pessoa, tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir a pessoa, ou uma terceira pessoa; ou por qualquer razão baseada em discriminação de qualquer espécie, quando tal dor ou sofrimento é imposto por um funcionário público ou por outra pessoa actuando no exercício de funções públicas, ou ainda por instigação dele ou com o seu consentimento ou aquiescência.
O regime de partido único foi uma máquina totalitária que controlou, vigiou, prendeu e torturou cidadãos cabo-verdianos. Quantas vítimas fez, não se sabe ao certo e é difícil contabilizar formas de coacção que apesar de não serem visíveis estavam lá.
Mas, como mostrou o Expresso das Ilhas numa reportagem que falou com intervenientes políticos e sociais de diversos quadrantes, em Cabo Verde as opiniões convergem num sentido. Não se justifica a criação de uma comissão da verdade para investigar os crimes do regime de partido único, até porque poderia provocar tensões sociais indesejadas.
Segundo o Artigo 13, da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, “cada Estado Parte assegurará que qualquer pessoa que alegue ter sido submetida a tortura em qualquer território sob a sua jurisdição tenha o direito de apresentar queixa e de ter o seu caso rápida e imparcialmente examinado pelas autoridades competentes do dito Estado”.
Já no artigo 14, vem que “cada Estado Parte assegurará, no seu ordenamento jurídico, à vítima de um acto de tortura, direito a reparação e a uma indemnização justa e adequada, incluindo os meios necessários à sua mais completa reabilitação possível. No caso de morte da vítima, em consequência de tortura, os seus dependentes terão direito a uma indemnização”.
Em Cabo Verde, as vítimas da tortura terão direito a uma indemnização, uma vez que segundo as leis internacionais estes crimes não prescrevem? Elísio Freire, actual Ministro dos Assuntos Parlamentares e na altura da reportagem líder da bancada parlamentar democrata, disse então: “acho que as pessoas podem pedir as indemnizações se provarem que foram vítimas de tortura, por razões políticas e outras. O país precisa de se reencontrar com a sua história, mas sempre num quadro de tranquilidade e de pouca crispação social”.
(Principais fontes: A Tortura em Nome do Partido Único, de Onésimo Silveira; O Partido Único em Cabo Verde: Um Assalto à Esperança, de Humberto Cardoso; Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, de José Vicente Lopes; Dossier sobre o 27 de Maio de 77, do site esquerda.net; edições do Expresso das Ilhas).

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 809 de 31 de Maio de 2017. 


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Autoria:Jorge Montezinho,3 jun 2017 7:30

Editado porFretson Rocha  em  4 jun 2017 8:43

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