Sentiu-se cidadão de Cabo Verde nestes dias que esteve na Praia?
Queria dizer primeiramente que o governo de Cabo Verde aceita todos os filhos e filhas da África como cidadãos. A criação de um ministério encarregue da integração regional aponta claramente nesse sentido. Considero-me um filho de Cabo Verde. Aliás, o objectivo do Parlamento Pan-Africano é a integração do continente. Penso que Cabo Verde já deu passos significativos em matéria de integração.
Qual foi o objectivo da sua deslocação a Cabo Verde?
Foi uma visita de rotina. Gosto de visitar o vosso país, porque tenho relações sólidas com o presidente da Assembleia Nacional, com o Presidente da República e com os parlamentares cabo-verdianos membros do Parlamento Pan-Africano. São pessoas por quem tenho muita admiração porque trabalham em prol dos interesses de Cabo Verde e dos interesses da África. Eu, enquanto líder africano, venho sempre a Cabo Verde para me inspirar no vosso modelo para sua aplicação na África.
A sua estada aqui visou também sensibilizar as autoridades cabo-verdianas para a ratificação do protocolo de Malabo que preconiza a transformação do Parlamento Pan-Africano num órgão legislativo. Com que resultados parte?
Acho que a ratificação do protocolo de Malabo (Guiné-Equatorial) é uma questão que já não se coloca a Cabo Verde, pois, dos encontros tidos com as autoridades cabo-verdianas, levo a garantia que o protocolo será ratificado.
Como avalia o funcionamento do Parlamento cabo-verdiano?
Trata-se de uma Assembleia Nacional moderna, com muitas inovações. A democracia cabo-verdiana está muito avançada, todos os debates são transmitidos pela rádio e televisão. Quer dizer que hoje tudo o que um deputado diz na Assembleia Nacional é escutado por todos os cabo-verdianos em qualquer parte onde que se encontrem. Tenho dito nos meus encontros que a democracia cabo-verdiana é um modelo único na África. Aqui não se pode mudar a Constituição. Por exemplo, o mandato do presidente da república dura cinco anos e só pode ser renovado uma vez. Portanto, depois de dez anos termina. Não é como em alguns países em que depois do segundo mandato as pessoas começam a mexer na Constituição para prolongar o mandato. Creio que o debate democrático é livre e a imprensa cumpre o seu papel. Quer dizer que todas as liberdades públicas estão garantidas. E isto é uma boa coisa para uma democracia avançada, como é o caso de Cabo Verde.
Cabo Verde é um pequeno país insular, com muitas especificidades. É um obstáculo à sua integração regional?
Cabo Verde é um pequeno país insular, mas que quer abrir-se à África. A grande vantagem do vosso país é a segurança. A população e o governo devem tudo fazer para capitalizar o clima de paz e segurança para o desenvolvimento do país. Sendo a população cabo-verdiana maioritariamente formada por jovens, o Estado deve criar condições para a integração desses jovens. Ou seja, criar políticas de empregabilidade para esses jovens. Portanto, as vossas especificidades são uma fonte de riqueza: cada ilha tem a sua especificidade, o que atrai os turistas e o investimento externo. Tendo tudo isto em devida conta, creio que Cabo Verde não terá problema de desemprego no futuro.
Outra especificidade: Cabo Verde está inserido num continente e numa região maioritariamente anglófona e francófona. Como tirar partido desta situação?
Comparativamente a outros países lusófonos, Cabo Verde tem a vantagem de ser lusófono, francófono e anglófono. Os cabo-verdianos são perfeitamente bilingues: falam o português e o francês, ou falam o português e o inglês. Ademais Cabo Verde pertence à francofonia. É uma vantagem. Creio que o Estado de Cabo Verde deveria direccionar o ensino para que tenham pelo menos duas línguas de trabalho. Ou seja, devem poder trabalhar em português e francês, ou em português e inglês. Isto é importante para que não fiquem circunscritos a uma só língua, porque o mundo está em permanente mudança e é necessário que tenhais pessoas que dominem uma destas duas línguas estrangeiras.
Qual é o relacionamento entre o Parlamento Pan-Africano e o Parlamento da CEDEAO?
O Parlamento Pan-Africano é um parlamento continental que é composto por 55 países membros da União Africana. O Parlamento da CEDEAO é um parlamento sub-regional que agrupa os países da África Ocidental. Trabalhamos em estreita colaboração, por isso temos um memorando de entendimento para acertarmos as nossas acções. Tudo o que o Parlamento Pan-Africano faz, deve partir da base, quer dizer, primeiro a nível do parlamento nacional, depois a nível do parlamento sub-regional, até chegar ao parlamento continental. Mas o papel do parlamento pan-africano não é o de substituir os parlamentos nacionais e sub-regionais. O papel do Parlamento Pan-Africano será o de legislar sobre questões de interesse comum aos países africanos. Ou seja, a livre circulação de bens e pessoas, o comércio inter-africano, o problema da segurança, o problema das mudanças climáticas, etc. São esses essencialmente os problemas comuns a todo o continente e que o Parlamento Pan-Africano vai propor uma lei-tipo. Assim que estas leis-tipo forem adoptadas pela conferência dos chefes de estado serão enviadas aos parlamentos nacionais, para que sejam ratificadas e tenham força de lei a nível continental. Quer dizer que os parlamentos nacionais e sub-regionais irão continuar a fazer o seu trabalho, sem que haja interferência entre os dois níveis parlamentares.
Seguindo a ordem alfabética, Cabo Verde deveria assumir, no mês de Março, a presidência da Comissão da CEDEAO, mas foi preterida. Como analisa este caso?
Não conheço muito bem o regulamento interno da CEDEAO, mas se a presidência do órgão respeita a ordem alfabética e não tendo sido o caso, significa que houve uma pequena falta de uma das partes que deve ser corrigida. Se se trata de uma rotação por país e por ordem alfabética é necessário que Cabo Verde assuma essa responsabilidade na CEDEAO. Penso que poderá ter sido simplesmente um problema interno ligado à organização, mas não se pode recusar a Cabo Verde de assumir as suas responsabilidades.
O senegalês Jean-Paul Dias, ex-presidente do Conselho de Ministros da CEDEAO, falou na possibilidade de Cabo Verde sair da CEDEAO caso não seja respeitado pelos seus pares. Comunga dessa opinião?
Não, porque a África tem necessidade da integração de todos os seus estados, pequenos ou grandes devemos estar todos integrados para falarmos numa única e mesma voz. Daí o lema do Parlamento Pan-Africano ‘Uma África, uma Voz’. Daí também que no Parlamento Pan-Africano todos os países são representados pelo mesmo número de deputados: Cabo Verde tem cinco, Nigéria tem cinco e assim por diante. Isso para se alcançar uma integração harmoniosa de todos os países do continente. Portanto, essa opinião depende unicamente da pessoa que a emitiu, até porque como já referi, podemos aprender muito com Cabo Verde em matéria de democracia.
Outro objectivo da sua estada aqui foi conseguir o apoio de Cabo Verde que tem cinco deputados no Parlamento Pan-Africano, para a sua reeleição. Já tem garantido esse apoio?
De facto, no mês de Maio haverá uma sessão especial para eleição dos novos membros do Parlamento Pan-africano. Estou aqui por duas razões: a primeira é que Cabo Verde sempre me apoiou incondicionalmente. É o único apoio que me é sempre concedido sem contrapartidas, desde a minha eleição como primeiro vice-presidente do parlamento Pan-Africano. Até agora contei sempre com o apoio de Cabo Verde. Estou também aqui para reafirmar o meu propósito de me recandidatar para o meu segundo e último mandato como presidente do Parlamento Pan-Africano. Estou firmemente convencido de que, como no passado, Cabo Verde irá dar-me o seu apoio efectivo. Sei que posso contar com o apoio do Presidente da República, do Primeiro-Ministro e da Assembleia Nacional, cujos membros são eleitores. Portanto, penso que a esse nível tenho a garantia que, como no passado, Cabo Verde me vai apoiar.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 856 de 25 de Abril de 2018.