Não podemos ficar parados por causa do embargo

PorAntónio Monteiro,23 jun 2019 9:02

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Os agricultores de Santo Antão convivem há quase quarenta anos com o embargo imposto aos seus produtos agrícolas como forma de evitar a propagação da praga dos mil pés.

O edil paulense tem uma ideia inovadora que, na sua opinião, irá resolver dois dos mais prementes problemas da ilha: o embargo e o atraso dos transportes de e para Santo Antão. E essa solução passa pela conservação e transformação dos produtos agrícolas. “Criando um sistema de conservação e transformação poderemos matar dois coelhos de uma só cajadada. Ou seja, teríamos resolvido o problema do atraso dos transportes, mas também a questão das pragas que ainda subsistem”, garante António Aleixo.

Como decorreram as festas do Município do Paul?

As festas decorreram num clima agradável dentro daquilo que nós propusemos, sem grandes sobressaltos, com grande movimentação de pessoas que visitaram o município nessa altura, mas também com o envolvimento da população dentro daquilo que nós queríamos que era a apropriação da festa pela sociedade civil e pelos paulenses.

Sendo Paul um concelho essencialmente agrícola qual têm sido os efeitos da seca na vida da população local?

De facto, a maioria da população de Paul vive directa ou indirectamente da actividade agrícola. Em termos do impacto da seca temos duas realidades a constatar. Há as zonas altas cuja população vive essencialmente da agricultura de sequeiro e as zonas de regadio cujos agricultores ficam um pouco mais desafogados. Mas de uma forma geral tem sido preocupante a situação de dois anos de seca, pois vamos perdendo população nas zonas altas. A Câmara tem estado sempre presente para tentar minimizar este efeito conjuntamente com o governo e outros parceiros. Entretanto, mesmo nas zonas de regadio nota-se uma diminuição considerável do caudal da água, o que nos preocupa. Mas às vezes a falta de chuvas é também uma oportunidade para reflectirmos e ver aquilo que nós devemos fazer e corrigir muitos hábitos que estão arreigados no seio das pessoas. Estou a falar da questão da gestão da água; as secas são também momentos para a gente reflectir sobre a forma como gerimos a água e se esse modelo de gestão é o mais adequado para o município e para um país como Cabo Verde que como sabemos chove muito pouco.

A seca tem comprometido a cultura do café nas zonas altas do município. Em zonas como Santa Isabel e Ribeirãozinho a produção do café foi quase nula. O que tem sido feito para recuperação dos cafezais?

Temos sensibilizado as pessoas para a valorização do café para que as pessoas não fiquem dependentes apenas da cultura da cana de açucar. É uma forma de diversificar a agricultura aqui no nosso município. Tem havido uma certa abertura das pessoas para apostarem realmente na cultura do café. Apesar da abertura das pessoas a seca não tem ajudado muito, porque é preciso apostar na introdução de novas espécies, mas essa introdução vai depender das chuvas. Se nós tivermos em atenção que essas áreas onde se cultiva o café são zonas de sequeiro, por causa da seca isso fica neste momento comprometido. Como disse, há toda a abertura dos proprietários em valorizar e relançar a cultura do café aqui no município do Paul, mas também em Santo Antão de uma forma geral. Devo aqui dizer que a Câmara Municipal agora com maiores poderes no âmbito da agricultura terá que dar uma resposta no sentido de diversificar a agricultura aqui no município do Paul depois da assinatura do protocolo para a delegação de competências com o ministério da Agricultura. Portanto, esse protocolo vai aumentar as responsabilidades da Câmara Municipal, mas permite-nos demostrar que não podemos ficar só com a cana de açucar e o café vai naquilo que é nossa estratégia para diversificação dos nossos produtos agrícolas.

É claro que embargo imposto aos produtos de Santo Antão não motiva os agricultores a diversificarem a produção. Há um fim à vista para a proibição do escoamento interno dos produtos agrícolas de Santo Antão?

Não podemos ficar parados por causa do embargo. O embargo existe, não podemos transportar os nossos produtos para outras ilhas porque há sempre o perigo de transportar também as pragas. Nós também queremos que o embargo seja levantado, mas enquanto isso não acontecer temos de saber viver com ela. Por exemplo, se tivermos uma agricultura mais industrializada, de certeza que vamos ter condições para conservação e transformação dos produtos. E apostando na conservação e na transformação, de certeza que estaremos a dar uma resposta à questão das pragas, pois com a conservação e transformação fica posta de lado o perigo de levar as pragas de um sítio para outro. Certamente que o embargo preocupa a todos nós aqui em Santo Antão, pois já dura há muito tempo. Mas também temos de criar outras alternativas e a alternativa é essa: apostar na conservação e transformação e numa forma mais adequada de transportar os produtos de uma ilha para outra. Aliás, o transporte inter-ilhas nem sempre é regular. De resto, criando um sistema de conservação e transformação poderemos matar dois coelhos de uma só cajadada. Ou seja, teríamos resolvido o problema do atraso dos transportes, mas também a questão das pragas que ainda subsistem.

Santo Antão contorna o problema do embargo com a produção do grogue e da aguardante. Qual é o impacto que a aplicação da lei do grogue tem tido no concelho do Paul?

Realmente a plantação da cana de açucar tem sido a lei de menor esforço. Ou seja, eu não posso exportar outros produtos por causa das pragas, ou por causa do transporte então vou para aquilo que é mais fácil de conservar que é a produção da aguardente. Se não conseguir transportá-la hoje guardo em casa e quanto mais velha melhor. Enfim, tem sido um pouco isso. Devo reconhecer aqui todo o trabalho que tem sido feito e a abertura dos proprietários aqui no município e em Santo Antão de uma forma geral. Todos estão alinhados com a IGAE e estão cientes de que é preciso ir melhorando cada vez mais a qualidade dos produtos fabricados. A situação, da forma como estava era insuportável. É evidente que às vezes há pessoas que não conseguem fazer de uma só vez todas as melhorias que são exigidas. A intervenção da Câmara é no sentido de se dar algum tempo aos proprietários para se adaptarem à nova realidade. Como eu disse, o estado em que as coisas estavam não podia continuar e toda a gente está consciente disso. Tem havido melhorias a nível da valorização do produto em termos de preço o que tem contribuído para aumentar a renda dos trabalhadores sazonais ligados à produção do grogue e mesmo a afluência de pessoas que procuram os cuidados de saúde tem diminuído. Portanto, há melhorias em todos os sentidos. Agora é preciso continuar na mesma senda com determinação porque nós todos temos a ganhar. É a economia de Santo Antão que sai a ganhar, são as famílias que melhoram a qualidade de vida e a economia cresce. É isso que nós queremos: uma ilha fortalecida que reduza cada vez mais a taxa de desemprego e onde os jovens possam ter uma oportunidade com uma ideia de negócio que pode ser implementada aqui em Santo Antão se levarmos a sério aquilo que nós queremos para a nossa agricultura.

Quais são as opções turísticas para o município do Paul?

Paul tem grandes potencialidades a nível do turismo e nota-se que tem havido nestes últimos tempos um aumento de turistas que visitam a ilha de Santo Antão, principalmente nas épocas festivas. O que temos dito é que nós não queremos um turismo concorrente com Mindelo, Praia, Boa Vista e Sal. Queremos é esse turismo complementar. Ou seja, nós não vamos inventar nada e nem temos que inventar. É aproveitar as nossas potencialidades, a nossa forma de ser e de receber as pessoas. Temos as nossas potencialidades rurais, ou seja, os caminhos vicinais, o contacto com a natureza, a nossa culinária e o contacto com a natureza que é peculiar de Santo Antão. Não temos praias para oferecer, mas temos os grandes circuitos turísticos que podem ser aproveitados. Estamos a fazer um bom trabalho neste sentido, mas é preciso continuar a melhorar cada vez mais, aproveitando as potencialidades naturais que nós temos, mas também as oportunidades que não surgem todos os dias, mas que é preciso aproveitar.

Num recente seminário internacional realizado no Porto Novo, especialistas alertaram que a construção do aeroporto, a extensão do porto e instalação de teleféricos poderão alterar o modelo do turismo na ilha. Compartilha essa preocupação?

Não tenho esse receio, porque certamente esses experts devem estar a pensar num turismo de massa. Mas o turista que vem a Santo Antão é um turista diferente. É um turista que não está a pensar apenas em sol e praia. Como eu disse, é um turista que gosta de fazer caminhadas e de sítios mais calmos. Só vai encontrar isso aqui em Santo Antão, em São Nicolau e na ilha do Fogo. Portanto, não é pelo facto de virmos a ter um aeroporto, ou a extensão do porto de Porto Novo que isso vai mudar. É evidente que nós temos ainda um longo caminho a percorrer, mas aquilo que nós queremos é criar condições ao turista para chegar ou sair de Santo Antão de forma mais rápida e segura possível. E nós só poderemos dar o salto se tivermos o aeroporto de Santo Antão. Portanto a construção do aeroporto e a segunda fase do porto não vão mexer com o tipo de turismo que nós queremos. Pelo contrário: ficarmos da forma como as coisas estão e que não vamos a parte alguma. O Aeroporto de Santo Antão e a extensão do porto poderão inclusive fazer aumentar o turismo em Santo Antão e todos nós queremos, mas de certeza que nunca iremos ter aquele turismo de massa. Não poderemos nunca ter receio do desenvolvimento. Porque no dia em que tivermos receio do desenvolvimento, estaremos a ir contra a nossa ilha, contra a nossa a nossa região e contra o nosso país.

Estamos a pouco mais de um ano das eleições municipais. Já tem uma decisão formada sobre a sua eventual recandidatura?

É assim, todo o presidente de Câmara é sempre um potencial candidato. Evidentemente que irei ponderar muito bem aquilo que nós já fizemos, aquilo que há ainda por fazer, mas também na forma como as pessoas avaliam o nosso trabalho e a abertura do governo face à minha eventual recandidatura. Depois de fazer todas essas ponderações é que poderei dar uma resposta. Evidentemente que quem está na Câmara é sempre candidato, mas é uma resposta que só poderei dar um pouco mais para a frente.

Em 2016 anunciou prematuramente a sua intensão de se recandidatar à Câmara Municipal do Paul. Porque é que agora, já no final do mandato, se tornou mais cauteloso?

Sabe, com a passagem do primeiro mandato para o segundo mandato, as responsabilidades vão aumentando a cada dia que passa. Tendo sempre em consideração essa crescente responsabilidade é que nos clama hoje em sermos um pouco mais resguardados e mais coerentes.

Em 2016 talvez porque não estivesse muito convicto do seu desempenho resolveu fazer uma fuga em frente que deu certo. Desta vez está mais tranquilo?

É evidente que nós agora temos outras condições de trabalhar. Primeiro, porque existe mais diálogo com o governo. Mesmo não havendo mais recursos no país, existe agora uma distribuição mais democrática. E quando assim é, eu sei com o que posso contar no dia de amanhã. Às vezes pode até ter algum atraso, alguma burocracia, mas eu sei com aquilo que posso contar. Já há alguns anos atrás havia sempre aquela indefinição – será que vou ter isso, será que vou conseguir aquilo? Agora as coisas estão claras. Eu sei que os projectos que a Câmara Municipal elencou e dentro daquilo que nós priorizamos, sabemos com o que podemos contar. É isso.

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Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 916 de 19 de Junho de 2019. 

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Autoria:António Monteiro,23 jun 2019 9:02

Editado porDulcina Mendes  em  22 mar 2020 23:20

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