O Fórum terá periodicidade anual e vai trazer à Capital Cabo-verdiana da Juventude 2019 stakeholders, instituições e convidados que vão falar das diversas oportunidades para a juventude cabo-verdiana e para a juventude africana. “Ou seja, vamos abrir essa janela da África aos jovens de Cabo Verde”, garante Carlos Monteiro.
Governo e PNUD promovem o 1º Fórum Nacional da Juventude. Em que consiste a parceria com este programa das Nações Unidas?
Temos que fazer primeiro o enquadramento para chegarmos à resposta a esta questão. Existe no continente africano, e regressei ontem [domingo] da Cimeira do YouthConnect Africa que se realizou, em Kigali, no Ruanda. O YouthConnect Africa é uma iniciativa do PNUD e do governo ruandês que foi lançado em 2012 cujo objectivo é criar uma plataforma que pudesse conectar os jovens africanos às oportunidades que existem no continente africano e tentar resolver assim, de uma forma holística, numa dimensão continental, os vários problemas com que se deparam os jovens nos diferentes países da África. A partir daí vários países africanos já aderiram a esta iniciativa, entre os quais Cabo Verde, que no ano passado aderiu formalmente ao YouthConnect Africa. Tudo isso tem o alto patrocínio do PNUD. E o 1º Fórum Nacional da Juventude que se realiza em Mindelo vem como uma das iniciativas dentro do YouthConnect Cabo Verde. Ou seja, é a iniciativa que lançará de forma mediática em Cabo Verde a YouthConnect Cabo Verde, acoplado à iniciativa YouthConnect que é feita em todos os países em parceria com o PNUD. O PNUD é o forte parceiro, em África, dos programas YouthConnect nos diferentes países onde já foram oficialmente lançados. Neste momento são 12 países.
Qual é a importância da realização do 1º Fórum Nacional da Juventude, em São Vicente?
Começando pela última parte. Em São Vicente, porque o governo lançou este ano a iniciativa Capital Cabo-verdiana da Juventude. E Mindelo foi escolhida como Capital Cabo-verdiana da Juventude 2019 [Junho/Dezembro]. Nesse sentido temos vindo a realizar algumas actividades do sector da juventude, em Mindelo, como foi a comemoração do Dia Mundial da Juventude, a 12 de Agosto, como foi o lançamento do Conselho Consultivo da Juventude, também em Mindelo. Sendo Mindelo a Capital Cabo-verdiana da Juventude 2019 fazia todo o sentido que o 1º Fórum Nacional da Juventude fosse realizado em Mindelo.
Pouca gente se deu conta que Mindelo é a capital cabo-verdiana da juventude.
Nós temos noção disso. A iniciativa foi lançada publicamente e desde então temos vindo a realizar actividades. A questão do impacto mediático a nível nacional tem a ver com o que eu disse logo no início: trata-se do ano zero do lançamento desta iniciativa que aconteceu a meio do ano. Daí Mindelo ter apenas seis meses para implementar algumas actividades. Precisamente por ser o ano zero, vai fazer com que se dê a conhecer ao país esta iniciativa e o quê que ela implica para as cidades que alberguem a capital cabo-verdiana da juventude. Temos a noção de que há um trabalho contínuo a ser feito e, como é óbvio, o terreno que Mindelo está a desbravar neste momento fará com que a próxima capital cabo-verdiana da juventude em 2020 tenha muito maior visibilidade. Falando da importância do fórum. O impacto em Cabo Verde do YouthConnect Africa começa a ser cada vez maior. Os jovens, principalmente os jovens empreendedores, vão tomando conhecimento disso. Nós também detectámos que em Cabo Verde há um vazio em termos da conexão dos jovens nos diferentes concelhos. Pelo facto de sermos um país arquipelágico o intercâmbio entre os jovens dos vários concelhos é mais difícil. Nós detectámos essa fragilidade, daí a nossa adesão à plataforma e querermos com o YouthConnect Cabo Verde alcançar um objectivo muito grande que é fazer com que jovens dos diferentes concelhos passem a conhecer realidades fora do seu concelho, fora da sua ilha. Ou seja, fazer uma verdadeira conexão entre os jovens cabo-verdianos, porque, como nós sabemos, do conhecimento do que se passa fora da nossa casa, também melhoramos, se calhar conseguimos resolver os nossos problemas de uma forma diferente. Então, fazer essa conexão entre os jovens cabo-verdianos às oportunidades que existem não só aqui em Cabo Verde como também a nível de África é um dos grandes objectivos do Fórum de Mindelo. Eu diria que é uma preocupação continental sim, pelo YouthConnect Africa, mas também a nível mundial. Há várias oportunidades por esse mundo fora. Vamos falar do nosso continente: há muitas oportunidades na África; a África é neste momento um mundo de oportunidades. O que se passa é que os jovens em Cabo Verde não têm sabido como aceder a essas oportunidades. O 1º Fórum Nacional da Juventude, que nós queremos realizar com periodicidade anual, vai trazer stakeholders, instituições e convidados a nível individual que vão falar precisamente das diversas oportunidades para a juventude cabo-verdiana, para a juventude africana. Ou seja, vamos abrir essa janela de África aos jovens de Cabo Verde.
Ao que parece, a janela africana é pouco apetecível aos jovens cabo-verdianos.
Vou responder a esta pergunta da seguinte forma. Nós em Cabo Verde temos vindo a falar do mercado africano há muitos anos. Mas eu acho que verdadeiramente não demos ainda o passo, ou seja, não fomos consequentes com o discurso. Eu acho que a juventude pode ser a via ideal para que Cabo Verde comece a se integrar no espaço africano de uma forma mais efectiva. Os jovens hoje em dia, por si só, vão adquirindo ferramentas: são os jovens mais conectados com o mundo do que se calhar foram as gerações anteriores. São talvez os jovens que sabem melhor o que se passa em alguns países e continentes do que as gerações anteriores. Mas falta criar o ambiente propício para que deem esse passo com segurança: e é isto que nós estamos a querer criar, trazendo os grandes players africanos que lidam com a problemática da juventude e que criam programas para o empoderamento da juventude africana. Vamos mostrar ao jovem cabo-verdiano esse cenário e a partir daí mostrar quais são os passos que deve dar. Queremos que as nossas instituições aqui, quer a Pró Empresa ou a própria AJEC possam também ser parceiras nesse caminho que queremos desbravar para os jovens cabo-verdianos em África.
O filantropo nigeriano Tony Elumelu é um dos convidados do fórum. O que ele vai dizer aos jovens?
Poucos são os jovens cabo-verdianos que conhecem a figura de Tony Elumelu. Há alguns jovens que, como tinha dito anteriormente, se calhar, através de pesquisas conheceram a Fundação Tony Elumelu e até já beneficiaram de alguns dos programas desta fundação. Até vi que houve um ou dois jovens cabo-verdianos que estiveram no último fórum da sua fundação, mas a título particular, não foi uma iniciativa governamental. Tony Elumelu é talvez neste momento a maior filantropo de África para questões da juventude. A sua fundação tem todos os anos vários programas de financiamento de projectos de jovens africanos. Tony Elumelu é neste momento uma estrela em África e, como já disse, é considerado um dos maiores filantropos para questões da juventude. Foi-lhe endereçado um convite directamente do sr. Primeiro-ministro; ele acedeu logo em estar presente em Mindelo. Para se ver o seu engajamento com a juventude ele propôs que o ajudássemos a organizar um evento paralelo ao fórum só para ele falar com jovens empreendedores e apresentar todos os programas da sua fundação que é um evento que se vai realizar na quarta-feira [hoje, dia 16] no Mindelo. O evento será no dia anterior ao fórum e nós aproveitamos logo essa oportunidade e estamos neste momento a negociar um memorando de entendimento entre a Fundação Tony Elumelu, a AJEC e a Pró Empresa, para que essas duas instituições funcionem como parceiras da Fundação Tony Elumelu na sua conexão com jovens empreendedores em Cabo Verde, dinamizando, divulgando informação e incentivando os jovens a participar nos programas da Fundação. Basicamente um memorando-chapéu para que se comece a ter uma colaboração.
O Ministro de Estado disse que o governo está apostado em mudar o perfil académico dos jovens para que possam adaptar-se aos novos tempos. O que significa isso concretamente?
É uma excelente questão e vou aproveitar a oportunidade para explicar isso de uma forma abrangente. O que o sr. Ministro de Estado disse, e bem, tem a ver com a forma como este governo desde o início disse que ia atacar a problemática da juventude. Muitos criticaram-nos pela extinção do Ministério da Juventude, e consequentemente da Direcção Geral, porque não havia uma estrutura da juventude, mas o programa do governo é muito claro: nós vamos atacar de uma forma holística a questão da juventude com o objectivo, como disse o Ministro de Estado, de melhorar o perfil do jovem cabo-verdiano. Do que é que se trata? Quando ele fala de línguas estrangeiras, como sabe, fizemos uma reforma do sistema educativo e um dos pontos dessa reforma foi a introdução de língua estrangeira a partir do 5º a 6º ano, se não estou em erro. Já temos inglês e francês e em algumas escolas temos também um projecto, em parceria com a China, do ensino do mandarim. Mas não é só em termos de línguas estrangeiras. Nós estamos a introduzir o contacto dos nossos jovens estudantes com robótica, com tecnologias de informação, com programação e codificação. Porquê? Porque essas são áreas que constituem as profissões do futuro. Neste momento há vários programas em vários países, desde logo, em Portugal, de reconversão, por exemplo, até de engenheiros, jornalistas e juristas em programadores. Inclusive há um programa que é acelerado, em que entre três e seis meses as pessoas aprendem a programar e encontram logo trabalho, porque as empresas de tecnologias buscam de forma intensiva esta mão-de-obra. Por isso nós queremos adaptar o perfil do jovem cabo-verdiano. A médio e longo prazo terá que ser um perfil adaptado ao caminho que o mundo está a perseguir. É um caminho onde as línguas estrangeiras vão ser fundamentais, a facilidade de lidar com novas tecnologias vai definir a nossa maior ou menor possibilidade de conseguir um emprego. Toda a reforma do sistema educativo cabo-verdiano vai neste sentido: melhorar, para dar melhores ferramentas às nossas crianças, aos nossos adolescentes e jovens para que logo que ataquem o mercado de trabalho tenham as ferramentas necessárias para serem competitivos em Cabo Verde, na África e no Mundo.
Há a crítica de que os estágios profissionais são uma forma velada de encobrir o desemprego jovem.
Já tomamos conhecimento dessa crítica em alguns sectores. Eu diria que é mais crítica da oposição, mas repare uma coisa. Nós não inventamos a pólvora. Estágios profissionais existem em todo o mundo, existem nos países mais desenvolvidos do mundo e existem nas melhores empresas do mundo, porque são vistos como uma ferramenta ideal para pegar num jovem recém-licenciado ou que tenha uma formação e pô-lo a ganhar experiência em contexto de trabalho, a conviver com outros profissionais com mais experiência e a partir daí o próprio jovem testar as suas capacidades e ver em quê que pode melhorar, preparando-se para ficar naquela mesma empresa, se conseguir, mas se não ficar, melhorou o currículo, ganhou experiência profissional e estará mais capacitado a conseguir um emprego no futuro. Eu entendo que a oposição faz o seu papel e critica, mas temos que perceber bem que estamos inseridos no mundo. E programas como esses são programas de sucesso que não só muitos estados têm como também empresas grandes fazem o seu próprio programa de estágio, porque recrutar estagiários é o caminho para fazer com que esses jovens adquiram as ferramentas adequadas e possam ser competitivos no mercado de trabalho.
Qual é a taxa de sucesso dos estagiários no mercado de trabalho?
Os últimos dados que nós temos e que foram divulgados pelo IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional] sobre os seus programas de estágio a percentagem de colocação no mercado de trabalho após estágio era pouco mais de 60 por cento. Nós acreditamos que poderemos melhorar esses números. É que nós estamos a fazer um grande esforço na reformatação de novas ofertas formativas que estamos a lançar; ofertas formativas mais adequadas ao mercado de trabalho. Ou seja, é formar tendo em conta a componente da empregabilidade; não podemos apenas abrir formações profissionais; as ofertas formativas que nós abrimos são ofertas que darão ao jovem a seguir à formação grande probabilidade de conseguir emprego ou ele mesmo conseguir abrir o seu próprio negócio. É um programa que está a ter sucesso, nós assumimos o compromisso de dar acesso à formação profissional a 5 mil jovens cabo-verdianos por ano e a 5 mil jovens ao estágio profissional. Os últimos dados que conhecemos apontam para um número a rondar os sete mil, juntando formação profissional e estágio profissional. E estamos esperançados que vamos chegar aos 10 mil este ano, e para o próximo ano vamos ver a possibilidade de aumentar esse número. Temos que ver isso na perspectiva de não só melhorar o perfil do jovem cabo-verdiano para adaptá-lo melhor ao que o mercado de trabalho exige, mas também na perspectiva de resolver os problemas que existem hoje: jovens que precisam do acesso a uma formação e precisam de acesso a um emprego e essa é a via que nós encontramos para resolver esse problema de forma imediata. Terminando a responder à sua questão, devo lembrar que nos estágios profissionais 60 por cento da remuneração é suportada pelo próprio governo e a entidade que recebe o estagiário suporta os restantes 40 por cento.
O lema do 1º Fórum Nacional da Juventude é “Preparar os Jovens para o Mercado Global”. Como o governo está a preparar os jovens para este mercado?
Regressamos quase que à parte inicial da entrevista. Já foi apontando aqui vários aspectos desta questão. Ou seja, preparar os jovens para o mercado global, é capacitá-los, dá-los ferramentas que permitem hoje a um jovem ser competitivo no mercado de trabalho global. Obviamente que temos que ver primeiramente para o mercado interno, para os jovens que vão conseguir emprego aqui, mas também há jovens que poderão ser competitivos no mercado continental (e nós estamos muito voltados para o mercado continental) e também nesse mundo globalizado e competitivo. Desde logo eu quero pôr enfoque na já referida reforma da educação que fazemos. Porque esse é o nosso maior trunfo para preparar os jovens. O perfil académico terá que mudar e nesse caminho de mudança do perfil académico, mudará necessariamente a nossa forma de encarar os desafios, de encarar o trabalho. O que é que se exige hoje no mundo globalizado para quem procura emprego? Línguas estrangeiras, novas tecnologias, programação, tudo isso são ferramentas que não podem ser estranhas a um jovem cabo-verdiano quando ele completa a sua formação. É por isso que foram introduzidas em tenra idade no nosso currículo escolar. Nós não podemos pensar como se pensava antes em Cabo Verde e ainda no meu tempo era assim: ‘olha, tens de estudar direito, medicina ou engenharia civil’. Enfim, profissões tradicionais para as quais os pais empurravam os filhos em Cabo Verde. Hoje em dia temos que diversificar; sabemos que há outras profissões que são chamadas profissões do futuro e nós estamos a preparar os jovens cabo-verdianos com a nossa reforma do sistema educativo para o mercado de trabalho que irão enfrentar no futuro.
Porque só agora a realização do 1º Fórum Nacional?
É que nós tivemos que lançar as bases em Cabo Verde. Aquilo que nós encontramos no sector da juventude era o seguinte: havia centros de juventude que tinham algumas actividades lúdicas ou tinham algumas ofertas formativas; havia programas de apoio a actividades geradoras de rendimento que funcionavam dentro da própria Direcção Geral da Juventude, ou seja, no próprio Ministério da Juventude. Nós quebramos esse ciclo. E em termos estruturais, não quero ser mal-entendido, nós não encontramos eventos, actividades ou iniciativas que tivessem aquela característica de perenidade. Agora nós queremos lançar esse tipo de plataformas, esse tipo de eventos. Essa nossa ligação ao YouthConnect Africa é algo que irá perdurar no tempo. É uma iniciativa continental com cada vez maior sucesso. No ano passado apenas seis países tinham aderido à iniciativa. Este ano já temos 12 países que já aderiram à iniciativa e estão cerca de 10 países à porta para formalizarem a sua entrada. Se calhar no próximo ano seremos não 12, mas cerca de 30 e já estaremos a atingir metade dos países do continente africano. Ou seja, é uma plataforma que se vai alargar e acreditamos que é esse o caminho. O mundo está conectado e Cabo Verde não pode ficar de fora. Os jovens cabo-verdianos têm de estar conectados ao mundo para poderem ter acesso às melhores oportunidades que se oferecem.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 933 de 16 de Outubro de 2019.