No seu discurso, o Presidente da República, José Maria Neves, afirmou que o conjunto de leis aprovadas revisitou a lei da organização judiciária, os estatutos das magistraturas e a orgânica dos conselhos superiores, incluindo os serviços de inspecção.
José Maria Neves sublinhou ainda que a aprovação destas medidas se insere num percurso iniciado com a revisão constitucional de 2010, que desenhou “uma nova arquitetura da justiça cabo-verdiana”.
Nesse sentido, acrescentou que, quinze anos volvidos, essa reforma conhece agora um novo ciclo de maturação, sinalizando um horizonte de esperança e de consolidação institucional.
“Esse esforço é herdeiro de um percurso iniciado com a revisão constitucional de 2010, que desenhou uma nova arquitetura da justiça cabo-verdeana. Quinze anos envolvidos, essa reforma conhece agora um novo ciclo de maturação, sinalizando um horizonte de esperança e de consolidação institucional. Todavia, a realidade impõe prudência e determinação”, discursou.
O Chefe do Estado alertou para os desafios que persistem, nomeadamente a morosidade processual, as pendências acumuladas e as fragilidades do serviço de inspecção judicial.
“Há pessoas à espera de uma sentença há meses e até anos. Esta é uma situação que não pode continuar, sob pena de comprometermos a transparência e a confiança que todos devemos ter na justiça”, advertiu.
O Chefe de Estado defendeu também que a independência do poder judicial deve ser acompanhada de meios e de responsabilização dos operadores judiciários. “Mais do que diagnósticos, a hora reclama soluções firmes e estratégias coerentes”, referiu.
STJ
Ainda relativamente ao pacote legislativo, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Juiz Conselheiro Benfeito Mosso Ramos, disse que a sua aprovação representa um marco importante para o sector, sublinhando o consenso alcançado entre os órgãos de soberania em torno das reformas estruturantes.
“Estamos perante um esforço merecedor de registo, até porque nos proporcionou a rara oportunidade de testemunhar um amplo e sólido consenso, uma singular convergência entre todos os órgãos de soberania em como não se podia adiar mais as reformas estruturantes para o setor da Justiça”, afirmou.
Segundo o magistrado, as alterações abrangem matérias como a orgânica e o funcionamento dos tribunais, a orgânica dos conselhos superiores das magistraturas, a inspeção das magistraturas e o estatuto dos magistrados. “Estamos convictos de que essa melhoria não tardará a dar frutos”, acrescentou.
O Presidente do STJ manifestou ainda o desejo de que o mesmo espírito de consenso seja aproveitado para resolver questões pendentes relacionadas com os oficiais de justiça, em especial no que respeita ao estatuto remuneratório.
“A relação de causa e efeito entre o investimento nos recursos humanos e os resultados é tão evidente que dispensa demonstração”, frisou.
No seu discurso, Benfeito Mosso Ramos apelou igualmente a que, do interior do sistema, se consolide uma cultura de trabalho voltada para resultados mensuráveis, com serenidade e firmeza perante as adversidades, mas também com humildade para escutar o sentir da sociedade.
CSMJ
Por sua vez, o Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), Bernardino Delgado, considerou que o referido pacote legislativo constitui uma ferramenta fundamental para o reforço da eficácia do sistema judicial em Cabo Verde.
“Cumpre-me sublinhar que as alterações levadas a cabo através do pacote da Justiça recentemente aprovado no Parlamento ajudarão, por certo, o Conselho no cumprimento dos seus objectivos”, declarou.
Conforme Bernardino Delgado, a aprovação deste conjunto de leis surge num momento em que o sector enfrenta desafios importantes, entre os quais a preservação da independência dos tribunais e o combate à morosidade processual.
“É um compromisso claro perante os cabo-verdianos: reduzir o tempo de espera dos jurisdicionados e pôr fim a práticas que mantêm as partes indefinidamente na expectativa de uma decisão”, apontou.
Bernardino Delgado recordou que, em 2023, entraram nos tribunais 13.558 processos, tendo sido resolvidos 13.846, um sinal de maior capacidade de resposta do sistema. Ainda assim, sublinhou que “a dimensão da redução da pendência podia ter sido maior, de modo a acentuar a curva decrescente”.
A instalação do novo Juízo de Instrução Criminal na Comarca da Praia, o reforço do número de juízes e oficiais de justiça, bem como a aposta na modernização tecnológica, foram outros pontos destacados pelo presidente do CSMJ como medidas que irão traduzir-se em ganhos para a aproximação da Justiça ao cidadão.
“Estamos numa nova era, a era da revolução tecnológica, que traz oportunidades, mas também desafios. É necessário que todos os operadores do direito assumam um compromisso renovado com a excelência e com uma justiça verdadeiramente livre e independente”, concluiu.
OACV
“A nossa expectativa é clara: que estas leis venham a contribuir para uma boa administração da Justiça, para torná-la mais certa, mais moderna e mais próxima dos cidadãos”, disse o bastonário da Ordem dos Advogados de Cabo Verde (OACV), Júlio Martins.
O responsável lembrou, contudo, que não basta aprovar leis, acrescentando ser indispensável que cada operador do sistema, magistrados, advogados, funcionários, gestores e decisores políticos, assuma a sua responsabilidade na concretização das reformas.
No mesmo discurso, o Bastonário enquadrou o momento no contexto das celebrações dos 50 anos da independência nacional e dos 33 anos da Constituição da República, sublinhando que a Justiça deve ser entendida como um pilar silencioso que sustenta a democracia.
“Sem tribunais independentes, a Constituição não passa de um texto escrito. É a Justiça que lhe dá vida e eficácia, garantindo que os limites do poder sejam respeitados e que os direitos dos cidadãos sejam defendidos”, afirmou.
Defendendo mais transparência no sector, Júlio Martins salientou que a democracia não se alimenta apenas da correcção das decisões, mas também da percepção pública de que a Justiça está a ser feita.
PGR apela à preservação da independência da Justiça e alerta para riscos da judicialização da política
No seu discurso, o Procurador-Geral da República (PGR), José Luís Landim, afirmou que a independência dos tribunais, a autonomia do Ministério Público e a separação de poderes são conquistas do direito cabo-verdiano que importa preservar e fortalecer, não o contrário.
“Vivemos tempos marcados por exigências crescentes da sociedade no que respeita à transparência, à sanidade da justiça e ao combate à impunidade. A confiança em si e na justiça é um pilar fundamental para a estabilidade e coesão social”, referiu.
O PGR lembrou que o novo ano judicial coincide com um período pré-eleitoral, o que exige ainda maior sentido de responsabilidade por parte das instituições. “Estamos já em época pré-eleitoral, propícia a denúncias ruidosas e mediáticas, conflitos políticos e assuntos que não se conseguem resolver pelos meios políticos normais, sendo submetidos à resolução dos órgãos judiciários. É a judicialização da política”, advertiu.
Neste contexto, apelou os actores políticos e sociais que o debate político se desenvolva dentro dos limites do respeito mútuo e da legalidade.
“Evitem os discursos agressivos, inflamados ou que incitem a intolerância. Tais manifestações podem gerar tensões desnecessárias e colocar em risco a paz social”.
José Luís Landim aproveitou ainda para apresentar dados sobre o desempenho do Ministério Público, revelando que em 2024/2025 foram movimentados quase 92 mil processos, com um aumento de 2% face ao ano anterior, e resolvidos cerca de 28 mil, o que representa um crescimento de 4,8%.
O PGR reconheceu, no entanto, as dificuldades estruturais: “Estas referências aos dados servem para demonstrar, essencialmente, duas coisas: por um lado, a insuficiência do número de magistrados e de oficiais de justiça; por outro, o esforço para, apesar dos constrangimentos, conseguir reduzir a pendência e aumentar a produtividade”.
Sobre a criminalidade, informou que houve uma redução de alguns crimes, nomeadamente a violência baseada no género (-25,4%), os homicídios (-9%) e os crimes sexuais (-11,7%).
Landim elogiou ainda a entrada em funções de 14 novos procuradores e a nomeação de 57 oficiais de diligência, sublinhando a importância do reforço de recursos humanos e da modernização tecnológica, através do Sistema de Informação da Justiça (SIS).