Para Germano Almeida, intitular-se “contador de estórias”, mais do que modéstia ou jeito desprendido de dizer as coisas e de encarar a escrita, é dizer que o material para a sua escrita está lá, existe ou existiu a nível do real, do factual – “As matérias estão por cá espalhadas e aos pontapés de quem tem ouvidos (…), melhor, andam no ar à disposição dos neurónios de cada qual” – e que ele, enquanto escritor, “apenas” a está a contar, acrescentando-lhe algum tempero, claro, pela sua forma de narrar. Já ser “romancista” é “criar uma estória, completamente ficcionada”.
Contudo, isso não é tão líquido assim. Embora se saiba que a criação literária é um produto da imaginação, convém dizer que ela é feita de reminiscências que a ligam à realidade, de experiências directas e daquelas colhidas em relatos orais ou escritos fornecidos por outrem. Assim, a palavra invenção não tem um significado absoluto, já que nada se traz do nada.
Nas palavras avisadas do escritor António Lobo Antunes (Lisboa, 1942 –), “Nós não inventamos nada. Quando estamos a fazer um livro estamos a falar de nós mesmos. É você que está no livro, através daquelas vozes. Ou melhor, é apenas uma voz.” – Revista Tabu/Semanário Sol, 2008.
Em O Fiel Defunto lê-se a páginas tantas: “O escritor [Miguel Lopes Macieira] concordou que é impossível escrever sem pôr nos livros muito do que somos e disse que de certa forma os romances são autobiografias disfarçadas”.
Estórias contadas ou estórias inventadas, o que existe são narrativas do escritor, uma “escrevivência”, sendo Germano Almeida um “contador de vidas”, e é isso que conta, um contador de estórias e romancista, agora Prémio Camões.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 861 de 30 de Maio de 2018.