O Expresso das Ilhas esteve em conversa com Paulo Lobo Linhares, director artistico da InSulada, uma etiqueta cabo-verdiana de distribuição, produção, agenciamento e encontros musicais.
O país dispõe de várias escolas de música, algumas graças ao programa Bolsa de Acesso à Cultura, uma iniciativa do governo que tem por missão garantir que a população com menos recursos não fique excluída da “fruição da arte”.
Além disso, existe o concurso “Tudu Kriansa Kanta” que acontece no concelho de Santa Cruz, e já vai na sua 11ª edição. Este concurso acontece todos os anos e conta com a participação de várias crianças daquele município que querem mostrar o seu talento.
O concurso é um projecto sócio-cultural-pedagógico que visa através da música educar as crianças e orientá-las no sentido de exercerem a cidadania.
Segundo Paulo Lobo Linhares, a base da carreira de uma criança artista está a ser bem executada, e indicou que temos nomes como Tó Tavares, Cesária Évora Academia de Artes, e outros que dão às crianças uma boa base, ensino e preparação para serem artistas.
“Muitos deles saem com qualidade de um artista de palco. Ainda há dias estava a ouvir uma criança da escola de Tó Tavares com uma voz fantástica, mas o que acontece é que faltam produtores voltados para esta faixa etária, porque um produtor que trabalha com artistas mirim não é a mesma coisa que um produtor que trabalha com um adulto; ele tem que ter outros cuidados e metodologias, que não metodologia de um adulto”, frisa.
Produtores para artistas Mirim
Paulo Lobo Linhares sublinha que temos poucos produtores ou gestores de carreira com o cuidado de pegar nos artistas mirins. “Aí surge o primeiro problema, porque acabam a formação e depois ficam meio à toa. Uns seguem curso na área musical e outros ficam meio à toa, acabando por perder a ligação musical”.
“Quando não ficam à toa e resolvem mesmo continuar a formação musical, conseguem fazer as suas carreiras musicais e solidificar as suas carreiras mais tarde. Quando eram artistas mirins não tinham produtores e há alguns que se perdem e não ficam mais na música e outros que guardam aquele conteúdo e que irá explodir mais tarde”, indica.
Paulo Lobo Linhares cita o caso de Mayra Andrade, Sandra Horta, Djodje, Hilário Silva, Sara Alhinho e Zubikilla e outros que passaram pela escola Pentagrama do músico Tó Tavares e que conseguiram levar a sua paixão musical até serem artistas.
Música em segundo plano
Para Paulo Lobo Linhares em Cabo Verde ainda há pais que insistem em que os filhos devem primeiro estudar, fazer formação superior e só depois fazer a música.
“Acho que ainda existe um problema em Cabo Verde em que os próprios pais ainda insistem que a carreira musical é algo secundário, o que não é mau. Tipo, o meu filho tem que estudar e fazer o seu curso e só depois é que pode fazer música”, assevera.
Este produtor afirma que os pais ainda têm um pouco de insegurança o que é justificável, pois “o meu filho quer ser artista vou deixá-lo ser artista, mas aqui não temos conservatórios, o que fazemos”?
“O pai que quer que o filho continue nessa área tem que mandá-lo para um conservatório lá fora, porque para ser um artista mirim ele tem que ir para um conservatório. Aqui acabas à toa porque não tens curso de música, então o pai tem que colocar o seu filho num conservatório. Aí ele tem que sair para fora mais cedo que o normal. Neste sentido, há algumas reservas dos pais, o que acho que é perfeitamente compreensível, porque ainda estão muito novos”, conta.
Paulo Lobo Linhares acredita que a falta de artistas mirins é porque não temos produtores direccionados para esta faixa etária, porque cheguei a conhecer muitos profissionais em Portugal que são produtores e trabalham só com esta faixa etária e não com adultos. E lá tens conservatórios, palcos, espectáculos e tudo”.
“Lá fora há mercado voltado para artistas mirins, isso para ver que é um mercado completamente diferente e não tem nada a ver com o mercado dos adultos. Mas com isso não estou a dizer que um produtor de adultos não pode trabalhar com os mais novos, porque acho que trabalhar com um artista mirim carece de muito mais, como é óbvio”, explica.
Paulo Lobo Linhares lamenta o facto de não termos produtores musicais voltados para essa faixa etária. “Quando os produtores pegam nos artistas mirins, acredito que vejam naquela criança um adulto e não pode ser assim, quando pegas numa boa voz mirim onde pretendes lançar um disco tens que trabalhá-lo enquanto criança e não como um adulto”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1083 de 31 de Agosto de 2022.