O que quis dizer com este livro?
A minha preocupação ao escrever esse livro centrou-se na onda populista que tem ceifada o mundo e o nosso país nos últimos tempos e se os nossos direitos, liberdades e garantias não estarão em perigo, ou, melhor dizendo, se os meios de defesa da Constituição são fortes o suficiente para segurar as galopantes ondas do populismo endémico. Penso que o jurista deve estar na linha da frente das lides de protecção, garantia e respeito pelos direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos, pressionando os órgãos do poder a respeitar as regras e princípios previamente estabelecidos e que valorizam o indivíduo. Onde o Estado, através da Constituição, tenha o devido reforço de limitação da arbitrariedade na política, cabendo aos políticos respeitar a nossa Constituição e os seus princípios e valores que ampara, e, ainda que em último recurso, que o Garantismo Penal seja a base do sistema penal, para que todos os actores legislativos e de aplicabilidade da política criminal não caiam em tentações populistas, e, que continuem a assegurar os direitos e liberdades das pessoas e a própria segurança do Estado de Direito.
Na sua opinião, como é feito o populismo em Cabo Verde?
Neste livro tencionamos demonstrar como é que o populismo é feito em Cabo Verde, apresentando-se como uma verdadeira ameaça ao nosso Estado de Direito Democrático implementado em 1992. É um tema que nunca foi desenvolvido no país, pelo que a responsabilidade é grande, mas assumo-a, citando aqui o meu patrício Baltasar Lopes da Silva, o mais ilustre filho destas ilhas, adaptando a frase à minha profissão: "Estou certo de ter cumprido aquilo que se chama espírito de missão, missão porque só nesta perspectiva compreendo e acredito a função de jurista". Ele teria referido ao seu percurso como professor. É que o populista tende a imaginar um povo homogéneo e virtuoso, envolvido num conflito moral com uma elite também homogénea, mas na sua perversidade. “Eles”, os outros, são a “outra casta”: na religião, na cultura, na nacionalidade, nas suas próprias condições ou projectos de vida, das fronteiras ou solos que tenham vindo. No fundo, é o reforço da coesão de um grupo identificando ou inventando um inimigo, imoral, que, em nenhum momento, pode pôr em causa o povo puro, dono da moralidade que, em tudo, está com ele. Ora, dito isto, fica claro que a nação cabo-verdiana, logo após a independência, foi submetida ao projecto político populista do PAIGC. A ofensiva populista do PAIGC imaginou um povo homogéneo e virtuoso (aquele que está com o partido), envolvido num conflito moral com uma elite contra-revolucionária. O PAICV reforçou essa coesão através de organizações de massa, identificando ou inventando um inimigo, imoral, que em nenhum momento pode pôr em causa o povo puro, dono da moralidade que, em tudo, está com o Partido. É sempre assim que o populismo actua, só que nunca consegue controlar toda a sociedade, pois ela é plural e vestida de díspares pensamentos. Que fique claro: o populismo, numa incursão pós-independência, sempre existiu no seio da nossa sociedade em Cabo Verde. A procura social é que não tem encontrado ofertas e oportunidades políticas que, infelizmente, nos últimos tempos tem sido ativado por alguns atores políticos. Nos últimos tempos, a ascensão do populismo na Europa e noutras fronteiras tem recebido grande atenção por parte dos académicos que, ao contrário dos nossos que ainda se encontram na fase da escravatura e questões identitárias, fazem de tudo para compreender este fenómeno. Perante este vazio no seio académico, muito por culpa de zona híbrida entre o nacionalismo e o populismo, os académicos acabam por ter algum receio em caracterizar o nacionalismo centrado na construção do homem novo e na “reafricanização” dos espíritos, aniquilando a cabo-verdianidade. Com isso, a minha missão neste livro, além de identificar os ataques do Nacional Populismo, centrou-se na exploração dogmática dos meios de defesa constitucionais e se têm sido suficientes para defender a Constituição e as suas instituições do Nacional Populismo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1247 de 22 de Outubro de 2025.
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