Eu, pecador, me confesso… Novo livro de António Ludgero Correia lançado em Setembro

PorAntónio Monteiro,16 ago 2025 9:43

O nono livro do Prémio SONANGOL de Literatura de 2006 narra 13 confissões dos pecados e pecadilhos do protagonista Visconde Alípio de Abrolhos, o qual, sublinha o autor, não o faz esperando alcançar absolvição ou o reino dos céus. Apesar de estarmos no mundo da ficção, António Ludgero Correia acentua que “eventuais semelhanças com pecados e pecadores conhecidos, nacionais ou estrangeiros, do presente ou do passado, não serão mera coincidência”, realçando, entretanto, que são pecados e pecadilhos que um crioulo bem colocado pode cometer. Por esta razão António Ludgero Correia ambiciona que o seu novo livro desperte reflexões em muitos espíritos e leve as pessoas a reconsiderarem as suas opções de vida. O lançamento da obra está marcado para o dia 11 de Setembro, na Biblioteca Nacional, na Praia, com apresentação a cargo de Lígia Dias Fonseca.

Como chegou ao título do livro?

Bom, o Visconde Alípio Abrolhos escolhe um momento bastante tormentoso da sua vida e da vida de uma de suas pátrias, por sinal aquela que mais ama, para descarregar a consciência, fazer a catarse, preparar-se para o resto da vida. Ele adiou por muito tempo viver a vida que gostaria de viver e diante da situação criada com a pandemia do Coronavírus achou chegada a hora de confessar os pecados cometidos durante a sua multifacetada vida. E por não ser muito dado a encarar confessionários…

Pelo que entendi, o pecador penitente confessa-se, mas não está nem aí para a absolvição dos seus pecados.

É isso aí. Quer lavar a alma, ficar em paz consigo mesmo, mas nem lhe passa pela cabeça a hipótese de pedir a absolvição dos pecados

Não lhe parece que assim agindo não há garantia de que não volta a pecar?

Eu não vejo as coisas assim. Parece-me claro que Alípio Abrolhos está dizendo basta! Já fiz demasiadas baboseiras, já prejudiquei muita gente, cansei de viver na corda bamba e quero ficar em paz comigo mesmo. Ele não quer o perdão, mas mantém o firme propósito de emenda, que é, como quem diz, faz o acto de contrição. Creio que ele só não quer parecer lamechas.

Muito insólito.

Nem tanto. Quantas vezes nós próprios quando estabelecemos nossas metas para o Ano Novo, quando dizemos o que vamos fazer e os erros que não vamos repetir, mais não fazemos do que admitir nossas culpas e estabelecer nossos propósitos para o futuro. Só que a relação do nosso visconde com o decálogo é complicada pra caramba. E antes abrir mão do perdão pelas transgressões ao decálogo do que ter de enfrentar o Código Penal.

Então ele confessa os crimes?

Não iria tão longe. Agora, nessas coisas, a transgressão ao decálogo pode, por vezes, pôr o pecador a braços, também, com o Código Penal. Se se passa para lá do mínimo ético as sanções deixam de ser apenas uns tantos padre nossos, não havendo muito espaço para pedir absolvição simplesmente por se mostrar arrependido. E você sabe que os pecados podem ocorrer por pensamentos, por palavras e por acções, razão por que a relação pecado/crime não é linear

Que crimes e que pecados cometeu o seu Visconde?

Nosso Visconde. Ele é um fulano multigeracional, condiscípulo de Matusalém, nosso contemporâneo e, claro, também contemporâneo dos nossos pais e avós. Pelas confissões registadas, ele visitou o catálogo todo. Tem pecados veniais, capitais, mortais e por aí vai. Todo o catálogo do Catecismo. Eu compreendo perfeitamente a necessidade que sentiu de abrir o coração e deixar sair as confissões. E há muita nobreza de carácter nesse gesto.

O Visconde Alípio de Abrolhos é António Ludgero Correia?

Nem pouco mais ou menos. Conquanto entenda o seu nobre gesto, nunca estive nas posições em que o Visconde esteve e que lhe proporcionaram a oportunidade de cometer tais pecados. Nem penso em ninguém em particular quando chamo a atenção para o facto de eventuais semelhanças com pecados e pecadores conhecidos, nacionais ou estrangeiros, do presente ou do passado, não serem mera coincidência. É que estamos perante pecados e pecadilhos que um crioulo bem colocado pode cometer. E não me espantaria nada se as pessoas começassem a percorrer o texto com uma lupa a ver se identificam um vizinho, um familiar ou um correligionário como personagem das confissões.

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É um risco enorme que poderia desencadear uma caça às bruxas.

Não falaria de risco. Mas nesta era em que as redes sociais são rainhas e senhoras das informações, facilmente poderia ter início uma caça às bruxas, tendo como pano de fundo as confissões do vigésimo Visconde de Abrolhos. Me lembro que quando as pessoas identificaram um personagem de um dos meus livros e adaptaram a estória para que correspondesse ao assassinato de um político cá da praça.

Em qual livro narra esta estória?

Em Silêncio Cúmplice [2014]. Identificaram a vítima, Dirceu Pires, e começaram a interpretar o livro à luz dessa identificação. Foi complicado. Lembro-me que um fulano achou que Dirceu Pires era o irmão dele (que fora vítima mortal de uma violência imperdoável) e que me confrontou publicamente.

Espera reacção equivalente com o seu novo livro?

(Risos). Francamente, não. Este sorriso tem a ver com o banner que vi, há pouco tempo, no Aeroporto de Lisboa, decorando a capa de um livro e que dizia, mais coisa menos coisa, isto: será que este livro pode ser alvo de um processo judicial? verifique você mesmo.

Como lhe conheço, comprou logo o livro.

Comprei, claro. Você me conhece. Mas o livro não tinha nada demais e tenho a certeza absoluta que não deu lugar a processo nenhum. Foi uma ousada jogada de marketing que deve ter dado seus frutos. Agora se os editores daquele livro recearam, de facto, um processo, eu tenho de pôr as barbas de molho. Mas talvez seja melhor voltarmos à vaca fria, ou seja, a “Eu, pecador, me confesso…”

No seu livro há uma distinção, que para mim não é óbvia, entre o Deus do Velho Testamento e o Deus do Novo Testamento. Podia explicar essa diferença?

Este sim, poderia ser um tema complicado. Mas creio que qualquer cristão, qualquer estudioso da Sagrada Escritura, percebe uma diferença na relação de Jeová com o seu povo. O Deus do Novo Testamento é um Deus do amor. Não exige sacrifícios de sangue, não solta aqueles castigos colectivos de antanho, onde justos e pecadores eram penalizados indiferenciadamente. Creio – e isso é apenas minha percepção – que quando deu seu próprio filho para a salvação da Humanidade, Ele próprio se humanizou. E não conheço nenhum outro Deus tão bondoso, tão magnânimo. Se você peca, reconhece sua culpa, se arrepende e mostra firme propósito de emenda, tem o perdão garantido. É o que eu digo: se Alípio Abrolhos quisesse perdão, obtê-lo-ia facilmente. Ele não nega os seus erros, mostra arrependimento e tem o firme propósito de não voltar a pecar. Agradeço a oportunidade que me deu para aqui reverenciar a Santíssima Trindade: o Pai (generoso), o Filho (amoroso) e o Espírito Santo (boa influência e omnipresente).

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1237 de 13 de Agosto de 2025.

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Autoria:António Monteiro,16 ago 2025 9:43

Editado porJorge Montezinho  em  17 ago 2025 17:19

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