Amiga

PorFrancisco Carapinha,28 ago 2022 9:19

“E com um brilhozinho nos olhos Guardei um amigo Que é coisa que vale milhões”

Hoje começo esta minha crónica com palavras de uma célebre canção de Sérgio Godinho.

A amizade é algo que deveremos defender com “unhas e dentes”, se para isso for necessário.

Tudo isto porque, nos mais de 40 anos que ando nestas andanças do xadrez, lá tenho feito muitos amigos e, algumas dessas amizades, viraram quase a relação familiar.

Há mais ou menos quatro anos atrás, recebi uma chamada de uma senhora que se identicou como sendo do Botswana, mas cujo nome não percebi muito bem.

Em ano de eleições na FIDE (Federação Internacional de Xadrez) e na Confederação Africana de Xadrez (ACC), pretendia essa senhora, com o telefonema, angariar o meu voto para os candidatos que ela apoiava.

Junto de alguns amigos, procurei informar-me melhor sobre a “misteriosa” senhora do telefonema.

Viria a conhecê-la, pessoalmente, pouco tempo depois, num encontro em Marrakesh e para o qual, os organizadores, muito insistiram na minha presença.

Nesse encontro, a insistência da tal senhora, para que apoiasse os seus candidatos, foi tão persistente que houve uma altura em que comecei a ficar incomodado, até porque um dos candidatos nunca teria o meu apoio, por se tratar de alguém que considero ser um “cancro” no xadrez, principalmente no africano.

Eu e a senhora voltamos a encontrar-nos em Batumi (Geórgia), palco da 43.ª Olimpíada e das eleições continentais e para a FIDE.

Arranhando algumas palavras em português, continuou o assédio e insistência para o meu apoio aos seus candidatos, até à altura em que percebeu a minha animosidade para com um deles.

A partir daí deixou de me falar.

As eleições aconteceram, os candidatos, apoiados pela senhora foram eleitos e a ela foram entregues vários cargos, entre eles de membro na Comissão Executiva da ACC e Conselheira/Assistente Continental do Presidente na Comissão de Planeamento e Desenvolvimento (PDC).

Foi através deste último cargo que começamos a estreitar as nossas relações: primeiro na ajuda da apresentação dos nossos projectos candidatos aos fundos do PDC e depois em algumas conversas sobre o desenvolvimento do xadrez no continente africano.

Posso dizer que, provavelmente, sem a colaboração desta senhora, muitas das acções de desenvolvimento do xadrez em Cabo Verde, não teriam acontecido.

Ao longo deste tempo, fui percebendo que Tshepiso Lopang (é este o nome da tal senhora) se estava afastando do então candidato que com tanto fervor defendeu nas eleições de 2018. Eu, ia confirmando as suspeitas que tinha sobre essa anafada figura.

“Esse fulano é um candongueiro!”, dizia-me o meu amigo Tito Martins acerca da tal personagem que ia beneficiando uns, os amigos, em detrimento de outros, em nada contribuindo para o desenvolvimento do xadrez africano.

À medida que a Tshepiso ia colaborando comigo na elaboração e execução dos nossos projectos de desenvolvimento, a nossa relação de amizade foi-se fortalecendo

Em determinado momento, pareceu-me ser chegada a altura de acabar com o reinado do “candongueiro” e seus acólitos e iniciar uma nova etapa nos destinos do xadrez em África.

Para isso havia que arranjar um bom candidato para concorrer nas eleições que se haveriam de ralizar este ano.

Não me foi difícil escolher alguém, Tshepiso parecia-me estar à altura para comandar os destinos do xadrez no nosso continente.

Comentei esta minha visão continental com o Tito Martins, amigo de longas caminhadas de muleta, que também considerou ser uma boa sugestão. Por isso, pedi-lhe que falasse com a nossa amiga e que a convencesse a avançar com a sua candidatura.

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Na altura própria a candidatura apareceu e logo na primeira hora contou com o meu apoio incondicional.

A mudança estava em marcha.

Num gesto de pura amizade, Tshepiso veio visitar-nos durante a realização do OPEN, o que até então nenhum dirigente Continental o tinha feito.

Durante a visita os nossos laços de amizade estenderam-se à minha família mais chegada, de forma que, penso eu, Tshepiso, durante os poucos dias que por aqui passou, sentiu-se como se estivesse na sua própria casa.

Entretanto a campanha iniciou-se, com mais 2 candidatos na corrida.

A determinada altura temi, que a cultura de alguns dirigentes em África, que não aceitam ser comandados por uma mulher, colocasse em perigo a eleição.
Fui sossegado quanto a isso, porque a nossa margem de manobra era confortável.

Sem entrar em confrontos de baixo nível, a campanha foi passando até se chegar ao dia esperado: o da eleição.

A contagem dos votos não deixavam dúvida, a minha amiga Tshepiso Lopang era eleita para a presidência da ACC.

E foi com um brilhozinho nos olhos que nos abraçamos, crentes que o xadrez africano começava uma nova era.
Nesta altura, expliquei-lhe que na Língua Portuguesa há diferença de género e que amiga é aplicável às pessoas do sexo feminino e amigo às do masculino.

Agora já sou amigo!

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1082 de 24 de Agosto de 2022. 

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Autoria:Francisco Carapinha,28 ago 2022 9:19

Editado porAndre Amaral  em  16 mai 2023 23:27

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