No fundo, o Estádio tinha como premissa a prática de futebol, mas também o atletismo e com uma visão futura em ser um centro de alto rendimento e de eventos culturais e de recriação.
Quanto ao nome do estádio, e inteligentemente a priori, foi instituído o nome Estádio Nacional. Um nome que na minha opinião traria a irmanação dos povos das ilhas. Como é sabido, fatores como rivalidades e bairrismo entre as ilhas não aconteciam estritamente no campo social, ela era e é ainda uma problemática na nossa realidade e naturalmente estendendo-se igualmente para o campo desportivo.
Prudentemente e concordando plenamente com aquela decisão, por ser a mais democrática, o nome de Estádio Nacional não particularizava, não individualizava, não discriminava, permanecendo a unicidade do desporto e o equilíbrio desejado entre todas as ilhas.
Há 2 dias, surpreendentemente, a sociedade civil e sobretudo a desportiva, depararam-se com a pretensão política, por parte do poder central em nomear o Estádio Nacional de Cabo Verde em Estádio Pelé, uma figura incontornável da história do futebol mundial que, contudo, não reúne consenso entre os cabo-verdianos e tampouco diante dos agentes desportivos do país.
Deixando a parte introdutória e indo direto ao assunto, esta posição é desarticulada e causou graves danos na pretensão política FCF-FIFA, naquilo que poderia ser a relação tida entre as duas instituições.
É que as declarações de Infantino, seriam um meio para poder tirar melhores dividendos económicos e de infraestruturas para o país e não foi claramente este o caso. Também uma outra alternativa viável seria, perto dos poderes locais, demonstrar a intenção de rebatizar um Estádio Municipal com o nome de Pelé.
A diplomacia ou as relações externas requerem muita paciência e ponderação!
Para além de não ouvir pareceres de atores importantes como é a FCF, o que é percetível e não é surpresa, é a falta de literacia desportiva em Cabo Verde, não só pela sociedade civil, mas também pela classe política, no que diz respeito à história do desporto nacional.
A figura de Edson Arantes do Nascimento não constitui para Cabo Verde nenhuma relação, em nenhum período da história e tampouco ela terá um benefício no renaming do Estádio, pois a identidade da marca sempre será o seu país de nascimento e nunca Cabo Verde.
E agora? Com a resposta de Infantino, qual a decisão do governo? Prevalecerá a decisão do povo ou a palavra do Sr. primeiro-ministro para com a FIFA?
Não obstante, esta proposta se embate fortemente na história dos homens do desporto das ilhas.
Devo relembrar que várias foram as figuras que ao longo da vida do desporto nacional deram as suas respetivas contribuições, ao longo de mais de 100 anos da transferência do desporto moderno para as ilhas de Cabo Verde.
Senão vejamos a figura de Fortunato Levy, resumidamente nascido no século XIX, precisamente em 1884, após participar na criação do SL Benfica, traz o futebol importado de Lisboa para a cidade da Praia. Levy e a família foram gestores da empresa de nome Levy e Irmãos e participam fortemente no negócio de importação e exportação de mercadorias. Esteve ainda na vida política, económica e também desportiva, deixando um legado incontornável para o mundo do desporto.
A figura de Orlando Mascarenhas, nascido em 1935, trilha um caminho sui generis na reconstrução do país no pós-independência. Foi um cidadão que sempre esteve disponível para servir o país, reconhecido incontestavelmente pela sua ética e profissionalismo, que mereceu a chamada do primeiro-ministro no período, Pedro Pires, no sentido de dirigir a EMPA. Depois presidiu o Instituto Cabo-verdiano de Solidariedade, ajudando na educação dos que mais necessitavam, alicerçando esforços para que Cabo Verde tivesse o ensino fundamental para todas as crianças do país. Orlando foi no campo desportivo, atleta, presidente do Sporting da Praia, presidente da FCF, Deputado Nacional e é Presidente de Comissão de Ética do COC durante mais de 10 anos e é uma das personagens com mais primaveras em vida, levando mais 70 anos de desporto praticado e dirigido no país.
João Burgo Tavares, um dos mais brilhantes gestores desportivos da sua época, atuando fortemente na exportação de atletas cabo-verdianos para a antiga província da Guiné-Bissau, onde conseguiu dar dignidade humana a dezenas de atletas cabo-verdianos, ajudando-os na sua inserção naquele país, em empresas fabris.
Tavares seria em 1978, o primeiro diretor do desporto de Cabo Verde, na 1.ª legislatura e segundo o seu relato escrito, realçava a necessidade de o desporto ser estruturado de melhor forma, em clubes, associações, federações e comités.
A figura de Adérito Sena e a sua linhagem familiar. Irmão de Alector e Aires Sena, tio de Bem David (um dos maiores ponta de lança da história de Portugal) é um nome forte, pela cultura eclética tida por toda a família no período na ilha de São Vicente.
Amílcar Cabral, Aristides Pereira e Baltasar Lopes: figuras políticas e também desportivas que contribuíram enormemente para o desporto. Baltasar Lopes, pela sua dedicação ao desporto em São Vicente e pelos anos tidos como um dos gestores da antiga Associação Desportiva de São Vicente, fundada em 1935. Cabral e Aristides Pereira por todo o legado registado na história do país, deixando um marco na luta pela independência, utilizando do desporto para comover os combatentes na luta pela independência em várias ocasiões.
Antero Barros, conhecido por todo o país, como um dos notórios professores no período. Foi também um amante do desporto e do futebol, fundador do Comité Olímpico e um dos fundadores da Federação Cabo-verdiana de Futebol em 1982, figura incontornável na estruturação dos ideais de Joaquim Ribeiro, João Burgo Tavares e Cândido Vasconcelos, naquilo que era a organização estrutural do sistema desportivo cabo-verdiano.
Neno, Abílio Macedo, Carlos Alhinho e todos os outros nomes de outras ilhas não mencionados, são superiores historicamente, na nossa realidade em relação a Pelé.
Apesar de o nosso desporto ainda ser imperfeito e com gritantes desafios, estes e vários outros indivíduos participaram abnegadamente no progresso do desporto nacional, tornando as ideias tidas naquele tempo numa realidade atual.
De facto, penso que o nosso primeiro-ministro foi mal aconselhado!
Em suma, a minha posição pessoal, seria o prevalecimento do nome que unifica, fortifica e não faz culto a uma personagem que era a prevalência do nome Estádio Nacional ou então Tubarões Azuis que também hoje é uma marca desportiva nacional, abrangendo as 21 modalidades (19 federações e 2 associações desportivas) existentes no país.
Com os meus melhores cumprimentos,
William Sena Vieira