Mas já la vamos…
Falando ainda desse célebre Campeonato, que Kasparov venceu ao derrotar, por 12,5-7,5, o seu desafiante, Nigel Short, que por sua vez tinha deixado para trás Anatoly Karpov e Jan Timman (um holandês, fortíssimo jogador na altura), chegou a ser anunciado pela FIDE (Federação Internacional de Xadrez) que se realizaria em Manchester. No entanto, como o prémio em dinheiro era inferior ao do Campeonato anterior e 20% da premiação reverteria para a entidade organizadora, Kasparov e Short insurgiram-se contra isso e fundaram uma nova Associação, a PCA, que veio a organizar esse match.
A primeira vez que tive contacto pessoal com Nigel Short foi em 2018, quando se candidatou à presidência da FIDE, acabando por desistir em favor do actual presidente, vindo a ser vice-presidente do organismo máximo do xadrez mundial.
O que conhecia dele era basicamente algumas das controvérsias que estão associadas ao seu nome e algumas das suas decisões e opiniões, que vieram a tornar-se incomodativas para muito boa gente.
Aqui um á parte, numa das primeiras crónicas que aqui publiquei, contei uma história dele quando em 2008, em Liverpool, no Campeonato da União Europeia, o seu telemóvel tocou, após o 26.º lance na partida frente a Ketevan Arakhamia-Grant, e que levou à sua derrota nesse confronto. Resultado esse que ele pretendia que fosse aplicado a Ivan Cheparinov, que se recusou a cumprimentá-lo no início duma partida do Torneio de Wijk aan Zee, também em 2008, e que um Comité de Apelo permissivo acabou por distorcer aquilo que foi evidente.
Nunca tinha privado com este inglês, talvez o melhor jogador de todos os tempos da terra de sua majestade, até que no início deste ano recebo, via WhatsApp, uma mensagem de um amigo comum a dizer-me que o Nigel Short queria falar comigo porque, na qualidade de director da FIDE para o desenvolvimento das pequenas federações, pretendia visitar Cabo Verde para se inteirar de como a nossa federação de xadrez funciona e aperceber-se das eventuais necessidades existentes.
Passados alguns dias, o contactado foi estabelecido, tendo-me sido explicado, resumidamente, o objectivo da visita. A partir daí, em conjunto, começamos a preparar a sua visita, incluindo a agenda a cumprir.
É assim que, ao fim da tarde da passada Quinta-feira, Nigel Short aterrou no aeroporto Cesária Évora em S. Vicente e pisou, pela primeira vez, solo cabo-verdiano.
Logo nesse dia, a agenda começou a ser cumprida com uma visita às instalações da FCX, a apresentação dos restantes elementos do seu corpo executivo e a realização de uma reunião com a direcção federativa e este alto dignatário da FIDE.
Após essa reunião, Nigel Short teve oportunidade de ter o primeiro contacto com a nossa comida e a nossa música, num jantar de boas vindas que lhe oferecemos.
O dia seguinte foi reservado para se efectuarem uma série de visitas, iniciando-se na Câmara Municipal de S. Vicente, com um encontro com o seu vereador do desporto. Seguiram-se as visitas aos clubes que em S. Vicente praticam xadrez, nomeadamente o Mindelense, o Amarante e os Falcões do Norte. Neste último alguns jogadores tiveram oportunidade de jogar algumas partidas rápidas com o ilustre visitante.
No Sábado passado, durante a manhã, Short efectuou uma visita á Escola Salesiana, mais concretamente ao núcleo de xadrez, tendo participado nas suas activades semanais, onde comentou para os alunos, a que é considerada a sua melhor partida de sempre, tendo como adversário Jan Timman.
A tarde de Sábado, foi reservada para a actividade mais esperada pelos nossos xadrezistas: a simultânea.
Com efeito, na Câmara do Comércio do Barlavento, a partir das 15:15 Horas, Nigel Short conduziu uma simultânea, defrontando 20 jogadores nacionais.
Ainda não eram 18:00 Horas e já o Nigel tinha derrotado todos os seu adversários, fechando assim, o ciclo de actividades previstas para S. Vicente.
No Domingo foi dia de viajar para a capital, onde, ao fim do dia, se encontrou com alguns jogadores da Praia, com quem jogou algumas partidas rápidas, sempre numa animação de quem está a sentir-se em casa.
A segunda-feira foi reservada para os encontros com as autoridades desportivas nacionais nomeadamente com o Sr. Ministro do Desporto, com a Sr.ª Presidente do Comité Olímpico Nacional e com o Conselho Directivo do Instituto do Desporto e da Juventude. Durante estes encontros, Short transmitiu a sua opinião acerca do que viu, elogiando a organização e o trabalho da FCX e deu algumas sugestões e ideias que poderão ajudar no desenvolvimento e massificação do nosso xadrez.
Durante todos estes dias, conversei bastante com esta alta personalidade do xadrez mundial e vim a saber muitas coisas que desconhecia e que certamente nos ajudarão no nosso processo de crescimento.
Fiquei com absoluta certeza que Nigel Short adorou estar em Cabo Verde e que gostou do que viu e de como foi recebido. Este meu sentimento provém do abraço sentido de amizade que trocámos, ao fim da tarde de segunda-feira, quando nos despedimos no Aeroporto da Praia, de onde partiu para a sua próxima visita, no Senegal.
Finalizada esta visita, posso dizer que tenho um novo amigo e, como diz Sérgio Godinho na sua canção:
“É que hoje fiz um amigo
E coisa mais preciosa no mundo não há”
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1107 de 15 de Fevereiro de 2023.