Ilha de oportunidades que precisa de pensar em grande

PorJorge Montezinho,18 mar 2018 7:39

​É uma ilha de potencialidades, mas que se arrisca a ficar conhecida também pelas oportunidades perdidas. O turismo de alto valor acrescentado é um objectivo assumido, mas o sector tem crescido à volta de micro projectos que não trazem riqueza suficiente nem criam os empregos qualificados necessários para estancar a saída dos jovens.

O turismo em Santo Antão vive nesta encruzilhada e ou há decisões rápidas ou corre-se o risco das opções surgirem demasiado tarde.

Com um turismo sazonal, entre Outubro e Abril, Santo Antão continua a receber os turistas que procuram a ilha para fazerem as suas caminhadas ou para experimentarem passar uns dias junto de famílias santantonenses. E esse turismo tem tido procura, com taxas de ocupação geralmente acima dos 80 por cento. Por outro lado, é um turismo que pouco acrescenta para a economia da ilha, que tem os três municípios que a compõem entre os mais pobres do país e cujo PIB per capita está bastante abaixo da média nacional.

É ponto assente que Santo Antão tem potencialidades para ser um produto distinto, um produto de alto valor acrescentado. Mas entre a potencialidade e a materialização desse potencial ainda vai uma grande distância. “Ainda estamos a vender vales e montanhas, mas temos muito mais do que isso”, diz ao Expresso das Ilhas Paulino Dias, economista e consultor. “Apesar de se começar a promover a cultura de Santo Antão como produto turístico, isso ainda é feito de forma tímida, ainda não olhamos para o potencial do mar de Santo Antão – para pesca submarina, para mergulho, ou outras actividades ligadas ao oceano, ainda nem chegámos lá”.

O potencial é extraordinário, mas qual é o outro lado da moeda? O turismo que ainda se desenvolve em Santo Antão – a única ilha onde o turismo dito familiar está relativamente consolidado – acabou por se transformar num produto turístico em si, e isso levou à criação de uma série de mitos que, na análise do consultor, apresentam um certo perigo.

Os mitos do turismo da natureza

“O primeiro mito é acreditar que o turismo que se faz em Santo Antão neste momento vai resolver os problemas estruturais da ilha. Não vai! O principal problema estrutural de Santo Antão é a insuficiência de emprego qualificado”, diz Paulino Dias.

Chegou-se a este cenário através de uma série de fenómenos. Começou com a massificação do ensino, isso abriu o acesso dos jovens ao ensino superior, o que levou ao aumento da oferta de mão-de-obra jovem qualificada em Santo Antão ou de Santo Antão. Mas a estrutura económica não acompanhou esse movimento, um pouco à semelhança do que aconteceu em todo o país.

“Em Santo Antão é ainda mais dramático, porque a capacidade de absorção desses jovens é muitíssimo limitada, praticamente só função pública”, explica Paulino Dias. “Não há grandes empresas em Santo Antão. E em termos de assistência pública ao desenvolvimento na ilha esta tem sido essencialmente micro, contribui para minimizar o problema da pobreza, mas não resolve o problema estrutural do desemprego qualificado”.

É o caso do turismo que se faz hoje em Santo Antão. Não é uma solução para desemprego qualificado, segundo Paulino Dias, por duas razões: primeiro, é extremamente sazonal. A segunda razão é que o principal emprego para esses jovens é como guia turístico e actividades relacionadas e os contractos e as relações de trabalho são precárias. “Portanto, um jovem que terminou a sua formação superior, que quer constituir família, não vai ficar em Santo Antão para trabalhar cinco meses por ano e mal pago”.

“Temos de colocar os pés no chão. O turismo é bom, tem dado o seu contributo para a economia de Santo Antão, mas não é o tipo de turismo que se está a desenvolver actualmente que vai resolver esse problema estrutural”, resume o economista.

E entramos no segundo mito, a ideia que esse modelo de turismo que hoje se faz em Santo Antão tem um peso enorme na geração de gastos locais. Isso é errado, como já o demonstrou um estudo do Banco Mundial: entre todas as ilhas, Santo Antão é a que tem a menor contribuição por alojamento disponível – um rácio usado pelo BM para medir o impacto do turismo. “Quando olhamos para o turismo em Santo Antão e vemos o barco a ir cheio de turistas ignoramos que as pessoas, legitimamente, começaram a investir nas suas casas para receber turistas, só que essa casa só é utilizada cinco meses por ano”, sublinha Paulino Dias. “Quando analisamos esses dados numa perspectiva anual, o valor dos gastos locais por quarto disponível anualmente é muito baixo e isso é agravado por outro fenómeno, o preço dos alojamentos é muito baixo. Só para termos uma ideia, no mesmo segmento ligado ao ecoturismo, nos Açores o custo médio de uma diária é entre cinco a oito vezes superior ao que se cobra em Santo Antão”.

Quando juntamos essa sazonalidade com o baixo preço do alojamento isso faz com que o impacto económico efectivo por quarto disponível seja, de longe, inferior ao que se tem em Santiago, ou em São Vicente, Sal e Boa Vista nem se compara porque é outro campeonato.

Segundo Paulino Dias, só se pode maximizar o potencial deste turismo se forem trabalhadas duas direcções: reduzir a sazonalidade, isto é estruturar o produto também para ser promovido na época baixa para outros nichos de mercado, e aumentar o preço, mas para aumentar o preço o valor percebido do produto tem de ser elevado, tem de se investir na qualificação do ambiente, na história, na formação dos guias, na estruturação dos alojamentos. No fundo, acrescentar valor.

“Precisamos de olhar para os números de forma desapaixonada e com alguma independência. O Estado tem a responsabilidade de pensar um destino de forma sustentável, que maximize o impacto para a população e numa perspectiva estratégica e de longo prazo”, diz Paulino Dias.

A Sociedade de Desenvolvimento que ficou no papel

Há um ano, em Fevereiro de 2017, o turismo em Santo Antão foi discutido na ilha, durante uma das várias mesas redondas nacionais organizadas pelo ministro da tutela. Na altura, PDConsult, empresa de Paulino Dias, apresentou o tema “Cenários de Evolução de Turismo em Santo Antão e Oportunidades de Negócios e Investimento”.

A premissa inicial para o desenvolvimento da ideia foi a necessidade de criar emprego qualificado para os jovens de Santo Antão. A segunda pergunta foi, como fazer isso? Ou seja, como encontrar um modelo de negócio que permita atrair empresas de alguma dimensão para poder criar emprego qualificado na ilha. A terceira questão, que empresa, para fazer o quê, que tipo de negócio, e a resposta que surgiu foi ter a ambição de posicionar Santo Antão como um destino de turismo de luxo, voltado para o ecoturismo.

Na mesma apresentação foi defendida a criação de uma sociedade de desenvolvimento de Santo AntãoaSODESA, que teria como missão promover e alavancar investimentos estruturantes em Santo Antão, com impacto ao nível do crescimento económico da ilha, da criação de emprego e melhoria das condições de vida da população, e que contribuam para a materialização da visão de transformar a ilha num destino de turismo e produtos de alto valor acrescentado. De acordo com a cronologia apresentada, a sociedade devia estar a funcionar no dia 30 de Setembro de 2017.

Apesar da ideia ter sido saudada por todos os decisores presentes na mesa redonda, a verdade é que mais de um ano depois, nada foi feito. “O governo diz que está a trabalhar a legislação que vai permitir criar as sociedades de desenvolvimento regional, entretanto, perdemos um ano desnecessariamente, porque o modelo que propusemos é o de uma sociedade anónima, detida num primeiro momento pelo Estado e as câmaras e depois abrir o capital a investidores privados. O quadro legal que temos dava resposta a isso perfeitamente. Perdemos um ano só para criar supostas soluções para um problema que não existe. É assim que andamos, e neste ano centenas de jovens já foram obrigados a deixar Santo Antão porque não conseguem encontrar emprego”.

Não há SODESA, mas Paulino Dias sublinha que há medidas que podem ser tomadas para conseguir esse turismo de valor acrescentado. “Primeiro, assegurar que todos os hotéis futuramente construídos em Santo Antão, independentemente do tamanho, teriam de ser de 4 e 5 estrelas. Quem já está, já está, mas os outros teriam de ser diferentes. Segunda medida, criar um pacote de incentivos para estimular o melhoramento dos existentes, nem que o Estado tenha de subsidiar. Uma pensão pode ter cinco quartos, mas esses cinco quartos têm de ser de topo”.

“O nosso problema é acharmos que o modelo turístico actual já é suficiente, mas não estamos a perceber que mesmo com o aumento desse turismo os jovens continuam a sair. Até há um efeito perverso, as sucessivas políticas públicas direccionadas para Santo Antão assentaram no micro, na redução da pobreza. Qual é a armadilha? Uma senhora que receba turistas, se tiver acesso a um subsídio e melhorar a sua casa e a sua renda, o que vai ela fazer? Historicamente, culturalmente, a família santantonense, no primeiro excedente de renda, investe na educação dos filhos. Só que o filho depois de terminada a universidade não consegue um salário com o pequeno negócio da mãe. E a sua expectativa já não é estar a receber turistas. A alegada solução pensada lá atrás, a micro ajuda, a senhora que consegue mais rendimento, acaba por ter um efeito perverso, porque o resultado é o jovem agora formado deixar a ilha para conseguir responder às suas expectativas, continuando assim o despovoamento da ilha. É a armadilha do rendimento. Não estamos a reflectir sobre estes fenómenos”, diz Paulino Dias.

O pequeno e o grande turismo

Mas o turismo de alto valor acrescentado deve significar o fim do pequeno turismo familiar que actualmente se faz em Santo Antão? Paulino Dias recusa essa possibilidade. Pelo contrário, defende, estes devem ser complementares. “Esse turismo que se desenvolveu em Santo Antão, baseado nos alojamentos familiares, nas pequenas pensões e pousadas deve manter-se e ser valorizado. Dormir com uma família de Santo Antão deve integrar o pacote, mesmo para os turistas de alta renda, agora temos de preparar essas famílias, ter um standard mínimo em termos de condições. E é possível fazer isso. É possível trabalhar ao nível da regulamentação, em competências básicas como a língua, o conhecimento da nossa história, nós conhecemos muito mal a nossa história e não há um esforço, mesmo ao nível das políticas públicas para resolver o problema”, sublinha.

No fundo, em termos de visão, a proposta em cima da mesa era pensar grande. Se não, daqui a dez anos será cruzada uma linha em que não será economicamente justificável estar a fazer determinados investimentos públicos. “Temos de criar uma expectativa positiva em Santo Antão em termos de criação de emprego”, diz Paulino Dias, “e essa expectativa é criada com uma visão, primeiro que seja honesta. Não é apenas conversa, porque conversa já tivemos de mais, mas uma visão assumida de forma honesta pelo governo, pelas câmaras municipais, pelos deputados de todos os partidos do arco do poder. Falta-nos o sentido de urgência para o desenvolvimento de Santo Antão e a cada ano a ilha perde centenas de jovens, é massa crítica que está a sair”.

“Quando não temos um pensamento estratégico, uma visão estruturada, não sabemos onde queremos chegar daqui a 30, 40 ou 50 anos, começamos a fazer navegação de cabotagem, à vista”, continua Paulino Dias, “começamos a tomar micro decisões no dia-a-dia sob pressão da expectativa de recursos. Apresentei esta ideia no fórum, demonstrei que é válido transformar um destino num destino de luxo, já aconteceu noutros lados. E qual era o recurso que eles tinham que nós não temos? Coerência, disciplina e coragem de pensar grande”.

E evitar armadilhas, como resumir o turismo de Santo Antão a trilhas e montanhas, como o turismo nacional foi reduzido a praia e sol. “Tarrafal de Monte Trigo, com a sua praia de areia preta, tem um potencial de turismo de saúde, por exemplo. Podemos ter turismo náutico, ou a pesca desportiva, que é um negócio milionário e uma das regiões do mundo mais propícias à pesca do marlim é o canal entre São Vicente e Santo Antão”.

Ou a gastronomia. O queijo do Planalto Norte é o único produto cabo-verdiano com a chancela Slow Food, premiado internacionalmente. É vendido, hoje, essencialmente em pequenas mercearias, a um preço que varia entre os 200$ e os 300$ a unidade. Fazendo uma pequena pesquisa descobre-se queijo com as mesmas características, como o queijo de cabra orgânico espanhol, cujo quilo é vendido por 7.100$. “É a falta de um pensamento estratégico”, reforça Paulino Dias. “Estamos a falar do queijo como poderíamos estar a falar do grogue, da papaia, de um leque de produtos. Falta-nos ambição”.

Em resumo, se houver essa visão macro, o micro também ganha, mas de forma sustentável e mais acelerada. “Não é uma visão antagónica, ao fazermos grande, trabalhamos também o pequeno. Se só trabalharmos o pequeno não resolvemos os problemas. Como dizem os brasileiros, pensar pequeno ou pensar grande dá o mesmo trabalho, por isso mais vale logo pensar grande”, conclui Paulino Dias.


Os cinco desafios de Santo Antão

Crescimento económico – Santo Antão apresenta um dos menores PIB per capita do país: 2.715 dólares (dados do INE) ficando só à frente da Brava e do Fogo e muito atrás da Boa Vista (6.885 dólares) e do Sal (5.968 dólares), ilhas onde se registam os valores mais elevados.

Pobreza – Os municípios de Santo Antão estão entre os mais pobres de Cabo Verde. Ribeira Grande, 38,5 por cento de pobreza, Porto Novo 51,1 por cento e Paúl, 51,6 por cento, estão todos acima da média nacional de 35 por cento.

Desemprego – Que afecta principalmente os jovens, desemprego qualificado.

Despovoamento – Santo Antão deverá perder ¼ da população até 2030, com esta queda a ter maior incidência no Paul (perda de 38 por cento da população), Ribeira Grande (com menos 31 por cento) e em Porto Novo (menos 13 por cento).

Envelhecimento da população – Santo Antão tenderá a ter mais idosos que o resto de Cabo Verde.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 850 de 14 de Março de 2018.

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Autoria:Jorge Montezinho,18 mar 2018 7:39

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  5 fev 2019 10:57

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