Caixa Económica vai lançar app para acesso a Micro-crédito

PorSara Almeida,25 mai 2019 9:39

O tecido económico cabo-verdiano vive em grande medida de micro e pequenas empresas, muitas vezes sem acesso ao crédito formal. Vive também de pequenas actividades geradoras de rendimento, unipessoais, que dificilmente se podem enquadrar no mundo empresarial e para quem o referido acesso a financiamento “tradicional” é também vedado. Assim, e tal como os estudos comprovam, as Micro-finanças, mais concretamente a sua vertente de Micro-crédito são um universo de imenso potencial e importante no país.

É neste contexto que a Caixa Económica, banco comercial que desde 2001 incorporou no seu domínio o Micro-crédito, faz uma nova aposta para este tipo de empréstimos, que passa pela inovação tecnológica. Em breve será lançada a App Microcrédito da Caixa, que vem permitir acesso rápido, fácil e abrangente ao crédito, via telemóvel.

No total, desde que iniciou actividade no domínio do micro-crédito, em 2001, altura em que assumiu a gestão do Programa de Formação e Empréstimos a Micro-Empresas (PFEME) que vinha sendo desenvolvido pela ONG americana ACDI/VOCA, já beneficiou cerca de 20 mil pessoas.

“Pessoas de baixo rendimento, que não têm acesso ao sistema financeiro tradicional clássico” e que viram, assim, através desse programa uma oportunidade de ver as suas actividades financiadas, gerando rendimento. Para muitas pessoas o objectivo geral do microcrédito foi cumprido: o crédito permitiu-lhes não só melhorar a vida das suas famílias como fazer outros investimentos e consumos, congratula-se Regina Furtado, coordenadora da área de micro-crédito da Caixa Económica. Uma parte desses clientes, inclusive, é hoje um cliente com crédito “tradicional” nesta entidade bancária.

“Temos clientes que já passaram para o nível da banca. O nosso Micro-Crédito já é insuficiente, já evoluíram e ficamos felizes com essa evolução, de modo a que possam aceder a outros produtos, a serviços da banca no geral”, diz a coordenadora.

Hoje são cerca de 300 os clientes activos da oferta Microcrédito da Caixa, e praticamente todos eles do concelho da Praia. Pessoas que se dedicam a actividades como o comércio ambulante, o comércio formal, a produção ou a transformação de produtos, entre outros.

“Temos vários níveis, desde muito baixo até o médio, dentro da nossa carteira”, diz.

O Banco tem, actualmente, duas modalidades de crédito: a grupos (antigamente todos os micro-créditos eram direccionados para os grupos, por uma questão de garantia solidária) e a individuais.

O crédito aos grupos está neste momento, como revela Regina Furtado, em decadência, ”por causa da própria solicitação dos clientes”. Aos individuais, que neste momento constituem o grosso dos clientes, são solicitado avalistas.

Essa garantia, contudo, “não é tão exigente quanto às da banca, são garantias de avalistas que tem algum rendimento fixo para garantir minimamente o crédito, em caso de situação de incumprimento, para que possamos ter alguma sustentabilidade”.

Entretanto, a taxa de retorno é de 98%. Esse sucesso deve-se, considera a coordenadora da área de Micro-crédito da Caixa, ao facto de o público-alvo valorizar o acesso ao crédito, bem como ao trabalhado de seguimento implementado.

“O Micro-Crédito é um crédito seguido passo a passo do cliente no sentido de orientar e saber como o dinheiro está a ser aplicado e gerido”, evitando-se o desvio do financiamento para coisas paralelas.

Abarcando o potencial

Contudo, como referido, quase todos os clientes são da Praia ou arredores. Esta limitação geográfica é algo que, seguindo o Plano Estratégico, se pretende ultrapassar. Pretende-se “abarcar cada vez mais”, até porque é sabido que há “um potencial enorme em Cabo Verde a nível de Micro-Finanças”, sistema financeiro dentro do qual o Micro-crédito surge, a nível mundial, como serviço principal.

Esse potencial é aliás corroborado por um estudo recente do PNUD sobre o mercado de Microfinanças em Cabo Verde. Esse estudo, apresentado em finais de Novembro (no âmbito da VI Semana Nacional de Microfinanças), mostrou entre outras coisas que ainda existe esse potencial. “Existem mercados não atingidos” e é possível alargar imenso o sector “de financiamentos micro, porque são as pequenas e micro empresas existentes em Cabo Verde que vão alavancar o sistema da economia. E nós temos várias”, aponta Regina Furtado.

Para aumentar o portofólio em termos de Micro-crédito a Caixa Económica está a apostar nas novas tecnologias.

“Estamos num processo de inovação”.

Assim, tendo em conta que “a maior parte dos custos associados ao Micro-Crédito tem a ver com os custos das estruturas físicas, funcionários – temos uma figura muito importante no Micro-Crédito que é o agente de crédito, que é o responsável pelo seguimento do processo”.

Assim, apesar de haver balcões da Caixa Económica em vários pontos e zonas do país, não há pessoas adaptadas e formadas para trabalhar a área específica do micro-crédito. “Tem as suas especificidades, é diferente do sistema clássico, a começar pelo público-alvo, pelas abordagens em termos de seguimento, toda a formação em termos de educação financeira, etc…”, justifica a coordenadora.

A ideia, então, é alargar o serviço usando essas novas tecnologias. Destacadamente, através da informatização do serviço e lançamento, para breve de uma aplicação que permite que todo o processo decorra via telemóvel.

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A nova app

O uso de telemóveis em Cabo Verde é elevadíssimo. Os números mais recentes comprovam-no. Segundo os indicadores estatísticos do mercado das telecomunicações electrónicas em Cabo Verde relativos ao ano de 2018, no final do ano passado existiam 610.328 assinanturas de telemóveis. Mais portanto, do que os habitantes do país.

Aproveitando essa utilização massiva, que abre portas a novos mercados e zonas remotas, e pensando igualmente na comodidade dos potenciais clientes, a aposta vai por aí.

“A utilização dessa tecnologia é para facilitar a vida sobretudo dos clientes. Com a nossa dispersão, sobretudo geográfica, para uma pessoa que está em Santo Antão é complicado para fazer um crédito na Praia”, explica Regina Furtado.

Então, dentro em breve, será lançado um aplicativo - o app do Microcrédito da Caixa - que permitirá ao cliente fazer o pedido de crédito através do telemóvel.

Trata-se de um projecto que conta com o apoio financeiro e estratégico, no quadro da cooperação luxemburguesa, da ADA Luxemburgo, uma instituição especialista no campo das finanças inclusivas.

A app usa um programa “desenhado de forma adaptada ao Micro-Crédito”, no qual o eventual cliente preenche os seus dados pessoais e sócio-económicos. Depois, realiza um teste psicométrico.

Feito tudo isso, o sistema (baseado na psicometria e na inteligência social) cria um credit score, que prediz o nível de risco desse cliente.

“Ajuda-nos a avaliar”, resume.

O sistema permite também adicionar todos os documentos necessário ao pedido. Do outro lado, o acesso é feito pelo backoffice, permitindo à equipa de micro-crédito da Caixa Económica “aceder a todos os dados e, caso seja necessário, adicionar documentos ou mais informações, solicitá-los através do chat, no sistema”. Esse chat aliás, permite o diálogo com o cliente, “tudo via aplicativo, até chegar ao processo de desembolso”.

Pelo meio, e até chegar ao desembolso, é gerado um contrato de crédito, após a aprovação do mesmo e é marcada uma visita.

Quanto ao seguimento do processo, é igualmente feito pela app.

A app está praticamente pronta, faltando contudo finalizar a questão das assinaturas digitais para a contratação do crédito.

E Regina Furtado não tem dúvidas de que esta aplicação constituirá um grande salto quantitativo e qualitativo na área de Micro-crédito da Caixa económico. “Em termos de abrangência, aumenta, e facilita a vida dos potenciais e actuais clientes, no processo de acesso ao Micro-Crédito.

A adesão também será boa e o seu uso por parte do utilizador não deverá trazer problemas. Aliás, das experiências já realizadas, mesmo em “partes” mais complicadas, que alguns utentes não conseguiram entender, o comentário deles foi “na parte que não entendo o meu filho ajuda-me”, ou o vizinho… ou outra pessoa. Há sempre uma pessoa próximoacom prática na utilização de telemóveis, acredita a equipa de microcrédito da Caixa.

Quanto ao lançamento em si, ainda não há data concreta, mas deverá ocorrer em breve.

“Dentro de um mês mais ou menos”, arrisca Regina Furtado. “Já fizemos testes, já estamos na fase de aprimoramento dos últimos retoques”. Inclusive já está pronto um vídeo demonstrativo de como utilizar a aplicação.

Então, tudo aponta para breve. Muito em breve.


Diferentes mas iguais

Em Cabo Verde, são várias as ONGs que trabalham com Microcrédito. A Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV) e a Morabi, por exemplo, são algumas das que se destacam nesta área.

Tem havido também uma aposta generalizada nas Microfinanças. Assistimos nos últimos anos anível da criação de um quadro legal adequado, patente nomeadamente na Lei de Microfinanças; há uma Estratégia Nacional de Microfinanças; foi criado o Gabinete de Supervisão das Microfinanças no Banco de Cabo Verde e a Unidade de Promoção e Desenvolvimento do setor de Microfinanças em Cabo Verde, entre outras iniciativas.

Contudo (ainda) não é frequente ver bancos comerciais neste ramo.

“Podemos dizer é o único banco comercial que utiliza [micro-crédito]”, diz Regina Frutado. Ou seja, que tem também esta parte social e abarca um público-alvo sem acesso ao sistema formal, promovendo também a “inclusão financeira para essa camada da população”.

Regido por leis diferentes do serviço Micro-crédito das ONGs, este serviço bancário é então “uma actividade comercial como as outras”, mas sujeito a especificidades: o público-alvo excluído do financiamento clássico bancário, os montantes pequenos do empréstimo (entre 25 e 500 contos), o seguimento… enfim, sujeito aos objectivos e metodologias do Micro-crédito em geral.

A Caixa promove, então, também “pequenas formações, sessões de esclarecimento e sessões de educação financeira, em termos de como fazer a gestão do seu negócio, como fazer pequenas poupanças, como funciona a conta bancária, gerir aquela conta”. Até porque os clientes do Microcrédito têm de ter contas abertas na Caixa, uma forma, considera Regina Duarte, “também de promover a utilização das contas para a gestão dos seus negócios e gestão do seu dinheiro”.

Entretanto, como se sabe, Cabo Verde teve já um banco popular, criado com o objectivo específico de financiar pequenas e médias empresas, bem como instituições de microfinanças, associações e projectos. O Novo Banco, surgiu em 2010, mas acabou por encerrar num processo concluído em 2017. A carteira de “clientes” micro-crédito (e não só) passou então para a Caixa Económica, que gere e segue os créditos.

Quanto às ONGs e outras associações que trabalham com Microfinanças, Regina Furtado não tem dúvidas: há mercado para todos e muita gente a precisar de uma empurranzinho para melhorar a sua condição de vida socio-económica.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 912 de 22 de Maio de 2019. 

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Autoria:Sara Almeida,25 mai 2019 9:39

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  19 fev 2020 23:21

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