Li, há alguns dias, numa nota da FedEE, a pergunta “por que motivo África é pobre?” África é, de facto, pobre ou os recursos africanos é que têm sido mal administrados?
África é rica em recursos – como apontamos – mas 95% dos africanos recebem salários muito baixos. Mesmo em Cabo Verde, o índice de Gini [N.R.: cálculo usado para medir a desigualdade social] permanece alto e o salário mínimo mensal é de 13.000$00. Isso é muito baixo pelos padrões internacionais – e certamente pelos padrões europeus – especialmente porque o país importa cerca de 90% dos bens alimentares de que necessita. Cabo Verde é, ainda assim, uma excepção, pois o seu maior património não são recursos minerais, florestais ou agrícolas, mas sim recursos humanos. O país aprendeu, aos poucos, a gerar riqueza explorando esse activo.
Existem exemplos de países africanos que, em anos recentes, alcançaram níveis interessantes de desenvolvimento. O que os distingue dos demais?
Cabo Verde e Maurícias. Ambos distinguem-se por serem países arquipelágicos e terem uma ausência de recursos naturais – a cana-de-açúcar nas Maurícias já não tem a importância do passado. A principal diferença entre Cabo Verde e as Maurícias é que eles fizeram muito mais para se transformarem num centro financeiro, atraindo grandes bancos, especialmente da China. África precisa de centros científicos de excelência, nas áreas da pesquisa e desenvolvimento. Cabo Verde poderia encaixar-se neste ‘slot’ com muita facilidade. A nível continental, os dois estados que vemos como tendo maior potencial são Angola, agora mais democrática, e o Gana, que é rico em petróleo, mas sofre com a distribuição desigual de riqueza e alguma corrupção.
Os modelos vigentes de ajuda ao desenvolvimento e os modelos de financiamento proporcionados pelas organizações internacionais têm sido alvo de críticas por parte de intelectuais africanos, que denotam a manutenção de velhas dependências. Concorda?
Concordamos. Passou-se do fornecimento de alimentos em situações de emergência, para a ajuda com infra-estruturas, equipamentos ou aconselhamento técnico. Contudo, não se apostou em educar a população, para lá das habilidades básicas, tornando-a auto-suficiente. A nível agrícola, não foram abordados os problemas das culturas de rendimento, preferindo-se o cultivo para exportação, ao invés de se fornecerem alimentos às populações locais. Aquilo de que África precisa deve ser escolhido pelos africanos, por africanos incorruptíveis, capazes de entender as oportunidades que existem. Aquilo a que assistimos é a um enorme endividamento externo, contraído pelos governos através de empréstimos que nunca terão condições de pagar. Quando esses estados entram em incumprimento, os credores intervêm e assumem aquilo em que investiram, usando-o para seu próprio benefício, por vezes com objectivos militares. A ajuda sempre foi suspeita, mas agora, muitas vezes, é apenas e abertamente exploração.
Ao mesmo tempo, a corrupção continua endémica na maioria dos estados africanos. É uma fatalidade?
A melhor maneira de combater a corrupção é fazer como fez Robert Kennedy [N.R.: procurador-geral dos Estados Unidos, de 1961 a 1964] contra a máfia, nos Estados Unidos da América, na década de 1960. Com procuradores determinados em erradicar as redes que perpetuam a corrupção. Pessoas que estão no poder e que nomeiam os seus amigos e familiares. Estes casos têm que ser expostos e as leis aplicadas, colocando um número suficiente de pessoas na prisão, para que a ‘festa’ termine. Isto significa formação da polícia em recolha de provas e depois casos judiciais que não sejam adulterados. É um trabalho árduo, mas os EUA fizeram-no em cerca de 10 anos. De facto, isso é exactamente o tipo de ajuda ao desenvolvimento de que os países precisam. Formação de polícias e um sistema judiciário independente.
Os países de rendimento médio estão neste momento à procura de novos modelos de financiamento, abrindo as suas economias ao mercado externo. Que precauções devem ser tomadas ao atrair investimento?
Os estados africanos devem conversar entre si e desenvolver salvaguardas compartilhadas para reduzir a sua vulnerabilidade. Existem muitos empréstimos baratos e joint ventures que são verdadeiros ‘pactos com o diabo’.
China, mas também Rússia, Índia ou Arábia Saudita, entre outros exemplos, jogam em África uma parte significativa da sua actual influência global. Que riscos associa aos grandes investimentos destes países?
A Rússia é particularmente perigosa, pois existe sempre uma agenda oculta e é muito difícil confiar na sua integridade. A Rússia é o último país imperialista. Já não é capaz de governar por invasão física e tenta fazê-lo recorrendo a subterfúgios. A agenda pode ser muito desagradável. A China também está interessada em espalhar os seus tentáculos de poder, mas com um pouco mais de integridade e cooperação genuína. Eles só querem assumir o lugar dos Estados Unidos da América como a principal potência do mundo. Muitos dos movimentos chineses em África ocorreram como resultado de escolhas individuais, de chineses de regiões pobres, à procura de uma vida melhor, sendo que muitos foram bem-sucedidos. Nestes casos, não houve intervenção do governo chinês. Quanto à Arábia Saudita, a sua agenda é pura e simplesmente baseada na percepção de que o petróleo não vai durar para sempre, pelo que tem de alargar as suas redes de influência. Acontece que não tem empresas multinacionais para fazer este trabalho, pelo que os financiamentos são o caminho a seguir.
Esses países têm sido fundamentais para a concretização de programas de construção de infra-estruturas.
Sim, principalmente a China. Por exemplo, a recuperação de terras produtivas no Níger. O investimento chinês está a transformar o país. Mas também em muitos outros países da África Ocidental, nos quais a geração de energia e novas estradas tornaram possível o desenvolvimento da indústria e a movimentação de mercadorias, aumentando o comércio de bens produzidos no interior. Infelizmente, muitos desses projectos têm significado poluição, deslocamento de pessoas e desmatamento.
África tem a força de trabalho jovem que falta em muitos países desenvolvidos. Que potencial isto representa para o futuro das economias africanas?
Essa é uma grande vantagem, se os jovens forem treinados e receberem competências empreendedoras e o dinheiro necessário para montarem pequenos negócios. Muitas famílias anseiam que os seus filhos frequentem uma universidade, para depois conseguirem um emprego no governo, ao invés do sector produtivo. As grandes multinacionais devem ser atraídas, servindo de estímulo às empresas locais, tornando-as parte da cadeia de fornecimento. Os jovens devem perceber que não há substituto para o trabalho árduo e ter o próprio negócio não começa com ter um ‘carro inteligente’.
Que políticas de recursos humanos fazem sentido, nesse contexto?
As políticas de recursos humanos mais importantes estão relacionadas com o envolvimento dos funcionários. Uma força de trabalho totalmente engajada, que lucra com o seu trabalho, além do salário fixo de base, vai dar tudo de si. África deve apostar na flexibilidade, com níveis básicos de proteção de emprego, através de uma rede de segurança. Os sindicatos não são um perigo e podem ser parceiros no desenvolvimento de um negócio de sucesso. A formação também é fundamental, bem como a compensação por despedimento, por doença ou reforma.
Em muitos países, como Cabo Verde, existiu um forte investimento no ensino superior e agora temos um contingente de jovens formados e sem trabalho. O que está a faltar?
Uma coisa é educar academicamente – e a vossa universidade pública é admirável – mas é preciso haver um foco na ciência, engenharia e negócios. Caso contrário, existirá um superavit de graduados e muito descontentamento, porque um diploma universitário não prepara as pessoas para a vida real. Prepara a mente dos jovens, para que eles se possam mexer e aplicar o conhecimento à vida real. Agora, eles não vão fazer isso por si mesmos. É preciso ir um passo além. Como procurar negócios e oportunidades, como conseguir um emprego numa multinacional, realizar projetos comerciais de pesquisa e desenvolvimento. Infelizmente, o mundo não está aberto a africanos que procuram experiência no exterior, mas os jovens precisam de sair e ganhar experiência. O governo pode fazer muito para incentivar isso, através da criação de bolsas no exterior e estágios em multinacionais.
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Bio : Robin Chater é secretário-geral da Federação da Federação Internacional de Empregadores (FedEE), instituição com sede em Londres, dedicada ao apoio às empresas, em particular multinacionais. Consultor internacional na área da gestão, durante dez anos prestou serviços de consultoria à Comissão Europeia, em Bruxelas, na área da igualdade de oportunidades. Foi jornalista. Conhece bem África e o Médio Oriente. É persona non grata na Turquia, pelas suas opiniões sobre direitos humanos naquele país. Divide os dias entre a sua casa, no sul de França e o escritório, no Chipre, além das viagens que faz habitualmente ao sul da China.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 932 de 09de Outubro de 2019.