“A CV Interilhas tem o compromisso de, durante o primeiro semestre de 2020, e com base na experiência e análise que tem feito, encontrar uma solução global de frota, respeitando os princípios estabelecidos pelo contrato de concessão”, afirmou, em entrevista à Lusa, o administrador do grupo português ETE, que lidera a empresa que desde 15 de Agosto de 2019 assume a concessão do transporte marítimo de passageiros e carga em Cabo Verde.
O administrador daquela empresa explicou que a escolha de um navio é feita “em função das características dos portos e do tráfego, que vai servir”, nomeadamente de passageiros e carga, mas também face às “opções existentes no mercado, do seu estado, idade e custo operacional”.
“O importante é que os navios ao serviço da CV Interilhas cumpram rigorosamente as normas de segurança e garantam a perfeita operacionalidade e, nesta matéria somos intransigentes”, assumiu.
Questionado pela Lusa sobre o negócio envolvendo o navio “Chiquinho BL”, que o grupo ETE adquiriu em 2019 a um estaleiro na Coreia do Sul e que aguarda o resultado da inspecção para entrar ao serviço da CV Interilhas, nas ligações entre as ilhas de São Vicente e Santo Antão, Gonçalo Delgado afirmou que o navio “é novo”, rejeitando as acusações da oposição cabo-verdiana - crítica da atribuição da concessão à empresa -, que além do estado colocou em causa a segurança do navio, de 76 metros de comprimento e com capacidade para transportar 430 passageiros e 50 viaturas em simultâneo.
“Sendo um navio novo e de conceito moderno, as suas condições de segurança não só estão validadas e certificadas pelas entidades internacionais - sociedades classificadoras - como verificadas pelo facto de o navio ter realizado a viagem desde a Coreia do Sul até ao Mindelo [ilha de São Vicente], uma distância de cerca de 12.000 milhas [22.225 quilómetros], encontrando situações de ventos e vagas muito fortes”, explicou.
Recordou, a propósito, que a distância entre o Mindelo (São Vicente) e o Porto Novo (Santo Antão) “é de apenas sete milhas [13 quilómetros]”. “Não existem quaisquer dúvidas quanto às condições de segurança do navio”, afirmou.
O responsável referiu ainda que é "a primeira vez que existe em Cabo Verde um navio moderno e com esta capacidade", prevendo que venha a transportar em 2020 mais de 400 mil passageiros e 38.000 viaturas,"o que significa que, sozinho, transportará mais do que a totalidade de ligações que a CV Interilhas realizou ao longo de 2019", explicou.
Para a aquisição do navio garante que “foi encontrada uma solução sem necessidade de qualquer intervenção do Estado ou de qualquer outra entidade” em Cabo Verde: “Há que destacar também que a solução encontrada permitiu não solicitar qualquer esforço financeiro aos armadores nacionais detentores dos 49% do capital da CV Interilhas”.
313 mil passageiros em seis meses
Em seis meses de actuação no mercado nacional, a nova concessionária dos transportes marítimos cabo-verdianos transportou 313 mil passageiros. Um crescimento de 26% relativamente ao período homólogo e mais do dobro (2,4) do previsto no contrato de concessão, segundo o grupo ETE.
No total de 2.584 viagens realizadas em seis meses e meio, os navios ao serviço da CV Interilhas transportaram ainda 80 mil toneladas de carga, incluindo 23.217 viaturas, entre as várias ilhas de Cabo Verde.
“O balanço dos primeiros seis meses é muito gratificante. Constituímos uma empresa de capital maioritariamente nacional e para qual contratámos 150 colaboradores também de nacionalidade cabo-verdiana. Conseguimos cumprir de forma absolutamente impressionante em mais de 98% com a periodicidade das viagens previstas e dos horários, tendo garantido ao povo cabo-verdiano um serviço regular, fiável e em segurança que até então não existia”, afirmou Gonçalo Delgado, em entrevista à Lusa.
“Hoje as pessoas sabem quando podem viajar, tendo a certeza de que existe um regresso garantido. Para além de que hoje chegamos regularmente a 'ilhas mais isoladas', satisfazendo igualmente aquelas populações", enfatizou o administrador do grupo ETE.
“Ao fim de seis meses de operação superámos em mais de 140% as estimativas constantes do contrato de concessão, tendo conseguido manter-nos dentro do orçamento, o que consideramos notável em ano de arranque”, acrescentou.
Gonçalo Delgado assume que a experiência de mais de 80 anos do grupo ETE, que opera em quase uma dezena de concessões portuárias e marítimas em diversos continentes, e o conhecimento “de mais de 30 anos de operação em Cabo Verde”, levaram de forma natural ao desenvolvimento da CV Interilhas.
“O motivo que fez o grupo ETE abraçar este projecto foi sobretudo a vontade de poder contribuir para a melhoria do sistema de transportes marítimos em Cabo Verde, sabendo que detinha o 'know-how' e a capacidade operacional para saber responder a este desafio”, afirmou.
Para o administrador do grupo português, a “importância desta concessão não se reflecte apenas no incremento do bem-estar das populações”, mas também “na melhoria da sua mobilidade, o que no curto prazo será um factor decisivo na dinamização da economia de Cabo Verde”.
“Estamos conscientes e empenhados em continuar a introduzir alterações no sistema tendo como principais objectivos melhorar as condições do transporte de passageiros e sustentar o desenvolvimento da economia do país”, disse ainda.
Críticas da oposição não afectam a empresa
Gonçalo Delgado classificou as críticas da oposição cabo-verdiana ao concurso que atribuiu a concessão do transporte marítimo à CV Interilhas, e a sua legalidade, como um “tema político” que não afecta a actividade.
O administrador do grupo português, que lidera, como referido, a CV Interilhas através da Transinsular, reagia dessa forma às sistemáticas críticas da oposição ao concurso público internacional que em 2019 levou à atribuição da concessão do serviço público de transporte marítimo de passageiros e de carga àquela empresa, participada também por 11 armadores cabo-verdianos, por um período de 20 anos.
“Confessamos que não compreendemos bem quais as dúvidas sobre a validade do concurso e a sua razão de ser. O concurso foi um procedimento internacional, amplamente divulgado, ao qual se apresentaram 13 empresas de vários países e continentes, entre elas empresas cabo-verdianas, portuguesas, chinesas, cipriotas e gregas”, afirmou Gonçalo Delgado.
A oposição cabo-verdiana tem levantado sistematicamente dúvidas no parlamento sobre esta concessão, criticando o serviço que está a ser praticado pela CV Interilhas, a exclusão dos armadores cabo-verdianos e o que descrevem como um concurso público “intransparente”, defendendo a rescisão do contrato pelo alegado incumprimento da empresa.
Críticas refutadas pelo Governo, que além da previsibilidade e segurança que defende que o actual modelo introduziu no transporte marítimo, recorda que 11 armadores integram o capital social da CV Interilhas (49%), cedendo navios e sendo pagos pelo serviço.
À Lusa, Gonçalo Delgado explicou que o concurso público lançado em 2018 foi alvo de um “rigoroso escrutínio”, não apenas pelo respectivo júri, composto por representantes de várias entidades independentes, como a Unidade de Acompanhamento do Sector Empresarial do Estado, o Ministério da Economia, a Agência Marítima e Portuária e a Direcção Geral do Património e da Contratação Pública, mas também pela Autoridade Reguladora das Aquisições Públicas, que “interveio em várias fases do concurso, como garante da sua legalidade”.
“Acresce que nenhuma empresa participante no concurso ou qualquer autoridade com poderes de fiscalização da Administração Pública, tais como o Ministério Público, apresentou qualquer procedimento judicial contra o concurso ou contra as decisões tomadas na sua pendência, principalmente contra a adjudicação da proposta e o contrato de concessão. Com efeito, com tantas entidades a participar e a intervir no concurso – quase vinte entre privadas e públicas – e com a visibilidade que o concurso teve, caso tivesse havido alguma irregularidade, certamente ter-se-iam manifestado”, afirmou.
E defendeu: “Cremos que tudo não passa apenas de um tema político, sem fundamento jurídico”.
Aquele responsável assumiu também que, apesar da discussão diária que em Cabo Verde é feita sobre a empresa, a “polémica não afecta a actividade da CV Interilhas”.
“A empresa está altamente empenhada e focada na prestação deste serviço público de transporte entre ilhas em Cabo Verde, tão importante e relevante para o povo cabo-verdiano, para se dispersar por aspectos laterais e não fundamentados”, concluiu.
O capital social da CV Interilhas é detido pela Transinsular (grupo ETE) em 51%, cabendo os restantes 49% a 11 armadores cabo-verdianos, alguns dos quais, antes desta concessão, asseguravam de forma isolada as várias rotas entre as ilhas do país e que agora disponibilizam os navios à empresa concessionária, sendo pagos para o efeito.
Na sua operação, a CV Interilhas afretou cinco navios a dois armadores locais, nomeadamente à Fast Ferry e à Polaris, sendo este último o accionista com maior participação nos 49%.
“Foi permitido aos actuais armadores cabo-verdianos que continuassem a participar na prestação do serviço de transporte marítimo entre ilhas, ao adquirirem 49% do capital social da CV Interilhas, ao que o grupo ETE prontamente acedeu, pelo que não vemos como se pode afirmar que tais armadores possam ter sido prejudicados”, retorquiu Gonçalo Delgado, a propósito das críticas recorrentes da oposição cabo-verdiana à atribuição da concessão, em concurso público internacional, por 20 anos, à empresa liderada pelo grupo português.