“Para África a maior ameaça pode ser o impacto económico das perturbações trazidas pela COVID-19, mais do que o vírus propriamente dito”, disse Alex Vines em entrevista à Lusa, a propósito das medidas de combate à propagação do novo coronavírus no continente e das iniciativas de alívio da dívida em preparação pela comunidade internacional.
Questionado sobre a resposta das principais instituições financeiras internacionais, relativamente às necessidades financeiras acrescidas dos países africanos, o académico elogiou a postura do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial e disse que a actuação do G20 foi “desapontante” pela falta de ajuda financeira concreta concedida.
“O FMI viu 90 dos seus membros pedirem ajuda financeira de emergência e está a ponderar usar os Direitos Especiais de Saque (DES) para disponibilizar fundos de emergência significativos e sem condições”, apontou Alex Vines.
O director do Programa Africano da Chatham House acrescentou que “a desilusão tem sido o G20, cujos ministros das Finanças, a 15 de Abril, divulgaram um documento de pouca substância, ao concordarem apenas com uma suspensão temporária dos pagamentos da dívida dos países mais pobres até final do ano, e depois com mais um ano de extensão se for preciso”.
Para Vines, esta resposta dos 20 países mais industrializados do mundo parece ignorar que “para muitos em África não há qualquer rede de segurança, por isso, e para usar as palavras que um responsável do Programa Alimentar Mundial proferiu numa conferência da Chatham House este mês, 'quem não trabalha não come'”.
O G20, apontou, teve uma actuação “decepcionante na resposta à COVID-19, em parte devido à falta de liderança dos Estados Unidos, por isso a utilização dos DES é uma ferramenta muito poderosa para assistir os estados africanos altamente endividados”.
Sobre quem deve ter o papel de liderança na resolução da questão das dificuldades de pagamento do serviço da dívida, Alex Vines apontou "o FMI, o Banco Mundial e os bancos regionais, como o Banco Africano de Desenvolvimento".
“Obviamente que a China tem um papel, incluindo por ser a fonte da COVID-19, e tem uma responsabilidade de ajudar à recuperação, mas é incapaz de fazer isto por si própria", notou ainda.
COVID-19 : Três choques: saúde, economia e dívida
Economista cabo-verdiano no BAD refere importância da diversificação económica e refere-se a África como "a grande incógnita". Os impactos económicos mundiais da pandemia de COVID-19 serão significativos, com alguns países, incluindo Cabo Verde, particularmente expostos aos efeitos da mais que certa recessão.
Em relação à participação dos credores privados no alívio da dívida, Alex Vines respondeu que “deve haver apoio para uma suspensão da dívida”, mas referiu que “muitos credores privados já devem estar preparados para ‘haircuts [redução nos pagamentos] e atrasos nos pagamentos dos cupões”.
As iniciativas de apoio financeiro aos Estados africanos motivaram um aumento da capacidade financeira do FMI, que tem apoiado os países não só com desembolsos directos, como com uma suspensão dos pagamentos que os países teriam de fazer à própria instituição este ano.
De acordo com os cálculos da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), que apresentou na semana passada a mais abrangente proposta para um perdão de dívida de 1 bilião de dólares, os países em desenvolvimento terão de pagar entre 2 a 2,3 biliões de dólares (1,8 biliões a 2,1 biliões de euros) em dívidas só neste e no próximo ano.
Os países em desenvolvimento vão "bater numa parede de dívida durante esta década, e num contexto de circunstâncias profundamente problemáticas", porque só neste e no próximo ano os países em desenvolvimento de alto rendimento terão em dívida 2 a 2,3 biliões de dólares, e os de médio ou baixo rendimento deverão 700 mil milhões a 1,1 biliões de dólares (646 mil milhões a 1 bilião de euros), lê-se no documento que propõe a criação de uma autoridade reguladora mundial para esta questão.
"Apoiar os Estados africanos na recuperação económica é mesmo importante", salientou Alex Vines, concluindo que este apoio "inclui testes e tratamentos que sejam financeiramente comportáveis, mas também a garantia de que as vidas e o sustento são apoiados".
O número de mortes em África subiu para 1.640, com mais de 39 mil casos da doença registados em 53 países, segundo as estatísticas mais recentes sobre a pandemia no continente.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detectado no final de Dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.