Dinheiro digital em tempo de pandemia

PorJorge Montezinho,21 ago 2021 7:10

Notas e moedas, cartões, cheques, transferências, há várias maneiras de se fazerem pagamentos, mas a pandemia alterou hábitos, até os que temos quando fazemos gastos. Ao mesmo tempo, a covid-19 acelerou a adopção das novas tecnologias digitais a um ritmo sem precedentes. Cabo Verde não foi excepção.

Os efeitos da pandemia do novo coronavírus ultrapassam a área da saúde, atingindo as sociedades de forma transversal e deixando marcas e mudanças nos comportamentos. O Relatório do Sistema de Pagamentos Cabo-verdiano, publicado pelo BCV e referente a 2020, mostra essas transformações na economia e na vida social associadas às restrições impostas pela pandemia.

As medidas para conter a propagação da Covid-19, principalmente o encerramento de fronteiras a nível externo e interno, tiveram um impacto significativo na actividade dos agentes económicos nacionais, sejam eles consumidores, empresas, bancos ou organismos do Estado.

Com a atividade económica reduzida ao essencial e a imposição do distanciamento social, não tardou que se sentisse o seu reflexo na utilização dos instrumentos de pagamento – uma quebra generalizada.

A utilização das transferências, por ser um instrumento que permite a realização de pagamentos não presenciais, foi o único a registar uma taxa de variação positiva na quantidade de operações realizadas através do internet banking, que contribuíram com um peso de 41,6% do total das transferências realizadas em 2020.

Apesar de continuar a ser o instrumento mais utilizado pelos cabo-verdianos, as operações com recurso ao cartão multibanco diminuíram 3,1% em quantidade e 5,5% em valor, justificado, sobretudo, pela queda verificada nos levantamentos de dinheiro. As operações com cartão internacional, com a suspensão dos voos e o fecho das fronteiras, tiveram uma quebra significativa: os levantamentos caíram 48,9% em quantidade e 45,7% em valor, em comparação com 2019 (menos 239.294 operações no valor de 2.789,0 milhões de escudos). No que se refere aos pagamentos POS (terminais de pagamento), a queda foi ainda mais acentuada: 62,0% em quantidade e 65,5% em valor (menos 451.279 operações no valor de 4.663,3 milhões de escudos).

O Relatório do Sistema de Pagamentos passa em revista este que foi um ano atípico para transmitir uma visão detalhada relativa à utilização dos instrumentos de pagamentos. Por exemplo, do total das operações realizadas em Cabo Verde, 86,4% foram efetuadas com cartões, um total de 25.541.865 transações, no valor de 91.275,0 milhões de escudos. Foram, igualmente, processadas 3.163.128 transferências, no valor de 272.786,3 milhões de escudos, e 868.385 cheques, no valor de 158.067,2 milhões de escudos.

O internet banking, que não era utilizado por uma parte significativa da população cabo-verdiana passou a contabilizar, em 2020, mais 18.131 contas, elevando para 168.673 o total de contas. Através dessas contas, os clientes realizaram 88.320.941 operações, o que representa um crescimento de 50,3% relativamente ao ano de 2019.

Com recurso ao internet banking, as empresas e particulares realizaram 136.385 operações de pagamento de serviços, no valor de 1.080,0 milhões de escudos, o que se traduz num crescimento de 110,5% em quantidade e 86,1% em valor.

A rede vinti4 possuía 8.887 terminais de pagamento, sendo 199 caixas automáticos (ATM) e 8.688 terminais de pagamento automáticos (POS), em 31 de Dezembro de 2020. Registou-se uma diminuição de 2,5% e um crescimento de 7,5%, respetivamente, em ATM e POS, relativamente a 2019.

Na rede vinti4 foram realizadas 32.775.385 operações, que representam uma diminuição de 3,5% face ao ano anterior (2019: 33.952.547 operações). Deste total, 25.541.865 operações (77,9%), movimentaram fundos no valor de 91.275,0 milhões de escudos. A movimentação de fundos continua a ser mais expressiva nos POS (71,1%) do que nos ATM (28,7%).

Pagamentos digitais e inclusão financeira

Hoje, graças a transformação digital, o dinheiro já não tem que ter natureza corpórea para ser aceite enquanto meio de pagamento. É a era do dinheiro digital onde já se prognostica a sociedade sem dinheiro físico (cashless society). Uma cashless society é uma economia na qual as transações realizadas entre os agentes económicos não são liquidadas com recurso a dinheiro na forma de notas ou moedas físicas (numerário) emitidas por um banco central, mas sim por via da transferência de informação em suporte digital, tais como moeda eletrónica/digital e cartões de pagamento. Na Suécia, uma das nações mais tecnologicamente evoluídas do mundo, a procura de dinheiro físico tem diminuído continuamente ao longo das últimas décadas. O numerário em circulação no país nórdico passou de aproximadamente 10% do PIB, em 1950, para pouco menos de 2% do PIB, em 2016.

A expansão do mobile-money [dinheiro móvel], a ascensão das Fintech [empresas que utilizam tecnologia para gerar soluções inovadoras nos diferentes produtos e serviços do mercado financeiro], a introdução de tecnologias como o blockchain [sistema que permite rastrear o envio e o recebimento de alguns tipos de informação pela internet, permite, por exemplo, a transação das criptomoedas, ou moedas digitais], a inteligência artificial e superplataformas/superapps, são uma oportunidade para transformar a vida de milhões de pessoas, sobretudo nos países menos desenvolvidos.

Em Cabo Verde, sublinha o Banco Central, existem potencialidades a serem exploradas, dentro da transformação digital ao serviço da inclusão financeira das pessoas. Por exemplo, a taxa de penetração de telemóveis, no país, ultrapassa os 100% da população e a taxa de penetração da internet ronda os 72%, “em termos tecnológicos (comunicação e informação), estamos bem servidos”, lê-se no relatório.

No fundo, diz o documento, Cabo Verde tem potencial para o desenvolvimento de serviços financeiros inclusivos, através da tecnologia digital, com possibilidade de abarcar os meios mais remotos, ultrapassar os desafios da descontinuidade geográfica, retirar as pessoas do anonimato e contribuir para a diminuição da informalidade na economia, estreitar a ligação da diáspora às ilhas. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1029 de 18 de Agosto de 2021. 

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Autoria:Jorge Montezinho,21 ago 2021 7:10

Editado porSara Almeida  em  31 mai 2022 23:21

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