Pressão inflacionista motiva apelos de patrões e trabalhadores

PorNuno Andrade Ferreira*,2 abr 2022 8:46

A subida de preços nos mercados internacionais afecta de forma particular os países mais dependentes das importações e, por isso, tomadores de preços. É esse o caso de Cabo Verde. Empresários, trabalhadores e consumidores não poupam nas palavras e falam de uma situação complexa e de um ambiente de incerteza.

O aumento do custo de vida é mesmo a única certeza, com o governo chamado a intervir para tentar evitar uma espiral inflacionista que comprometa a paz social. O presidente da Câmara de Comércio de Barlavento (CCB), Jorge Maurício, não esconde a apreensão e alerta para a impossibilidade de se fazer qualquer previsão realista.

“Depende da duração da guerra, da produção de petróleo. Sabemos que há vários países produtores, mas mesmo assim continuamos quase que numa pressão do mercado, da lei da oferta e da procura e dos riscos de produção a condicionarem o aumento dos preços. Isto para Cabo Verde é terrível, principalmente para o transporte, de forma geral, transporte aéreo, transporte marítimo internacional e transporte marítimo de cabotagem inter-ilhas, de passageiros e mercadorias. Neste domínio, já se faz sentir um triplicar de preços e isto condiciona a sustentabilidade e a continuidade do serviço público de transporte marítimo”, comenta.

Jorge Maurício avança que a CCB propôs um pacote específico de medidas de emergência para o sector dos transportes, que passa pela revisão de tarifas e redução de impostos e taxas.

Do lado dos trabalhadores, a perda de poder de compra é uma preocupação anterior à pandemia e guerra na Ucrânia. O presidente da Confederação Cabo-Verdiana dos Sindicatos Livres (CCSL), José Manuel Vaz, calcula que, desde 2007, as perdas acumuladas se situem em 27,5%. Os últimos meses agravaram o cenário.

“Daí que defendemos que, efectivamente, é tempo de governo e parceiros sociais, portanto, empregadores e trabalhadores, se sentarem à mesa e encontrarem uma solução para resolver a questão”, apela o sindicalista.

Com a degradação acelerada das condições de vida, Vaz admite a possibilidade de uma greve geral.

“Os sindicatos vão ter que utilizar os instrumentos que têm à disposição, para ver a necessidade de reposição da perda permanente e galopante do poder de compra dos trabalhadores. Uma greve geral não está posta de lado, mas privilegiamos o diálogo, as negociações, os entendimentos”, declara.

Preocupação, especulação e intervenção

Ninguém escapa à subida de preços. Em São Vicente, Adérito Rodrigues, proprietário de uma mercearia, revela uma quebra nas vendas e teme rupturas de stock.

“É um bocado complicado, os clientes estão a reclamar do preço que está a subir dia após dia e, com a guerra, a situação está complicada. Em termos de movimento, também está complicado, não está como antes, que vendíamos bem. Agora, as vendas estão mais ou menos. Com tudo a subir, mais para frente, não sei nem se iremos encontrar as coisas no mercado. Agora aumentaram o preço, mas poderemos ter que enfrentar uma crise de não haver nada no mercado”, alerta.

Lomba General, que tem um restaurante na cidade da Praia, tem suportado o custo extra de bens alimentares mais caros. Agora, está a chegar ao limite e terá que repassar o ónus aos clientes.

“Por enquanto, estou a tomar este aumento de preços ‘nas minhas costas’, não estou a aumentar o preço da comida, mas a continuar, serei obrigado a aumentar o preço e terei que fazer cortes noutros pontos, por exemplo, empregados podem perder o trabalho. O governo tem que ter mais cautela com estes aumentos, para ter a certeza que estão a acontecer de forma legal”, considera, numa referência a eventuais práticas especulatórias.

A Associação para Defesa do Consumidor admite ter recebido queixas sobre possíveis casos de especulação de preços. A presidente da organização, Eva Caldeira Marques, explica que tem sido feito um trabalho de sensibilização e alerta.

“Temos estado em todo o lado, sensibilizando para que se denuncie lá onde acharmos que os preços mais altos podem não ter sido consequência do aumento de preço internacional, porque muitos produtos ainda estão em stock, mas terem sido manipulados. Estamos alerta em relação a isso”.

Para a ADECO, é fundamental que, mesmo com pouca margem de acção, o governo garanta que os cabo-verdianos têm acesso a bens essenciais.

“Apelamos ao governo para que faça da sua prioridade assegurar que os cabo-verdianos tenham acesso aos bens essenciais, alguns de primeira necessidade – água, energia, alimentação. Se o preço internacional chega a um ponto em que os nossos rendimentos, sabemos o que é o nosso salário mínimo, não chegam, o Estado é obrigado a entrar, de alguma forma, na economia”, afirma.

O governo anunciou sexta-feira (25) um pacote de medidas para fazer face ao choque externo causado pela invasão russa à Ucrânia. A nível dos combustíveis, congelou temporariamente os preços do gás butano e combustível para produção de electricidade, além de impor um tecto máximo de 5% na subida de preços de gasolina e gasóleo. No sector alimentar, será reduzida a carga fiscal que incide sobre o leite e a tutela tentará segurar o preço dos cereais, nomeadamente, aumentando stocks.

*com Fretson Rocha, Lourdes Fortes e Ailson Martins 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1061 de 30 de Março de 2022. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira*,2 abr 2022 8:46

Editado porJorge Montezinho  em  16 dez 2022 23:27

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