“2023 vai ser pior do que este ano”

PorAndre Amaral,16 out 2022 9:12

2023 será um mais difícil do que este ano, defende António Baptista em entrevista ao Expresso das Ilhas. Para este economista as incertezas provocadas pela guerra na Europa vão ter um impacto profundo na economia nacional.

Tendo em conta o cenário económico mundial, como vê o futuro da economia do país nos tempos mais próximos?

Realmente a situação que estamos a viver é uma situação conjuntural difícil. Cabo Verde é um país classificado de rendimento médio, porém há alguns critérios que não conseguimos cumprir como a vulnerabilidade externa. Nós estamos a sentir este impacto por causa dessa vulnerabilidade. Temos um país com um défice muito grande em termos de dívida pública, em termos do défice das nossas transacções externas e somos um país muito dependente do fluxo de divisas através de remessas, através da exportação do turismo. O grande problema é que o cenário internacional é muito complicado e o país, provavelmente, vai sentir um grande impacto por causa dessas vulnerabilidades. Nós ainda não temos uma base de exportação diversificada, o turismo tentou recuperar, mas ainda não está no nível desejável, porque ainda se sentem os impactos da pandemia e provavelmente o cenário de guerra vai diminuir a vontade de as pessoas viajarem, de fazerem turismo. A inflação internacional também é um problema. Com a nossa de taxa fixa de câmbio todo o aumento de preço é imediatamente transferido para o país. Isso tem sido uma grande preocupação, porque os preços dos alimentos nunca estiveram tão altos e acredito que ainda possam subir um pouco mais. Temos um cenário muito preocupante. Em 2022 não se sentiu muito, porque havia stock de cereais. Mas agora o grande problema é a produção.

Ou seja, o cenário para 2023, na sua opinião, é de que vai ser um ano pior do que este.

Vai ser pior, ninguém tenha dúvidas em relação a isso. Isso é evidente, porque o mercado de cereais passa por uma grande dificuldade e a Europa passou por um problema de seca e a produção demorou. Nós, nos países mais pobres, não conseguimos mobilizar recursos para produção endógena e essa incerteza no mercado internacional, a que se junta a incerteza por causa da guerra, torna tudo muito complicado. Por causa da guerra, os países deixam de gastar, preocupam-se mais com coisas internas, alguns investimentos não são feitos por causa da insegurança. Veja como o sector da energia, na Europa, está a ser afectado. Provavelmente os preços vão aumentar muito mais por causa da restrição energética, o PIB também poderá diminuir nesses países e isso transfere-se imediatamente para Cabo Verde, porque nós somos muito vulneráveis a nível externo. A nossa vulnerabilidade externa é muito grande, somos muito dependentes das remessas dos emigrantes, do investimento externo, das exportações, da ajuda ao desenvolvimento. E quanto às remessas, os cabo-verdianos que estão a emigrar muito provavelmente não se vão comportar como a geração anterior, porque querem ter qualidade de vida, querem conhecer outros países, querem investir. Assim, o nível de remessas não será o mesmo. Nós temos uma economia muito dependente de serviços e eles são muito afectados pela crise.

Quanto ao Orçamento do Estado para o próximo ano, que comentários faz?

Eu ainda não vi em grande detalhe e, por isso, ainda não tenho informações que me permitam inferir sobre os impactos. O governo fez aquilo que está dentro das suas possibilidades. Sabemos que por causa da crise o endividamento aumentou, as necessidades da população cresceram, há o problema da insegurança alimentar. Temos de ver onde o Estado vai investir, qual é o impacto que isso tem em termos de emprego, em termos de consumo. Esses são os factores que vão dinamizar a economia. Hoje estamos a ser extremamente desafiados por causa do desemprego, da recessão, por causa desta insegurança em relação ao futuro e isso só pode ser contornado com investimento público. Eu acho que o Orçamento do Estado tem sido muito passivo no sentido de trabalhar apenas nas isenções. Isso não é suficiente para promover investimento. Os privados e as famílias precisam de apoio activo e não de uma forma passiva. Estou a falar daquilo que o Estado tem de gastar, de colocar na mão das pessoas. O Estado tem de facilitar o fluxo de receitas das empresas. Isso vai gerar expectativas positivas e são essas expectativas que vão suportar o consumo e o investimento. Esse é o principal combustível para o nosso desenvolvimento. Uma coisa boa é ter aumentado o salário mínimo. Outra é ter aumentado os benefícios das camadas mais pobres, porque isso tem implicações directas ao nível do rendimento das famílias. Eu acredito que isto serão as melhores coisas deste Orçamento do Estado. Porque o rendimento de uma pessoa que recebe um salário muito baixo vai directamente para a economia. Ele não vai trocar de telemóvel, não vai viajar ou fazer turismo. Então, o gasto que ele vai fazer tem um grande efeito multiplicador na economia. Cada escudo gasto é medido no impacto total na economia. Assim, quando uma pessoa que está num nível baixo de rendimento recebe mais mil escudos, isso vai provocar impacto na economia comunitária. Uma pessoa que recebe um ordenado mais elevado, se receber esses mil escudos, nem vai sentir.

Texto publicado originalmente na edição nº1089 do Expresso das Ilhas de 12 de Outubro

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Autoria:Andre Amaral,16 out 2022 9:12

Editado porJorge Montezinho  em  6 jul 2023 23:29

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