“Em 2023 concedemos à economia cabo-verdiana mais de 26 milhões de contos”

PorJorge Montezinho,28 jan 2024 8:40

Luís Vasconcelos, presidente da Comissão Executiva do BCN
Luís Vasconcelos, presidente da Comissão Executiva do BCNBob Lima

A história do BCN remonta a Fevereiro de 1996 altura em que o Banco Totta & Açores, de Portugal, abriu uma sucursal na Cidade da Praia. A sucursal passou a Banco de direito cabo-verdiano, com a denominação de BTCV – Banco Totta de Cabo Verde, em Janeiro de 2003, abrindo mais duas agências no Mindelo e na Assomada. Com a criação do BTCV começa uma nova fase do Banco que viria a culminar com a aquisição, em Outubro de 2004, da totalidade do seu capital, pela empresa cabo-verdiana SEPI – Sociedade de Estudos e Promoção de Investimentos, S.A. Com essa negociação surge assim o primeiro Banco privado e 100% cabo-verdiano em toda a história do sistema financeiro nacional. Em Fevereiro de 2005, por razões de ordem estratégica, a SEPI, decide alterar a denominação do Banco passando, a partir dessa data a chamar-se BCN – Banco Caboverdiano de Negócios. Em Fevereiro de 2007, o BCN e o Banif estabeleceram uma parceria estratégica, que vai contribuir para um reposicionamento do BCN no mercado cabo-verdiano da banca. A 24 de Março de 2017, a ÍMPAR adquire a posição accionista que o Banif detinha no BCN, correspondente a 51,7% das acções, concluindo assim as negociações que já vinham decorrendo desde Dezembro de 2016, voltando a colocar o BCN como o único Banco em Cabo Verde com capital e gestão 100% cabo-verdianos. Esta entrevista com o PCE do Banco não é para falar do passado, mas sim do futuro, de fora só ficou a questão INPS porque o BCN diz que nessa matéria “aguardará serenamente as conclusões do inquérito instaurado pelo Banco Central e que acatará sem reservas as orientações que lhe vierem a ser comunicadas pela Autoridade de Regulação do Sistema Financeiro”.

Começamos por esta curiosidade, estamos a falar no dia do 32º aniversário da Impar [dia 22 deste mês], a primeira instituição financeira privada cabo-verdiana.

Sentimos um orgulho enorme, 32 anos depois, em poder afirmar a ousadia de um conjunto de investidores, que sonharam que o sector privado cabo-verdiano podia ter nas suas mãos o destino de instituições financeiras. De tal forma, que hoje o Grupo IMPAR é um grupo financeiro extremamente sólido, de grande reputação, nacional e internacional e cujo percurso é reconhecido por toda a sociedade cabo-verdiana e, principalmente, por aquilo que é mais importante, pela nossa clientela. 

As contas de 2022 do BCN – no panorama mundial mais desfavorável em várias décadas – mostram um crescimento na carteira de crédito, nos recursos e um aumento dos lucros. E em 2023, como é que evoluiu o BCN?

A conjuntura mundial continua a trazer grandes desafios. Mesmo assim, temos o orgulho de dizer que conseguimos fechar o ano de 2023 concedendo à economia cabo-verdiana, às famílias e às empresas cabo-verdianas, mais de 26 milhões de contos. Quando o Grupo IMPAR comprou o BCN, em 2017, a carteira de crédito valia pouco mais de 8 milhões de contos. Hoje, conseguimos dar um contributo, em termos de crédito, à economia cabo-verdiana. E tudo ele aplicado à economia cabo-verdiana, mais precisamente 26.549.000 contos. É um sinal da grande credibilidade que o banco tem. Temos um rácio de solvabilidade muito acima daquilo que são os rácios apontados pelo Banco Central. E temos desenvolvido uma actividade fortíssima relativamente à cena internacional. 

Algum marco em especial? 

Gostaria de referenciar três marcos. Primeiro, o BCN é o único banco cabo-verdiano que tem, neste momento, linhas de crédito do IFC, a Sociedade Financeira Internacional do Banco Mundial, [IFC - International Finance Corporation], linhas de crédito concedidas ao sector privado cabo-verdiano. Só bancos escrutinados pelo Banco Mundial e pela Sociedade Financeira, para validação de que são bancos credíveis e sólidos, é que têm essa possibilidade. Além disso, também da Sociedade Financeira Internacional, temos linhas de trade finance. Isto é, estamos a apoiar os importadores, principalmente esta nova onda de importação de veículos elétricos, e os grandes importadores de eletrodomésticos. Essas atividades estão a ser suportadas através de linhas de trade finance, com chancela do IFC, aceites em toda parte do mundo, e comercializadas pelo BCN. Gostaria de aqui deixar mais uma referência ao IFC, porque o IFC refinanciou todo um grupo hoteleiro em Cabo Verde. O IFC tinha parte de financiamento em Cabo Verde, parte no exterior, e o IFC assumiu, num sindicato, com o BCN como parte cabo-verdiana e a Caixa Geral de Depósitos em Portugal. Trazer um sindicato, de uma instituição como esta, é um sinal de grande reputação internacional e de credibilidade. Para além disso, actuámos, ao longo de 2022 e 2023, na consolidação da nossa rede de correspondentes. O nosso correspondente principal é o Banco Santander, que é, neste momento, um dos dez maiores bancos do mundo. E conseguimos também aumentar a nossa rede de bancos de correspondência com o CaixaBank. O CaixaBank é o maior banco do mercado espanhol, maior que o Santander. E isto é um factor importante. Porquê? Porque os grandes investidores espanhóis, que temos em Cabo Verde, passam a ter um nível de suporte e um nível de serviço com uma capacidade de resposta diferenciada. Temos granjeado cada vez mais prestígio e reputação junto desta clientela. E só a reputação e o prestígio é que nos permitem fazer os crescimentos de que estamos aqui a referenciar. 

Qual o impacto desses números na economia cabo-verdiana? 

Os 26,5 milhões de contos que emprestamos à economia cabo-verdiana estão a contribuir para mais e melhor economia. Mais e melhor emprego. Ora, mais e melhor economia, mais e melhor emprego, geram mais contribuições para o sistema de segurança social, geram mais impostos para o Estado, geram mais bem-estar para as famílias e o BCN assumiu o desígnio de desempenhar esse papel de forma activa na economia cabo-verdiana e temos conseguido fazê-lo com bastante sucesso. 

Está a ser delineado um novo ciclo estratégico para os próximos cinco anos. Li, no relatório e contas de 2022, que este plano foi elaborado para conseguir um reposicionamento no mercado financeiro cabo-verdiano. Daquilo que me pode dizer, em que é que consiste este novo ciclo estratégico?

Posso levantar um bocadinho a ponta do véu, com a seguinte afirmação: Nós somos o único banco cabo-verdiano 100% privado que existe no mundo. Automaticamente, todo o nosso plano estratégico vai apostar na unicidade e singularidade da cabo-verdianidade. 100% Cabo Verde será o nosso lema principal. Temos uma forte estratégia para a nossa diáspora. Importantíssimo meio de financiamento da economia. Achamos que a emigração precisa de ter uma atenção especial. E já começámos a trabalhar, eu próprio estive em Boston e começámos a lançar as raízes deste novo plano estratégico, que vai ser anunciado em breve. Não gostaria de estar aqui a levantar muito o véu, mas elegemos claramente a emigração. Mas, como costumo dizer, temos primeiro que cuidar muito bem daqueles que estão cá dentro, do mercado nacional. Obviamente que esta estratégia também vai reforçar a nossa estratégia nacional, já estamos presentes em todas as ilhas de Cabo Verde. O BCN tem a terceira maior rede de distribuição, e em termos de depósitos e em termos de crédito, já somos o terceiro maior banco da economia cabo-verdiana, e isso também enche-nos de orgulho, traz-nos responsabilidades, temos que continuar o serviço de qualidade, e há um lema fundamental de que não vamos abdicar, o cliente é a razão da nossa existência. Nenhum funcionário do BCN está a cá para prestar um favor a ninguém. Os clientes é que nos prestem um favor, e a qualidade do serviço é o nosso lema. Queremos continuar a afirmar-nos como o banco que melhor qualidade de serviço tem. E é este o ponto da nossa diferenciação, também é esta a atenção com a diáspora. Sabemos que muitas vezes o emigrante cabo-verdiano quer fazer investimento e há uma série de complicações administrativas ao longo do processo, e eles têm pouco tempo. Vamos dar um enfoque especial sobre este problema, isto é, vamos encontrar soluções para as demandas que existem e com isso alavancar a continuidade do nosso crescimento. O Jorge já me obrigou a abrir muito mais da ponta do véu do que eu estava a prever, mas a campanha será anunciada publicamente muito em breve.

Por falar em clientes, realizaram um estudo de mercado sobre o grau de satisfação dos clientes bancários em Cabo Verde e que deu origem a um conjunto de informações que o BCN considera relevantes.Alguma que possa partilhar? 

A maior parte daquilo que nós constatámos é que muitas vezes a banca e a qualidade de percepção do cliente por parte da banca têm a ver com entidades extras. Dou-lhe o exemplo do crédito de habitação. Podemos aprovar um crédito, mas até que a pessoa consiga ter a planta de localização por parte da câmara municipal, marcar a escritura pública por causa da hipoteca, depois fazer o registro da conservatória. É um calvário enorme. E muitas vezes a banca paga por essa reputação. O que vamos procurar fazer é mitigar esses riscos ajudando a nossa clientela a ultrapassar esse tipo de obstáculos. E vamos fazer uma forte aposta nessa questão. Um segundo aspecto tem a ver com as filas à porta dos bancos. Estamos a mitigar isso. Aumentamos a nossa rede. Criámos centros – os BCN Business – para segmentarmos, porque muitas vezes um depósito de uma grande empresa, em vez de demorar os 15 minutos como o cliente habitual demora, pode chegar às vezes a meia hora, 45 minutos, pelo número de cheques envolvidos, pelo montante, etc. Estamos a fazer a segmentação dos clientes para poder aliviar essa reclamação. Estamos a ter uma atenção muito especial sobre a rotação do pessoal na hora do almoço para que não afecte os serviços. Em 2023 já sentimos uma melhoria. Obviamente que há coisas a melhorar. Vamos abrir novas agências. No Fogo, vamos descentralizar uma agência, dentro de São Filipe, para o atendimento específico à Western Union. Porque a Western Union no Fogo tem uma importância muito grande. Muita gente depende da remessa do familiar que tem fora, principalmente nos Estados Unidos. E isso gera tráfico. Investimos também num novo software, já está neste momento em vigor, que vai permitir entrar definitivamente na era digital. A app do BCN vai estar na rua ainda durante este primeiro trimestre. Todos os clientes do BCN, automaticamente, ao abrir conta, vão ter internet banking. E com isto fazer com que muito dos serviços ou muita da informação que leva a que as pessoas procurem o balcão deixe de acontecer. E isto também vai contribuir para descongestionar os balcões. A aposta no digital é uma aposta firme. Dou-lhe outro exemplo, lançamos uma coisa muito interessante para a emigração que se chama RED. RED não é de vermelho. É de Rápido e Direto. Através de uma app, a pessoa em casa, tendo uma conta no estrangeiro ou tendo um cartão de crédito, consegue transferir dinheiro imediatamente do sítio onde está para a sua conta em Cabo Verde. E um familiar que cá está, com acesso à conta, tem o imediato acesso aos fundos. Temos de estar atentos ao mercado. Não estamos isolados. Há concorrência. A concorrência também está a fazer coisas interessantes. Também temos de olhar para elas e dizer-lhes, também vou ter esse serviço. Obviamente, aquilo que estou a dizer-lhes, daqui a pouco tempo a concorrência também vai estar a dizer, eu também tenho. Mas o importante é estarmos atentos. O importante é estarmos focados no serviço e nas demandas que nós recebemos. 

Falou na concorrência, o que diferencia o BCN dos outros bancos em Cabo Verde? 

A principal diferença do BCN é que o centro de decisão está baseado em Cabo Verde. E temos a capacidade de decidir rápido. Esta é uma diferença enorme. Todos os administradores estão em Cabo Verde e respondem, na hora, a toda e qualquer circunstância que é necessária. E mais, o BCN não tem nenhum interesse em que o dinheiro fique em paragens, para fazer overnights, etc. Porque a nossa relação é diretamente com o nosso cliente. E a inversa também é verdadeira. Assim que nós recebemos o valor no nosso banco, o receptor do valor, quem é beneficiado com a transferência, é imediatamente creditado. Independentemente de ela estar na conta do banco correspondente. Temos neste momento uma liquidez extremamente forte, não temos necessidade de estar a fazer a transferência destes fundos dos bancos correspondentes para cá. E temos uma posição muito confortável, que neste momento é muito desejada pelos meus bancos correspondentes, que estão a remunerar os nossos depósitos nas suas contas. Junto do Banco Central, o BCN tem um valor significativo de liquidez, mais de 6 milhões de contos, em que constantemente estamos a fazer aplicações de overnights, aplicações de curto prazo que o Banco Central põe à disposição dos bancos, obviamente também aplicações e bilhetes de tesouro, esta agilidade que esta capacidade financeira nos dá tem-nos trazido muitas vantagens. 

Aliás, em tempos de incerteza, adaptação e agilidade são fundamentais. 

Essa que é. Como disse, Darwin não é o mais forte que vence, mas sim aquele que melhor se adapta às circunstâncias.

É verdade que nos negócios não há sentimentos, mas o facto de ser uma empresa 100% cabo-verdiana, acha que também ajuda a diferenciar o BCN das outras entidades bancárias?

Não tenho a menor dúvida, aliás, temos sentido isso porque falamos a mesma linguagem da nossa clientela. Mais importante, como referi, é o centro de decisão estar cá e a agilidade no processo de decisão. Este ponto é fundamental e muitas vezes outras instituições dependem em determinado tipo de operações da casa-mãe ou de qualquer outro circunstante. No nosso caso, nós temos a vantagem do poder de decisão estar cá, totalmente centralizado. Mesmo que seja uma questão de acionistas, a IMPAR controla praticamente 90% do BCN. Automaticamente, a capacidade de podermos actuar e de ser ágeis é extremamente grande. 

Falando de incerteza, tiveram que fazer alterações, por exemplo, na maneira como fazem a gestão de risco? 

No próprio modelo de governação dos bancos foi incorporado numa série de avisos por parte dos reguladores, que obrigou que toda a óptica do risco fosse vista de uma forma muito mais abrangente. Temos, por exempo, uma comissão de risco especializada, e conseguimos incorporar nessa comissão um ex-quadro do Santander que aportou-nos um valor extraordinário e que nos leva a olhar para os riscos de uma forma muito atenta. Posso dar um exemplo. Neste momento, com o novo software que nós criámos e com a base de dados da Dow Jones, sobre a questão do risco reputacional dos clientes, qualquer cliente que abra conta tem o nome, o número do passaporte, data de nascimento, filiação, escrutinada. E se esse cliente tem algum processo, seja local, seja internacional, imediatamente gera um alerta. Não há nenhum cliente, neste momento, que não passe por esse crivo. Este tema é muitíssimo importante. Nós vimos da indústria seguradora. Indústria seguradora é o quê? Gestão de riscos, essencialmente. Recebo riscos, estou a segurar, para se acontecer um acidente pagar. E tenho que fazer uma análise de risco para poder saber qual é a taxa que dou. Este DNA da análise de risco faz parte daquilo que é a essência do grupo. Rapidamente percebemos que na indústria bancária também tínhamos que ter esta mesma sensibilidade. 

Esse programa que assinala todas as bandeiras vermelhas se algo não estiver de acordo por parte do cliente dá mais confiança ao banco, mas faço-lhe a pergunta ao contrário. A banca também tem de reforçar também a confiança dos clientes?

Claro. A inversa também é verdadeira. E como é que a banca faz isso? Através da própria regulação? Nós estamos regulados pelo Banco Central, temos um conjunto de indicadores que temos que respeitar, temos stress testes que temos que fazer, isto é, temos que estudar vários cenários de potenciais situações que podem acontecer, por exemplo, um crash imobiliário, se tivermos um crash imobiliário, qual é a consequência, se o nosso maior depositante levantar todo o dinheiro, etc. E o que lhe posso dizer é que passámos, com distinção, em todos os seis níveis de stress test. Não há nenhum dos seis níveis que são impostos pelas leis internacionais que pusessem em causa a continuidade do negócio do BCN. Há um outro aspecto fundamental que é a auditoria externa. Nós somos acompanhados pela Pricewaterhouse, que escrutina muito bem a nossa actividade em termos de crédito, a nossa atividade em termos de actuação, a nossa actividade em termos de risco, e a própria parte informática também é sujeita a um processo de auditoria. Temos um auditor externo para a área informática, que é a VisionWare e foi uma das primeiras medidas que nós tomámos quando comprámos o BCN. Porquê? Toda a plataforma bancária é uma plataforma informática. Os riscos informáticos são muito importantes e não podemos estar sob ameaças externas. 

Como é que caracteriza o impacto da crise internacional no BCN? 

A crise económica internacional impacta, em primeiro lugar, sobre Cabo Verde e, automaticamente, o BCN não estará imune àquilo que impactar a economia cabo-verdiana. Obviamente que procuramos sempre perceber onde devemos actuar e fazer os ajustes necessários para que não impacte. Por exemplo, ritmo de crescimento do nosso crédito diminuiu, obviamente foi o primeiro impacto. Mas isso é transversal a todos os bancos. Como estou a dizer, a crise internacional afecta em primeiro lugar a economia cabo-verdiana e automaticamente todos os seus agentes activos, como é a indústria bancária. 

No pós-pandemia começou a falar-se em policrise. Agora, e esteve em Davos e sabe que se começa a falar também na permacrise. Na sua análise, 2024, será de facto este período de crise permanente ou já poderá ser um tempo de resoluções, de recuperação e de resiliência? 

Existe, em primeiro lugar, o reconhecimento da importância da China. Algo que aconteça na China pode impactar a economia global. O segundo aspecto importantíssimo é o que vai acontecer com as eleições dos Estados Unidos da América. Estamos a falar das duas principais economias do mundo e automaticamente trazem um grau de incerteza grande. Depois, temos a questão dos conflitos internacionais. A guerra Ucrânia-Rússia, o que está a passar-se na faixa de Gaza. E temos outros conflitos, fala-se menos, mas que também têm impacto económico. Por exemplo, a instabilidade do Iémen está a provocar problemas internacionais a nível de transporte, por causa dos ataques no canal de Suez. Tudo isto traz efetivamente uma incerteza. E há uma contenção muito grande, depois de Davos. 2024 não será um ano de grande crescimento económico. Existe até alguma preocupação. Ficaram de fazer uma revisão de todos os aspectos económicos a nível do primeiro semestre e senti, digamos, alguma prudência em fazer projeções a muito longo prazo. Automaticamente, isso também condiciona a economia cabo-verdiana e condiciona também a actuação dos bancos. 

Em que aspectos? 

Perante este cenário, temos que perceber para Cabo Verde qual o impacto que vai ter no nosso turismo. Vamos continuar a ter o mesmo nível de turismo? Os mercados emissores vão sofrer ou não? Vamos estar muito dependentes também a capacidade da remessa dos emigrantes, como referi, as remessas dos emigrantes têm um papel fundamental, um papel que muitas vezes as pessoas negligenciam. O total de remessas dos emigrantes e o total dos depósitos dos emigrantes é muito superior, por exemplo, aos depósitos da Previdência Social. E as pessoas negligenciam isso. Veja, por exemplo, um banco como o BCA, que tem um volume de depósito enorme de emigração – pelo papel histórico que teve, basicamente o BCA era o único banco que existia – não tem necessidade de ter outros recursos, porque os recursos dos emigrantes dão-lhe uma capacidade de depósito bastante significativa. E é isso que estamos a procurar. Há uma outra coisa também que queremos, é que as pessoas sintam o impacto direto da sua intervenção. Dou-lhe um exemplo concreto. A Câmara Municipal dos Mosteiros lançou, em 2023, obrigações para poder financiar a construção da primeira estrada asfaltada do município. O que é que o BCN fez? Comprou integralmente esse lote de obrigações e fomos à emigração e dissemos olhem, vocês que são dos mosteiros, em vez de fazerem um depósito a prazo que é generalizado, compram obrigações do município e têm a certeza absoluta que essa poupança está a dar um contributo decisivo para o município. 

O facto de ter estado em Davos, presente, no fundo, na mesa das grandes discussões, trouxe-lhe alguma mais-valia que outros não têm? 

Fui convidado para integrar o supergrupo de influenciadores africanos. Isso é um privilégio, mas também é um reconhecimento do papel que o sector privado cabo-verdiano teve numa indústria tão importante como é o sector financeiro. O reconhecimento não é meu, individual, mas do sector privado cabo-verdiano que conseguiu afirmar-se com sucesso numa área extremamente exigente, aliás, a carta de convite que me foi enviada veio diretamente de Nova Iorque, onde é escrutinada não só a minha actuação profissional, mas essencialmente a actividade das empresas onde exerço a minha actividade. Este privilégio deu-me a hipótese de ter, antecipadamente, acesso às informações do Timbuktoo, o fundo de investimentos que está a ser lançado pelas Nações Unidas. A minha presença nesse supergrupo, permitiu-me ter acesso a informações privilegiadas, que irei pôr à disposição das instituições cabo-verdianas, e obviamente, a minha própria instituição beneficiará dessa rede de contactos. Essencialmente, fóruns como o de Davos, ou a participação no supergrupo, permitem duas coisas: alargar a rede de contactos e ter acesso a informação e a projetos que seria mais difícil de ter de outra forma. A minha actuação beneficia todo o ecossistema cabo-verdiano, e é essa a intenção. Estamos num momento vital para Cabo Verde. Estamos finalmente a concluir as obras dos parques tecnológicos e os parques tecnológicos, os negócios que se vão desenvolver, são potencialmente um segmento alvo deste fundo Timbuktoo.

Vamos falar só mais um pouco dessa iniciativa Timbuktoo. Neste momento, 89% do capital de risco que entra em África é capital estrangeiro. Desses, 83% estão concentrados em 4 países, Nigéria, Quénia, África do Sul e Egipto, com mais de 60% do dinheiro a ir para um único sector, o Fintech. Como sabemos que agora será diferente?

Você acabou de falar das economias mais importantes, dos países mais populosos de África. A demanda é que gera negócios. E o volume e a dimensão. O que nós, cabo-verdianos, temos de fazer é ser audazes. Há bons exemplos aqui. Não vou mencionar nomes para não estar a fazer aqui uma diferenciação na minha qualidade super influenciador (risos). Mas há projetos extremamente interessantes que eu tenho a certeza absoluta que terão sucesso. Sim, efetivamente hoje a maior parte do dinheiro é estrangeiro, mas os influenciadores africanos, todos dissemos que o sector privado africano tem de dar o seu contributo. 

Voltamos então ao cenário nacional. Quais considera serem as principais alterações no ambiente de negócios e como é que isso está a afectar as empresas? 

Acho que há um trabalho de casa que tem de ser feito pelas instâncias nacionais. Uma das coisas que tem penalizado Cabo Verde tem sido a questão do doing business. O que é que tem de ser feito? Temos que ver quais são os indicadores que estão a penalizar-nos e actuar sobre eles. Por exemplo, aquilo que falámos há pouco, a questão da tramitação administrativa, os registos e notariado, a parte dos tribunais. Eu não posso estar à espera cinco anos, sete anos, dez anos por uma decisão de foro comercial. Outra coisa também que é importantíssima é temos de produzir leis, mas também temos de produzir os regulamentos que suportam a lei. Muitas vezes publicamos lei e depois não publicamos o decreto de lei que a efetiva, ou o regulamento, ou a portaria fica a faltar. Há uma forte vontade por parte dos investidores, mas os obstáculos administrativos/jurídicos têm sido obstáculos. A actividade bancária sofre bastante com isso, porque toda a nossa actividade é alvo de registo, a interação com os serviços é enorme, seja ela fiscal, seja ela notarial, seja ela judicial. É importantíssima essa capacidade de respostas. E há uma outra parte importante, os serviços administrativos das câmaras municipais. Também é um ponto que precisa ser melhorado, mas o caminho faz-se caminhando, e é importante discutirmos esta questão sem complexos. Não olhar para encontrar culpados, mas olhar para o problema para encontrar soluções. 

Quais são os principais desafios que podemos antecipar para este ano, em termos económicos, tanto para o país como para as empresas? 

A principal incógnita para Cabo Verde é o impacto económico que os mercados emissores de turismo vão sofrer. Depois, a questão da logística e dos transportes, que tem estado muito na berra. Não vou emitir juízos de valor, mas a própria fluidez da logística interna tem condicionado que outras ilhas possam beneficiar deste filé mignon que é o turismo. É fundamental também a pesca desempenhar um papel importante. Temos uma zona económica exclusiva enorme. Precisamos de que a capacidade de captura nacional seja efetivamente melhorada e o importante é que as atividades que resultem, gerem resultados, gerem consumo, com isto estamos a criar, fazer crescimento económico e estamos a acrescentar valor à economia nacional e, automaticamente, aos cabo-verdianos, melhorando o seu nível de vida.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1156 de 24 de Janeiro de 2024.

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Autoria:Jorge Montezinho,28 jan 2024 8:40

Editado porDulcina Mendes  em  29 jan 2024 7:49

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