“É sempre melhor ter crescimento percentual positivo que negativo, embora convenha sublinhar que são percentagens que incidem sobre valores de base bastante baixos”, diz ao Expresso das Ilhas o economista e académico Jonuel Gonçalves. “Será importante no final do exercício publicar os montantes por extenso dos respectivos PIBs e efeitos no IDH [Índice de Desenvolvimento Humano]”, sublinha.
“Nos meus 50 anos de acompanhamento das questões africanas, tenho assistido a inúmeras declarações tanto dos líderes e instituições africanos, como das instituições não-africanas, cada uma mais eufórica que a outra, a alimentar esperanças, sonhos ou ilusões sobre o imediato renascimento e fortalecimento das economias africanas”, refere por sua vez o economista e consultor internacional Victor Fidalgo. “E foi precisamente nos últimos 20 anos que vimos a África, como um todo, afundar-se mais. O fim do apartheid na África do Sul, bem como o fim da guerra civil em Angola não trouxeram a alavancagem das economias regionais, como se sonhava. Grandes países como a República Democrática do Congo, caíram num marasmo e imobilismo político e económico ou como o Sudão, foram desmembrados ou estão à beira de o ser”, diz.
Segundo os documentos da UNECA e do BAD, o Níger e o Senegal deverão registar um crescimento económico significativo devido ao aumento da produção e das exportações de hidrocarbonetos (carvão, petróleo, gás natural, etc.). O crescimento no Níger será impulsionado também pela retoma da produção agrícola e pelo aumento da produção de petróleo bruto. O crescimento no Senegal será impulsionado pelo aumento de projectos privados e de infra-estruturas. O crescimento na RDC será impulsionado pelo sector extractivo devido à abertura de novos campos petrolíferos, bem como pela agricultura, serviços e mineração. O crescimento do Ruanda será impulsionado pelo consumo privado e pelo investimento, enquanto o crescimento da Costa do Marfim será impulsionado pelo aumento do investimento resultante de reformas de mercado pró-competitivas e de melhorias no ambiente de negócios no Plano de Desenvolvimento Nacional, juntamente com o consumo privado influenciado pela diminuição da inflação.
“Na maior parte dos casos”, explica Jonuel Gonçalves, “persistindo a dominante extractiva e grande parte das infraestruturas voltadas para elas, persiste também a dependência dos preços internacionais tanto à exportação como importação, pois a capacidade interna de primeira necessidade continuará limitada. Seria importante aumentar esta capacidade com fortes programas agro-industriais, até aproveitando infraestruturas que servirão a extração mineira e fazendo transferência de lucros desta para aqueles”.
O imperativo está na inovação tecnológica, alterar este desempenho aumenta a produtividade interna e permite aproveitar da procura no mercado internacional” Jonuel Gonçalves
“África ocupa um lugar muito subalterno na Divisão Internacional do Trabalho, contribuindo com baixo valor acrescentado para a economia mundial”, analisa Victor Fidalgo. “Basta dizer que embora tenha 17,2% da população mundial, a África contribui apenas para 1% do PIB mundial e cerca de 2% das transações comerciais globais. Portanto, os países africanos estão num patamar económico tão baixo que precisariam de manter uma taxa de crescimento próximo de dois dígitos, durante 25-30 anos para poderem melhorar ou equilibrar a posição actual. Falar do crescimento económico do Níger ou Ruanda, como bons sinais para África, é pior que pretender que o Luxemburgo ou Portugal pudessem alavancar a economia europeia. O futuro de países maiores que poderiam inverter a balança está cheio de interrogações. Por exemplo, a República Democrática do Congo vive uma instabilidade na maior parte do seu território, que não se pode esperar muito daí. Angola ainda não encontrou o caminho certo. A própria Nigéria, enquanto não erradicar completamente a ameaça das actividades do grupo terrorista, Boko Haram, não oferece garantias de estabilidade. Ou seja, as 5 maiores economias africanas (Nigéria, África do Sul, Egipto, Argélia e Marrocos) ainda não conseguem alavancar as restantes, daí ser um pouco utópico esperar que a posição da África na correlação de forças a nível mundial venha mudar, nos próximos 15-20 anos”.
O relatório mostra que o continente deverá crescer de 2,8% em 2023 para 3,5% em 2024, atingindo 4,1% em 2025, sustentado principalmente pelas exportações líquidas, consumo privado e investimento fixo bruto.
A economia de Cabo Verde no contexto do continente
Os números do arquipélago são do BAD e projectam um crescimento da economia nacional em 4,5%, ligeiramente abaixo das estimativas do governo e do Banco Central, que apontam para os 4,7% este ano. Entretanto, o FMI no World Economic Outlook publicado, ontem, dia 16 de Abril, estima o crescimento do PIB de Cabo Verde em 4,7% no ano 2024, enquanto a inflação desce de 3,1% em 2023 para 2% em 2024.
Entre os 54 países do continente, 24 vão crescer mais do que Cabo Verde, 10 deles estão na África Ocidental, mas mesmo assim, o arquipélago tem um aumento esperado acima da média da sub-região, que deverá chegar aos 4,0% em 2024.
Dentro dos PALOP, Cabo Verde tem também um crescimento abaixo dos registados anteriormente, onde geralmente apresentava uma subida da economia acima dos demais países. Mas em 2024, Moçambique (5,0%) e Guiné-Bissau (4,9%) apresentam melhores resultados – projectados – com Angola a ficar pelos 2,9%, São Tomé e Príncipe nos 0,9% e a Guiné-Equatorial nos -5,1%.
“Cabo Verde está nesta linha de perspectiva. Ou fica em crescimentos percentuais de não avançar para valer, ou passa à inovação geradora de crescimentos substanciais em números por extenso”, refere Jonuel Gonçalves. “Em Cabo Verde, iniciativas nas áreas da farmacêutica de base, montagem e acabamento em painéis solares, semicondutores, com adequada inserção de inteligência artificial, estão ao alcance se os cálculos de dimensão forem feitos e se as condições financeiras tiverem mais margem. Isto não significa abandonar o turismo. Pelo contrário, um país democrático muito visitado é atractivo para investidores e negociadores oficiais internacionais. Para quem olha o mundo a partir do Atlântico Sul, Cabo Verde pode ser mais visível em iniciativas atualizadas”, conclui o economista.
“Gostaria de corrigir esta tese de que Cabo Verde depende do turismo”, sublinha Victor Fidalgo. “Até final dos anos 80, a nossa economia não dependia de nada, a não ser da ajuda externa, da remessa dos emigrantes e da chuva quando fosse o caso. Tínhamos uma economia totalmente dependente de factores aleatórios e éramos muito pobres, particularmente nas zonas rurais. Foi a partir dos anos 90 que o novo regime, então instalado, na busca de uma alavancagem para a nossa economia ousou e assumiu que o turismo poderia ser esse sector dinamizador da nossa economia”.
A questão da pobreza e desigualdade, na maior parte dos países africanos, ainda não está na ordem do dia” Victor Fidalgo
“Hoje não teríamos os aeroportos internacionais em São Vicente ou Boavista sem o turismo. Não teríamos tantos aviões a aterrar nos nossos 4 aeroportos, sem o turismo. Não teríamos o movimento que temos nos nossos portos, com o nível de importações, nomeadamente para Boavista e Sal, sem o turismo. Não teríamos as receitas do Fundo do Turismo a financiar a requalificação e construção de certas infraestruturas nas várias ilhas. Portanto, a aposta no turismo foi uma das melhores decisões tomadas em toda a história de Cabo Verde, pelos cabo-verdianos, desde a sua existência. Esta visão permitiu-nos passar a acreditar no futuro, sem dependência das chuvas. Que devemos continuar a aperfeiçoar a nossa política de turismo, bem como outros sectores colaterais, a fim de criarmos sinergia entre eles, aumentando o valor acrescentado de todos os sectores e da nossa economia nacional em geral, não tenho dúvidas”, acrescenta o economista e promotor de negócios.
“Podemos afirmar que graças ao turismo, a nossa economia está, progressivamente, a trazer novas actividades que estão dando um novo rosto e um novo impulso à economia cabo-verdiana. Relativamente ao crescimento económico, ainda não conseguimos sair dos sonhos. Todos os governos que se sucederam, em Cabo Verde, depois de 1991, prometeram taxas de crescimento de dois dígitos e reduzir o desemprego a um dígito. Infelizmente, as medidas de política adoptadas não trouxeram os resultados prometidos e há que reconhecer que um crescimento económico ao ritmo actual (4-6%) não satisfaz nem as promessas dos governos, nem as ambições dos cabo-verdianos”, salienta Victor Fidalgo.
Nem tudo o que reluz é ouro
Apesar do tom, no geral, optimista dos relatórios, o crescimento económico africano permanece instável e abaixo do potencial e da taxa necessária para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e das metas da Agenda 2063. São ainda necessárias – como realçou Akinwumi Adesina, presidente do BAD, na apresentação do Outlook – grandes mudanças na política fiscal e monetária, bem como esforços acrescidos para abordar os equilíbrios internos e externos, a inflação e o problema da dívida.
A convergência de taxas de juro globais mais elevadas, spreads de dívida soberana mais amplos e depreciações cambiais aumentaram os custos do serviço da dívida. Em Novembro de 2023, 21 países africanos encontravam-se em alto risco de sobreendividamento ou já se encontravam em situação de sobreendividamento. Os spreads soberanos diminuíram desde o seu pico no início de 2023, mas os custos dos empréstimos deverão permanecer elevados, apesar dos cortes de taxas planeados na Europa e nos Estados Unidos.
“Antes de falarmos de políticas monetárias e fiscais, deveríamos olhar para o funcionamento efectivo do próprio Estado nos países africanos”, reflecte Victor Fidalgo. “Na maior parte dos países africanos, o Estado ou não funciona ou quando funciona, tem muitas distorções e deficiências que canibalizam o potencial do crescimento económico. São normalmente os pequenos países, sem capacidade de influenciação que nos dão uma imagem de bom funcionamento. Mas infelizmente, o somatório destes pequenos países (Cabo Verde, Maurícias, Ruanda ou Seychelles) não define o quadro global africano”, diz.
“Continua válida a avaliação, da hoje moribunda NEPAD (Nova parceria para o desenvolvimento em África), feita no começo do milénio, apontando 7% como média continental mínima para reduzir o atraso”, considera Jonuel Gonçalves. “Também não é novidade que seria importante obter moratórias nos pagamentos da dívida externa para libertar, por dois ou três anos, cerca de 50% das despesas de grande parte dos orçamentos públicos, elevando a capacidade de crédito interno”, afirma.
Tanto o relatório da UNECA como o Outlook do BAD são unânimes nas conclusões: impulsionar o crescimento do continente africano exigirá maiores conjuntos de financiamento e diversas intervenções políticas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1168 de 17 de Abril de 2024.