Economias africanas entre as que mais vão crescer a nível mundial

PorJorge Montezinho,21 abr 2024 8:02

Níger, Senegal, Costa do Marfim, República Democrática do Congo (RDC) e Ruanda vão ser as locomotivas da economia do continente. Dois documentos: um relatório da UNECA e um Outlook do BAD estimam que os países africanos dominem as 10 economias com maior crescimento do mundo em 2024. Economistas ouvidos pelo Expresso das Ilhas recomendam cautela na análise dos dados.

“É sempre melhor ter crescimento percentual positivo que negativo, embora convenha sublinhar que são percentagens que incidem sobre valores de base bastante baixos”, diz ao Expresso das Ilhas o economista e académico Jonuel Gonçalves. “Será importante no final do exercício publicar os montantes por extenso dos respectivos PIBs e efeitos no IDH [Índice de Desenvolvimento Humano]”, sublinha.

“Nos meus 50 anos de acompanhamento das questões africanas, tenho assistido a inúmeras declarações tanto dos líderes e instituições africanos, como das instituições não-africanas, cada uma mais eufórica que a outra, a alimentar esperanças, sonhos ou ilusões sobre o imediato renascimento e fortalecimento das economias africanas”, refere por sua vez o economista e consultor internacional Victor Fidalgo. “E foi precisamente nos últimos 20 anos que vimos a África, como um todo, afundar-se mais. O fim do apartheid na África do Sul, bem como o fim da guerra civil em Angola não trouxeram a alavancagem das economias regionais, como se sonhava. Grandes países como a República Democrática do Congo, caíram num marasmo e imobilismo político e económico ou como o Sudão, foram desmembrados ou estão à beira de o ser”, diz.

Segundo os documentos da UNECA e do BAD, o Níger e o Senegal deverão registar um crescimento económico significativo devido ao aumento da produção e das exportações de hidrocarbonetos (carvão, petróleo, gás natural, etc.). O crescimento no Níger será impulsionado também pela retoma da produção agrícola e pelo aumento da produção de petróleo bruto. O crescimento no Senegal será impulsionado pelo aumento de projectos privados e de infra-estruturas. O crescimento na RDC será impulsionado pelo sector extractivo devido à abertura de novos campos petrolíferos, bem como pela agricultura, serviços e mineração. O crescimento do Ruanda será impulsionado pelo consumo privado e pelo investimento, enquanto o crescimento da Costa do Marfim será impulsionado pelo aumento do investimento resultante de reformas de mercado pró-competitivas e de melhorias no ambiente de negócios no Plano de Desenvolvimento Nacional, juntamente com o consumo privado influenciado pela diminuição da inflação.

“Na maior parte dos casos”, explica Jonuel Gonçalves, “persistindo a dominante extractiva e grande parte das infraestruturas voltadas para elas, persiste também a dependência dos preços internacionais tanto à exportação como importação, pois a capacidade interna de primeira necessidade continuará limitada. Seria importante aumentar esta capacidade com fortes programas agro-industriais, até aproveitando infraestruturas que servirão a extração mineira e fazendo transferência de lucros desta para aqueles”.

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O imperativo está na inovação tecnológica, alterar este desempenho aumenta a produtividade interna e permite aproveitar da procura no mercado internacional” Jonuel Gonçalves

“África ocupa um lugar muito subalterno na Divisão Internacional do Trabalho, contribuindo com baixo valor acrescentado para a economia mundial”, analisa Victor Fidalgo. “Basta dizer que embora tenha 17,2% da população mundial, a África contribui apenas para 1% do PIB mundial e cerca de 2% das transações comerciais globais. Portanto, os países africanos estão num patamar económico tão baixo que precisariam de manter uma taxa de crescimento próximo de dois dígitos, durante 25-30 anos para poderem melhorar ou equilibrar a posição actual. Falar do crescimento económico do Níger ou Ruanda, como bons sinais para África, é pior que pretender que o Luxemburgo ou Portugal pudessem alavancar a economia europeia. O futuro de países maiores que poderiam inverter a balança está cheio de interrogações. Por exemplo, a República Democrática do Congo vive uma instabilidade na maior parte do seu território, que não se pode esperar muito daí. Angola ainda não encontrou o caminho certo. A própria Nigéria, enquanto não erradicar completamente a ameaça das actividades do grupo terrorista, Boko Haram, não oferece garantias de estabilidade. Ou seja, as 5 maiores economias africanas (Nigéria, África do Sul, Egipto, Argélia e Marrocos) ainda não conseguem alavancar as restantes, daí ser um pouco utópico esperar que a posição da África na correlação de forças a nível mundial venha mudar, nos próximos 15-20 anos”.

O relatório mostra que o continente deverá crescer de 2,8% em 2023 para 3,5% em 2024, atingindo 4,1% em 2025, sustentado principalmente pelas exportações líquidas, consumo privado e investimento fixo bruto.

A economia de Cabo Verde no contexto do continente

Os números do arquipélago são do BAD e projectam um crescimento da economia nacional em 4,5%, ligeiramente abaixo das estimativas do governo e do Banco Central, que apontam para os 4,7% este ano. Entretanto, o FMI no World Economic Outlook publicado, ontem, dia 16 de Abril, estima o crescimento do PIB de Cabo Verde em 4,7% no ano 2024, enquanto a inflação desce de 3,1% em 2023 para 2% em 2024.

Entre os 54 países do continente, 24 vão crescer mais do que Cabo Verde, 10 deles estão na África Ocidental, mas mesmo assim, o arquipélago tem um aumento esperado acima da média da sub-região, que deverá chegar aos 4,0% em 2024.

Dentro dos PALOP, Cabo Verde tem também um crescimento abaixo dos registados anteriormente, onde geralmente apresentava uma subida da economia acima dos demais países. Mas em 2024, Moçambique (5,0%) e Guiné-Bissau (4,9%) apresentam melhores resultados – projectados – com Angola a ficar pelos 2,9%, São Tomé e Príncipe nos 0,9% e a Guiné-Equatorial nos -5,1%.

“Cabo Verde está nesta linha de perspectiva. Ou fica em crescimentos percentuais de não avançar para valer, ou passa à inovação geradora de crescimentos substanciais em números por extenso”, refere Jonuel Gonçalves. “Em Cabo Verde, iniciativas nas áreas da farmacêutica de base, montagem e acabamento em painéis solares, semicondutores, com adequada inserção de inteligência artificial, estão ao alcance se os cálculos de dimensão forem feitos e se as condições financeiras tiverem mais margem. Isto não significa abandonar o turismo. Pelo contrário, um país democrático muito visitado é atractivo para investidores e negociadores oficiais internacionais. Para quem olha o mundo a partir do Atlântico Sul, Cabo Verde pode ser mais visível em iniciativas atualizadas”, conclui o economista.

“Gostaria de corrigir esta tese de que Cabo Verde depende do turismo”, sublinha Victor Fidalgo. “Até final dos anos 80, a nossa economia não dependia de nada, a não ser da ajuda externa, da remessa dos emigrantes e da chuva quando fosse o caso. Tínhamos uma economia totalmente dependente de factores aleatórios e éramos muito pobres, particularmente nas zonas rurais. Foi a partir dos anos 90 que o novo regime, então instalado, na busca de uma alavancagem para a nossa economia ousou e assumiu que o turismo poderia ser esse sector dinamizador da nossa economia”.

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A questão da pobreza e desigualdade, na maior parte dos países africanos, ainda não está na ordem do dia” Victor Fidalgo

“Hoje não teríamos os aeroportos internacionais em São Vicente ou Boavista sem o turismo. Não teríamos tantos aviões a aterrar nos nossos 4 aeroportos, sem o turismo. Não teríamos o movimento que temos nos nossos portos, com o nível de importações, nomeadamente para Boavista e Sal, sem o turismo. Não teríamos as receitas do Fundo do Turismo a financiar a requalificação e construção de certas infraestruturas nas várias ilhas. Portanto, a aposta no turismo foi uma das melhores decisões tomadas em toda a história de Cabo Verde, pelos cabo-verdianos, desde a sua existência. Esta visão permitiu-nos passar a acreditar no futuro, sem dependência das chuvas. Que devemos continuar a aperfeiçoar a nossa política de turismo, bem como outros sectores colaterais, a fim de criarmos sinergia entre eles, aumentando o valor acrescentado de todos os sectores e da nossa economia nacional em geral, não tenho dúvidas”, acrescenta o economista e promotor de negócios.

“Podemos afirmar que graças ao turismo, a nossa economia está, progressivamente, a trazer novas actividades que estão dando um novo rosto e um novo impulso à economia cabo-verdiana. Relativamente ao crescimento económico, ainda não conseguimos sair dos sonhos. Todos os governos que se sucederam, em Cabo Verde, depois de 1991, prometeram taxas de crescimento de dois dígitos e reduzir o desemprego a um dígito. Infelizmente, as medidas de política adoptadas não trouxeram os resultados prometidos e há que reconhecer que um crescimento económico ao ritmo actual (4-6%) não satisfaz nem as promessas dos governos, nem as ambições dos cabo-verdianos”, salienta Victor Fidalgo.

Nem tudo o que reluz é ouro

Apesar do tom, no geral, optimista dos relatórios, o crescimento económico africano permanece instável e abaixo do potencial e da taxa necessária para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e das metas da Agenda 2063. São ainda necessárias – como realçou Akinwumi Adesina, presidente do BAD, na apresentação do Outlook – grandes mudanças na política fiscal e monetária, bem como esforços acrescidos para abordar os equilíbrios internos e externos, a inflação e o problema da dívida.

A convergência de taxas de juro globais mais elevadas, spreads de dívida soberana mais amplos e depreciações cambiais aumentaram os custos do serviço da dívida. Em Novembro de 2023, 21 países africanos encontravam-se em alto risco de sobreendividamento ou já se encontravam em situação de sobreendividamento. Os spreads soberanos diminuíram desde o seu pico no início de 2023, mas os custos dos empréstimos deverão permanecer elevados, apesar dos cortes de taxas planeados na Europa e nos Estados Unidos.

“Antes de falarmos de políticas monetárias e fiscais, deveríamos olhar para o funcionamento efectivo do próprio Estado nos países africanos”, reflecte Victor Fidalgo. “Na maior parte dos países africanos, o Estado ou não funciona ou quando funciona, tem muitas distorções e deficiências que canibalizam o potencial do crescimento económico. São normalmente os pequenos países, sem capacidade de influenciação que nos dão uma imagem de bom funcionamento. Mas infelizmente, o somatório destes pequenos países (Cabo Verde, Maurícias, Ruanda ou Seychelles) não define o quadro global africano”, diz.

“Continua válida a avaliação, da hoje moribunda NEPAD (Nova parceria para o desenvolvimento em África), feita no começo do milénio, apontando 7% como média continental mínima para reduzir o atraso”, considera Jonuel Gonçalves. “Também não é novidade que seria importante obter moratórias nos pagamentos da dívida externa para libertar, por dois ou três anos, cerca de 50% das despesas de grande parte dos orçamentos públicos, elevando a capacidade de crédito interno”, afirma.

Tanto o relatório da UNECA como o Outlook do BAD são unânimes nas conclusões: impulsionar o crescimento do continente africano exigirá maiores conjuntos de financiamento e diversas intervenções políticas. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1168 de 17 de Abril de 2024.

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Autoria:Jorge Montezinho,21 abr 2024 8:02

Editado pormaria Fortes  em  22 abr 2024 10:39

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