Falta de isco preocupa pescadores de todo o país

PorSheilla Ribeiro,12 mai 2024 8:55

A escassez de iscos está se tornando uma preocupação crescente entre os pescadores de todo o país, incluindo Porto Mosquito, Boa Vista, Porto Novo, São Filipe e Maio. Além disso, a ausência de infraestruturas básicas como câmaras frias, máquinas de gelo e motores para as embarcações, limita ainda mais a capacidade dos pescadores de manter a qualidade e a frescura dos produtos capturados.

Em Porto Mosquito, o presidente da Associação de Armadores, Pescadores e Peixeiras daquela localidade, Agnelo de Oliveira, afirma que a falta de isco está a afectar directamente a actividade dos pescadores da região.

Conforme justifica, a falta de isco tem levado os pescadores a ficarem em casa, afectando não apenas a actividade pesqueira, mas também o comércio local. “Quando não há isco todos os pescadores ficam em casa, e em casa nada avança. O comércio pára, porque a vida no Porto Mosquito é a pesca”, sublinha.

Mesmo sem isco, os pescadores vão ao mar todos os dias para tentar apanhar mesmo que seja um único peixe.

“Se vendermos um peixe por 500 ou mil escudos ficamos satisfeitos, mas não dá para ganhar 10, 12 ou 13 mil escudos: há muito tempo que isso não acontece”, afirma o presidente.

Como custos de operação, Agnelo de Oliveira aponta a gasolina, o aluguer de arcas para conservas, entre outros, que constituem um conjunto de desafios que os mais de 100 pescadores de Porto Mosquito enfrentam diariamente.

Entre essas dificuldades está a falta de motores e botes para os jovens que desejam ingressar na actividade pesqueira.

“Estamos a procurar parcerias para ver se conseguimos financiamento para esses jovens que não têm como procurar um pão no alto mar”, diz.

Um outro desafio apontado por Oliveira, tem a ver com a influência dos barcos semi-industriais na captura de peixes e as condições climáticas que, nos últimos tempos, não têm sido favoráveis.

Achada Grande Frente, Praia

Alberto Tavares, presidente da Associação Família do Mar da Achada Grande Frente e Trás, reitera dificuldades enfrentadas devido à falta de iscos.

“Nesse momento, a situação dos pescadores e peixeiras é um pouco ingrata. Há pouco peixe e temos que nos desenrascar com o pouco que temos. Estamos mal de peixes pequenos usados como iscos. Temos que correr atrás, levando redes pequenas em busca de iscos vivos”, narra.

Também menciona que nas capturas recentes têm sido mais salmão e outras espécies que antes não eram tanto consumidas devido à escassez de atum. No entanto, a presença invasiva de tubarões tem sido um problema adicional, prejudicando ainda mais as capturas.

“Temos invasão de tubarões, o que nos incomoda, pois acabam por capturar o pouco peixe que temos”, profere.

Devido a esta escassez, Tavares revela que o preço do atum actualmente está entre 500 e 600 escudos o quilo. O presidente da Família do Mar prevê que, quando houver mais peixe disponível, os preços possam cair para 400 ou até mesmo 300 escudos por quilo.

Tavares destaca ainda os desafios logísticos, como a falta de materiais adequados, como arcas para conservação do pescado. Apesar das dificuldades, realça que os pescadores continuam a enfrentar o mar diariamente, excepto em dias de maré-alta, e estão cientes dos riscos, como o perigo das baleias, que ocasionalmente representam ameaças directas aos pescadores e às suas embarcações.

“São situações que ocorrem por vezes, como o recente incidente em que uma baleia afundou o bote de um dos nossos pescadores, resultando na perda de todo o seu equipamento. Felizmente, colegas próximos conseguiram resgatar os pescadores”, conclui.

Boa Vista

“Tudo que pescamos na Boa Vista, conseguimos vender, mas, às vezes, num preço abaixo do mercado. Mas, também não temos tido muito peixe, ocasionalmente aparece o atum. Mas o peixe em geral não é muito, talvez devido às alterações climáticas. Às vezes não compensa estar três ou quatro dias no mar porque não há captura suficiente”, conta Olavo Tavares Freire, representante da Associação dos Pescadores e Peixeiras da Boa Vista.

Conforme o pescador, os maiores desafios actualmente é a falta de iscos que acaba por influenciar o preço aplicado. Por exemplo, aponta que o atum é vendido a 500 escudos por quilo.

Embora muitas pessoas reclamem dos valores, Olavo Freire ressalta que o custo elevado está relacionado aos riscos e custos operacionais enfrentados pelos pescadores.

“Sem contar que a gasolina não é barata. Não é um litro nem dois, nem três, se não conseguirmos vender o suficiente para cobrir todos os gastos, ficamos sempre com despesas às costas e quando é assim a próxima ida ao mar é ainda mais dura”, justifica.

Olavo Tavares Freire refere que os outros barcos, semi-industriais, vindos de outras ilhas, capturam peixes de alto mar, essenciais como iscos, prejudicando os pescadores locais que dependem desses peixes pequenos para as suas actividades.

“O pescador que pesca a anzol não consegue quase nada, é difícil”, lamenta.

Entretanto, a falta de isco não é a única queixa dos pescadores da Boa Vista. Conforme o representante da Associação, a ilha carece de melhorias nas infraestruturas de pesca local, incluindo a aquisição de uma máquina de gelo e uma câmara de frio adequada.

“Sem como conservar, temos de vender o peixe a um preço muito baixo para não sairmos a perder. Apelo a quem de direito que chegue a Boa Vista e veja realmente a situação da ilha”, apela.

Porto Novo

Por sua vez, o presidente da Associação dos Pescadores e Peixeiras de Porto Novo, Atlemiro Neves, admite que, embora o sector da pesca artesanal tenha registado avanços em termos de requalificação das embarcações e melhorias nos equipamentos, há uma redução no pescado disponível.

Para lidar com a escassez de peixes menores, essenciais como isco, a Associação está a colaborar com parceiros, como a Associação dos Amigos da Natureza, para implementar o projecto Terra Azul.

Este projecto, segundo Atlemiro Neves, inclui a criação de um Centro de Transformação de Pescado direccionado às cantinas escolares, buscando uma solução integrada que envolva não apenas a pesca, mas também o turismo e a formalização dos trabalhadores do sector na Previdência Social.

Actualmente, a Associação dos Pescadores e Peixeiras de Porto Novo conta com mais de 200 pescadores e mais de 350 famílias que dependem directamente da actividade pesqueira no município.

Quanto aos tipos de peixe mais vendidos, Neves menciona o chicharro e o atum na pesca semi-industrial, enquanto na pesca artesanal a diversidade é maior, com o atum, esmoregal, garoupa e outros peixes.

Sobre os preços, Neves indica que o atum tem variado entre 400 e 500 escudos, embora haja a preferência por produtos de qualidade entre quem pode pagar mais. A demanda por peixe, em geral, permanece alta na região.

Apesar dos desafios, Atlemiro Neves salienta avanços no sector das pescas em Porto Novo, frisando, por outro lado, a necessidade da disponibilidade de um porto de pesca para impulsionar ainda mais o desenvolvimento da actividade na região.

São Filipe, Fogo

Em São Filipe, Fogo, a falta de iscos e a consequente redução na captura de peixes como serra e atum também preocupa os pescadores locais.

“Actualmente, há pouco peixe, como, por exemplo, serra e atum. Pode vir a aumentar, mas há muita exploração do mar também”, aponta Jorge de Pina, presidente da Associação dos Pescadores de São Filipe.

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O pescador salienta a alta demanda durante a época festiva por peixes como atum, serra, garoupa e frutos-do-mar, enquanto o preço do atum chega a alcançar 700 escudos por quilo, levando a reclamações por parte dos consumidores.

“Mas, pela fraca captura, é preciso aumentar o preço para compensar. Mas, se houver melhor captura, o preço do pescado diminui”, garante.

No momento, o peixe mais barato, em São Filipe, é o chicharro, vendido por cerca de 350 escudos o quilo. No entanto, a falta de iscos é um problema crescente.

“Antes os pescadores pescavam com cavala e chicharro, mas hoje pescam com ruivo”, observa. Além disso, as condições de armazenamento do pescado são precárias, especialmente quando há boa captura, mas faltam infraestruturas como uma câmara de armazenamento, conforme afirma.

Jorge de Pina diz que as reclamações dos pescadores vão além da falta de iscos e incluem as condições no porto de base, com pouca segurança e espaço insuficiente para guardar os equipamentos de pesca.

“Os pescadores têm guardado os equipamentos em caixas de madeira feitas por eles mesmos”, relata. No entanto, o presidente da Associação dos Pescadores de São Filipe reconhece avanços, como o benefício da fibragem para algumas embarcações, embora gostaria que mais embarcações fossem contempladas.

Maio

À semelhança das outras associações, a Associação dos Pescadores da Ilha do Maio, representada pelo seu presidente Vitoriano dos Reis, mostra-se preocupada com a actual escassez de iscos na região.

“Neste momento tem aparecido atum, mas em pouca quantidade. Em primeiro lugar devido à falta de isco”, afirma o presidente dos Pescadores do Maio.

Conforme explica, a captura utilizando pequenos barcos semi-industriais tem levado à quase inexistência de espécies como a cavala.

Nesse sentido, avança que a falta de isco tem levado os pescadores a lançarem as suas redes na praia, onde ocasionalmente conseguem capturar alguns iscos misturados, como cavala branca, arga de areia, polombeta e outras, uma estratégia para contornar a escassez.

No entanto, essa situação gera incertezas quanto à disponibilidade de determinadas espécies para a pesca.

“A maior dificuldade dos nossos pescadores é a falta de isco. E isso leva à subida dos preços do peixe”, sustenta.

Vitoriano dos Reis diz que o atum, quando disponível, é vendido actualmente entre 350 e 400 escudos por quilo.

A situação “agrava-se” com a actividade dos barcos semi-industriais, que competem pela captura de iscos e afectam a pesca artesanal.

“Não temos onde reclamar porque Cabo Verde tem muita lei, o difícil é que a lei seja cumprida”, lastima.

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Cabo Verde contava no final de 2021 com 3.125 pescadores artesanais e 1.881 vendedores de peixe, além de 1.434 barcos artesanais a motor e 127 embarcações de pesca industriais e semi-industriais, segundo dados de um recenseamento apresentado em 2022.

De acordo com os dados do V Recenseamento Geral das Pescas, que decorreu de 22 de Novembro a 07 de Dezembro de 2021, Cabo Verde contava também com 1.403 armadores de pesca, 36 embarcações de pesca desportiva e 151 infraestruturas de apoio.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1171 de 8 de Maio de 2024.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,12 mai 2024 8:55

Editado porClaudia Sofia Mota  em  20 nov 2024 23:25

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