Guias turísticos clamam por melhoria e regulamentação do sector

PorSheilla Ribeiro,16 jun 2024 8:19

Apesar do crescimento significativo do turismo em Cabo Verde, os guias turísticos enfrentam diversos desafios que comprometem a qualidade dos serviços prestados. Além de clamarem por mais apoio e reconhecimento, denunciam a concorrência desleal de indivíduos sem carteira profissional que cobram preços mais baixos, prejudicando os profissionais regulamentados e a sustentabilidade do sector.

Manecas Verrati, ganhava a vida como lavador de botes e depois passou a ser guia turístico devido à necessidade de interagir com turistas no Tarrafal de Santiago e pela busca por conhecimento em línguas estrangeiras, como inglês e francês.

“Eu era lavador de botes, estava sempre à beira-mar e tinha sempre conchas e búzios que os pescadores traziam. Eu tinha necessidade de fazer algum dinheiro extra e havia muitos turistas no Tarrafal. Foi então que pensei em vender as conchas em forma de souvenirs aos turistas e daí senti a necessidade de conhecer línguas estrangeiras”, narra.

O guia turístico acredita que para ser um bom guia é importante adquirir habilidades linguísticas e conhecimentos específicos para guiar efectivamente os turistas.

Entretanto, Manecas acredita que para além da língua, é importante ter formação para se ser guia turístico.

“Acho que seria ideal se todos que exercem esta profissão fizessem formação na área. Porque actualmente não adianta ser apenas bom em língua francesa ou inglesa para ser um guia. É preciso adquirir outros conhecimentos, conhecer e saber a ética da profissão», aponta.

Segundo Verrati, há muitas pessoas que trabalham como guia turístico, mesmo sem formação, por saberem falar uma língua estrangeira e terem algum conhecimento sobre determinados sítios.

Neste sentido, diz que é necessária uma maior fiscalização desse trabalho e maior reconhecimento oficial dos guias qualificados.

“Eu comecei a exercer o trabalho de guia só depois da formação, antes não. Sei que há pessoas que exercem a profissão mesmo sem formação, infelizmente. São pessoas com alguma habilidade e conhecimento, não só linguístico, e que o desemprego os leva a fazer isso e até o fazem com seriedade”, comenta.

Relativamente ao desenvolvimento da profissão de guia turístico, Verrati ressalta a necessidade de mais apoio e oportunidades para os profissionais do sector, especialmente em termos de políticas e recursos para investimento na área.

“Somos nós mesmos que temos de criar oportunidades para desenvolver a nossa profissão. Porque políticas neste sector são poucas. Apesar de tanto falar de turistas que entram no país, nada de concreto para a nossa profissão foi feito”.

“Não é uma questão de transporte ou a abundância de turistas que reflecte no nosso trabalho, queremos que seja feito um trabalho concreto direccionado para nós, os guias, para termos mais facilidade no trabalho”, apela.

Desafios dos Guias na Boa Vista

Anita Ahuber, natural da Suíça, chegou à ilha da Boa Vista, em 2014, de férias e acabou por construir uma carreira no turismo local.

“Quando cheguei, comecei a trabalhar num restaurante e depois comecei a fazer excursões no mar. Conheci o meu ex-marido que fazia excursões em moto 4X4 e assim decidimos criar a nossa empresa de guia, porque os turistas que visitavam a ilha quando regressavam pediam para fazer uma volta pela praia de Santa Mónica e outros lugares,” relata.

Apesar de ter uma empresa na área e exercer essa profissão, Anita Ahuber não tem uma formação na área, afirmando que enfrentou dificuldades para obter certificação devido a compromissos de trabalho e circunstâncias pessoais.

“O meu ex-marido é um guia com formação. Fez a primeira formação em 2016 e depois durante a pandemia da COVID-19 foi lançada outra formação de guia na Boa Vista que ele também fez. Todas as formações são de nível cinco. Eu não fiz a formação, em 2016, devido ao horário do meu trabalho e em 2021 eu estava grávida e não consegui fazer. E agora estou a procurar uma formação e estamos à espera que apareça alguma na Boa Vista para mim e para os meus funcionários”, afirma.

A falta de formação adequada não impede Anita e a sua equipa de trabalhar “eficientemente”, graças à experiência acumulada, conforme alega.

“Mesmo sem formação, nós conseguimos trabalhar porque o meu ex-marido tem a formação o que permitiu abrir a empresa. Além disso, todos nós temos mais de cinco anos de experiência. Além de mim, temos três guias, um cabo-verdiano, um da Jamaica e um da Áustria e estamos todos à espera que apareça uma formação na ilha”, diz.

Conforme argumenta, os guias da empresa conseguem contar histórias de Cabo Verde e da ilha por lerem muito e terem feito um estudo prévio. Além disso, garante, aprendeu muito com o testemunho dos locais.

Mesmo com empresa, Ahuber aponta para os desafios logísticos enfrentados, como a obtenção de licença para veículos de excursão e a disponibilidade limitada de carros na ilha.

“Nesse momento, um dos desafios que temos é a licença de mais lugares para o nosso carro e, às vezes, é difícil encontrar um carro disponível na ilha porque todas as carrinhas de caixa aberta estão quase sempre ocupadas”, acrescenta.

Outro desafio, segundo Anita Ahuber, é a competição desleal de indivíduos sem licença que actuam como guias na ilha.

“Não há tantas condições de trabalho para os guias. Os turistas, muitas vezes, vêm no pacote all inclusive e isso tira-nos muitos clientes, sem contar com as pessoas que fazem este trabalho sem licença e que cobram muito mais barato. Tudo isso faz com que os turistas tenham algum receio em contratar os serviços de guia de uma empresa”, lamenta.

A valorização insuficiente da profissão é uma questão que Anita acredita ser necessário abordar para ultrapassar os desafios que enfrentam no dia-a-dia.

O que diz o ITCV?

Segundo Francisco Martins, administrador do Instituto do Turismo de Cabo Verde (ITCV), os requisitos e procedimentos necessários para que um guia turístico opere legalmente no país incluem a obtenção de um Certificado de Formação de Qualificação Profissional Nível 5. Este certificado é oferecido em parceria com instituições como o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e a Escola de Hotelaria e Turismo(EHTCV).

No que concerne à fiscalização da profissão, Martins esclarece que a fiscalização das actividades turísticas obedece a um Plano Anual que varia de ilha para ilha, conforme a densidade da actividade turística, em parceria com a Inspeção Geral das Atividades Económicas (IGAE) e a Entidade Reguladora Independente da Saúde.

“O ITCV, dentro das competências aprovadas pelo Decreto-Lei nº 37/2019, prevê a regulamentação por meio de uma oferta de formação regular ou reciclagem dos guias, complementada pelo acompanhamento das actividades turísticas em todos os municípios de Cabo Verde”, argumenta.

Para garantir que apenas guias de turismo qualificados estejam activos no mercado, o ITCV emite carteiras profissionais para os guias e reforça a fiscalização.

“O Governo aprovou recentemente uma nova orgânica da IGAE que vai reforçar os níveis e frequências das acções de fiscalização”, refere.

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O ITCV recomenda aos turistas solicitar sempre o serviço de guia via o estabelecimento onde está hospedado ou solicitar ao guia que exiba a sua carteira devidamente válida e com a fotografia correspondente.

“Encontra-se em desenvolvimento a plataforma Guiatur, projecto vencedor no concurso Hackathon Reinventa Turismo, lançado pelo Ministério de Turismo e Transportes em parceria com a Cabo Verde Digital e o PNUD. Reinventa Turismo traduz-se num programa de Inovação e desenvolvimento de soluções tecnológicas no sector de Turismo em Cabo Verde com a participação da Diáspora, com o objectivo de solucionar algumas necessidades do sector, nomeadamente a regulamentação dos Guias de Turismo”, declara.

Para fortalecer ainda mais a fiscalização e garantir um ambiente de trabalho justo para os guias de turismo credenciados, o ITCV planeia, em parceria com a IGAE, reforçar a fiscalização de toda a actividade turística, com foco especial nos profissionais do turismo, incluindo os guias.

“Vamos intensificar a verificação das credenciais e carteiras profissionais dos guias de turismo”, assegura.

DGE explica

Ao Expresso das Ilhas, a Direcção Geral do Emprego (DGE), através do Serviço de Emprego e Estágios Profissionais (SEEP), explicou os procedimentos e requisitos para a obtenção da Carteira Profissional necessária para o exercício da profissão de Guias de Turismo em Cabo Verde, conforme estabelecido pela Lei n.º 107/IX/2020 de 14 de Dezembro.

Iris Rodrigues, directora do SEEP, enfatizou que a obtenção da Carteira Profissional é essencial e pode ser realizada através do Portal carteiraprofissional.gov.cv ou nos balcões dos Centros de Emprego e Formação Profissional (CEFP), Casa do Cidadão, Balcão Único das Câmaras Municipais e Câmara de Turismo de Cabo Verde.

As taxas associadas são de 1.500 escudos para emissão da Carteira Profissional, 1.000 escudos para renovação e 500 escudos para averbamentos.

Rodrigues também explica que os requisitos específicos para os Guias de Turismo incluem o certificado do curso de formação profissional inicial na qualificação profissional de Guias de Turistas de Nível 5, certificado de Licenciatura ou equivalência profissional para formações realizadas no estrangeiro.

“Caso o requerente tenha 25 anos ou mais, e uma experiência mínima de 5 anos a exercer a profissão de Guia de Turismo, poderá submeter-se ao Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências Profissionais (RVCC). Ao ser aprovado neste processo, o requerente obterá o seu certificado de RVCC Profissional e poderá solicitar a sua Carteira Profissional”, esclarece.

Iris Rodrigues ressalta ainda que a licença para exercer a profissão de Guia de Turismo é da responsabilidade do ITCV, não da DGE.

“Entretanto, o Decreto-lei que instituiu as Carteiras Profissionais prevê coimas aos Guias caso os mesmos estejam no exercício da profissão sem as carteiras. As coimas poderão ser consultadas no Decreto-lei acima mencionado”, diz.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1176 de 12 de Junho de 2024.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,16 jun 2024 8:19

Editado pormaria Fortes  em  20 nov 2024 23:25

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