“Cabo Verde é muito importante na exploração dos oceanos”, diz ao Expresso das Ilhas Paulo Veiga, presidente da Fundação Carlos Albertino Veiga e antigo ministro do mar. “Porque temos uma biodiversidade enorme e grande parte desconhecida. Além disso, temos também fenómenos, como por exemplo somos onde a areia do deserto do Sahara vai parar, a bruma seca, que reclamamos muito, mas é uma reposição de nutrientes para o oceano. Temos também muitos vulcões submarinos, temos zonas mortas na nossa região e na nossa zona económica que é preciso estudar. E depois, por sermos SIDS [pequeno estado insular, na sigla em inglês], somos um país pequeno em termos de terra, mas grande a nível dos oceanos”.
Organizado em Lisboa, destino escolhido pela ONG cabo-verdiana por ser economicamente mais favorável – a maior parte dos convidados vieram da Europa e dos Estados Unidos – esta primeira edição teve como temas a preservação oceânica, o impacto das alterações climáticas na biodiversidade, o direito do mar, economia azul, o turismo sustentável e encerra com uma discussão sobre a relação estratégica entre Cabo Verde e Portugal no desenvolvimento de plataformas atlânticas.
“Como sabemos, nos oceanos não há nenhum país, nem mesmo os Estados Unidos ou a China, para falar de países grandes e com disponibilidade financeira, que conseguem estudá-los sozinhos”, explica Paulo Veiga.
“Isto tem que ser um trabalho, como dizemos em crioulo, um djunta mon. E o exemplo de Portugal e Cabo Verde é excelente. Portugal e Cabo Verde têm uma ligação histórica e essa colaboração deve existir sempre. Nós, com a Marinha Portuguesa, por exemplo, fazemos a proteção das águas da Zona Económica, mas também nos ajudam com o mapeamento costeiro que temos de Cabo Verde. E, portanto, eu acho que é essa a mensagem que queremos mandar para o mundo”, sublinha o antigo ministro.
“Sendo esta organização feita por uma ONG cabo-verdiana, também serve para mostrar que é possível e que todos nós podemos ter iniciativas e fazer a diferença. Claro, sozinhos não conseguimos fazer, mas lancei o desafio à Marinha Portuguesa, aos americanos e eles aceitaram que nós organizássemos esse evento internacional, num país terceiro, e iremos com certeza continuar a trabalhar nisso, para fazer esse evento em 2025 em Cabo Verde e continuar a mostrar que isto é possível”, refere o presidente da Fundação Carlos Albertino Veiga.
O início da aventura
Entre os convidados de destaque esteve o célebre aquanauta Fabien Cousteau, neto do lendário oceanógrafo Jacques Cousteau e fundador do Proteus Ocean Group, para partilhar a sua visão sobre o papel crucial dos oceanos para a sustentabilidade planetária.
Como a exploração espacial representou uma jornada transformadora para a humanidade, o Ocean Summit, diz a organização, marca o início de uma nova era de exploração dos oceanos, um território que permanece amplamente desconhecido. Mais de 80% dos oceanos ainda não foram mapeados ou explorados, e este evento posiciona-se como o ponto de partida para revelar esses segredos submersos, criando uma ligação entre a exploração marinha e a espacial.
“Imagina as tecnologias que podemos desenvolver mesmo para a exploração do espaço?”, questiona Paulo Veiga, “até porque o mar é um habitat muito difícil, como é o espaço, no fundo”.
Lisboa foi o ponto de partida desta nova era. Ao acolher o Ocean Summit 2024, a capital portuguesa posiciona-se no centro da inovação e colaboração internacional, num esforço conjunto para proteger e explorar os oceanos de forma sustentável. Este evento marcou o início de uma jornada que, espera-se, permitirá à humanidade desvendar detalhes inéditos sobre a vastidão e a biodiversidade marinha, ao mesmo tempo que fomenta a cooperação entre cientistas, entidades institucionais e representantes do sector privado.
“O nosso objectivo é também envolver os empresários nesta questão”, explica Paulo Veiga. “A Proteus Ocean Group, é um grupo que procura o lucro – não é uma organização não governamental – e que vai apresentar um projecto de construir habitats no fundo do mar, para a pesquisa e para a recolha de dados. Já dizia o avô do Fabien Cousteau, o Jacques Cousteau, para se conhecer os peixes, temos que viver como os peixes”. [Jacques-Yves Cousteau (Saint-André-de-Cubzac, 11 de Junho de 1910 – Paris, 25 de Junho de 1997) foi um oficial da marinha francesa, documentarista, cineasta, oceanógrafo e inventor mundialmente conhecido pelas viagens de pesquisa, a bordo do navio Calypso. Cousteau foi um dos inventores, juntamente com Émile Gagnan, do Aqualung, o equipamento de mergulho autónomo que substituiu os pesados escafandros, e também participou como piloto de testes da criação de aparelhos de ultrassom para levantamentos geológicos do relevo submarino e de equipamentos fotocinematográficos para trabalhos em grandes profundidades. Cousteau conquistou a Palma de Ouro de 1956, com o filme O mundo silencioso, rodado no Mar Mediterrâneo e no Mar Vermelho. No total, realizou quatro longas-metragens e setenta documentários para a televisão].
A economia azul
Durante dois dias, o Ocean Summit debateu os desafios globais relacionados com os oceanos, como as alterações climáticas, a preservação da biodiversidade marinha, a economia azul, o turismo sustentável e a governança estratégica dos recursos oceânicos.
“Nós falamos muito da economia azul, mas fazemos os eventos de economia azul entre os membros do governo, os cientistas, os investigadores e precisamos de investidores privados, também eles precisam de perceber e entender o que é a economia azul”, refere Paulo Veiga.
Antigo ministro do mar, o político cabo-verdiano considera que no arquipélago, mas também a nível global, é chegada a hora de acelerar os processos referentes à economia azul.
“Acho que o mundo precisa movimentar-se muito mais depressa, mas aqui tem a ver com o desconhecimento”, explica. “A economia azul é muito falada na teoria e pouco na prática. É preciso explicar como é que podemos fazer o negócio sustentável e contribuir para a melhoria das comunidades. Portanto, é essa parte que eu acho que ainda em Cabo Verde não conseguimos atrair o sector privado”.
“E esse é o desafio que estamos a lançar via a fundação, criar fóruns e sensibilizar para este aspecto. Outra coisa que queremos fazer – que achamos que é extremamente importante – é colocar na educação em Cabo Verde, desde a tenra idade, a literacia e o conhecimento do oceano, porque isso permite já ter uma nova geração voltada para o mar”, refere.
“Não podemos acreditar que isto acontece com um estalar de dedos ou com mudanças de políticas ou leis. Terá de ser com uma alteração de mentalidade. O mundo em si está de costas voltadas para o mar. Utiliza o mar para navegação, utiliza o mar para alimentação, mas na maioria o mar serve de caixote de lixo. Hoje em dia estamos a tomar a consciência que tudo isto tem prejudicado a nossa qualidade de vida. Temos 3 biliões de pessoas que dependem directamente das zonas costeiras e do mar, portanto é preciso mudar de atitude e ver esta questão de uma forma diferente e holística”, reforça Paulo Veiga.
A importância do conhecimento
Mais do que nunca, como explicam os especialistas, as comunidades costeiras terão de ter uma voz activa nas decisões sobre a gestão dos oceanos, e o antigo ministro do mar concordou com esta conclusão porque de outra forma não haverá mudanças.
Outra questão fundamental tem a ver com a consciencialização pública sobre os problemas que os oceanos enfrentam e as potencialidades que guardam.
“Quanto mais sensibilizarmos, quanto mais conhecimento tivermos, mais procuraremos as soluções para estas mudanças climáticas e todo o efeito que estão a ter. As alterações que enfrentamos, e basta ver que estamos no final de Outubro e em Portugal ainda andamos de t-shirt, é algo que ainda nem os cientistas compreendem com profundidade”, refere Paulo Veiga. “Temos um planeta que é 71% formado por oceanos e conhecemos entre 5% a 7% da nossa parte aquática. Ou seja, conhecemos melhor o espaço do que o nosso próprio planeta. Como alguém disse, o oceano pode ser considerado o sangue que circula no corpo do planeta. Se não entendermos como funciona, podemos estar a pôr em risco a própria humanidade sem saber. Portanto, o conhecimento é muito importante”.
Segue-se a Ocean Week, em Cabo Verde – em São Vicente – no início de Novembro.
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A Fundação Carlos Albertino Veiga, instituída em 2000 em Cabo Verde, incorpora a filosofia do seu fundador, assente na premissa de que todos devem contribuir para o bem comum. Com um enfoque nas comunidades mais desfavorecidas do arquipélago, a fundação investe no desenvolvimento humano, assegurando que nenhum indivíduo seja excluído do processo de progresso. Alinhada com o ideal de fomentar um crescimento sustentável para Cabo Verde, a sua acção está intimamente vinculada ao oceano, que representa 99% do território nacional. Este vínculo com o mar define a visão estratégica da fundação, orientando as suas iniciativas futuras em consonância com as oportunidades e desafios que o oceano impõe ao país.
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O Proteus Ocean Group (POG) é uma empresa social do sector privado que está a desenvolver o PROTEUS™, um habitat subaquático modular e sustentável de última geração. Concebida como uma “Estação Espacial Internacional do Mar”, o PROTEUS™ será uma plataforma colaborativa para cientistas, académicos, agências governamentais e empresas, com o objectivo de impulsionar a ciência oceânica. A plataforma permitirá avanços significativos em soluções climáticas, energias renováveis, novos medicamentos e fontes de alimentos sustentáveis. o Proteus Ocean Group quer investir em Portugal e em Cabo Verde.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1196 de 30 de Outubro de 2024.