Depois da publicação sobre oportunidades de negócio em Cabo Verde, porquê agora esta análise ao sistema bancário?
Por duas razões. Primeiro, porque está enquadrado na nossa política de responsabilidade social. Entendemos que temos o dever de produzir e disseminar conhecimento útil para a sociedade. A segunda razão é que nós já temos um projeto em stand-by, uma análise comparativa das empresas em Cabo Verde, mas como ainda temos dificuldades no acesso às contas das empresas, focalizamos esta edição no sector bancário, que por obrigações legais tem contas publicadas e acessíveis.
Qual é o público-alvo e o objetivo desta publicação?
O público-alvo são os próprios cabo-verdianos, os clientes dos bancos, mas também os influenciadores de decisões de política, os gestores, os executivos. O que se espera é um conhecimento mais detalhado do sector bancário nacional para ajudar as pessoas a perceberem quem é quem, quem faz o quê, quem contribui com o quê no sector. No fundo, para ajudar as pessoas a terem uma ideia muito mais clara e detalhada sobre a banca nacional.
Houve algum dado que surpreendesse particularmente?
Dois em particular, embora já tínhamos essa sensibilidade, mas dois dados chamaram a nossa atenção. O primeiro é o crescimento dos resultados líquidos dos bancos cabo-verdianos, de todos os bancos, nos últimos anos, e isso é um aspecto que salta à vista na análise dos dados. Um segundo dado é, embora o BCA e a Caixa Económica continuem a ser os maiores bancos do sistema, há um evidente crescimento de outros bancos, como por exemplo o BCN, que acaba por retirar quota de mercado desses dois bancos.
Quais são as tendências que estão a moldar o sector?
Identificaria uma maior desconcentração do sector, como referi há pouco. Essa desconcentração acaba por significar também um aumento da concorrência entre os bancos. E isso até acabou por ser facilitado por algumas reformas legais ocorridas recentemente, que até poderão ter passado um pouco despercebidos. Por exemplo, o Banco de Cabo Verde impôs limites à cobrança das comissões de antecipação de crédito, que era um aspecto que limitava a possibilidade dos clientes mudarem de um banco para o outro. Essa reforma tornou o processo mais simplificado e menos custoso, o que acaba por acelerar um pouco esta tendência de desconcentração. Uma outra tendência é a maior absorção da tecnologia e aqui há alguns anúncios que estão a ser feitos, sobretudo pela entidade reguladora, em termos de moeda digital. Outros eventos na área da tecnologia estão a facilitar a interação entre os clientes e os bancos.
Que inovações podem revolucionar o sector bancário nos próximos anos?
A moeda digital é com certeza uma. Neste ponto o Capo Verde até está a ficar um pouco para trás em comparação com outros países da região, onde a moeda digital é mais comum. Este é um aspecto que penso que irá revolucionar o sector bancário aqui em Cabo Verde, na medida em que irá facilitar a população, até a que não tem conta bancária, a fazer transações digitais.
Quais vão ser os riscos a que os bancos devem dar mais atenção nos próximos anos?
Um aspecto positivo do sector bancário cabo-verdiano é que está bastante saudável em termos de resiliência, quando mensurado pelos principais indicadores da qualidade do sector ou da disposição ao risco. Os próprios relatórios do Banco de Cabo Verde têm sido muito claros neste aspecto: testes de stress demonstram que o sector está bastante robusto. Todavia, a questão de um risco que se coloca a qualquer banco e a qualquer sector bancário é o risco da inadimplência, quando uma percentagem considerável de crédito acaba por não ser recuperado ou há dificuldades na sua recuperação, embora este risco, diria, que é moderado/mínimo. A economia cabo-verdiana está a crescer, as projeções são positivas, embora não à dimensão que o país precisaria, pelo menos de 7% a 8%, mas está a crescer. Um outro risco tem a ver com os crimes de natureza digital, esse é um aspecto que está a crescer um pouco no mundo inteiro e quanto maior é o nível de absorção da tecnologia, da inovação no sector bancário, mais o sector fica também exposto a este tipo de risco. Há um terceiro risco, que ainda não está muito bem mensurado, que é a exposição do sector aos efeitos das mudanças climáticas. É um tema relativamente recente, mas que já começa a chamar a atenção quando se avalia a exposição a riscos. Aqui em Cabo Verde ainda se desconhece se já há algum exercício feito neste sentido, mas não deixa de ser relevante tendo em conta a vulnerabilidade do país aos efeitos das mudanças climáticas.
O que falta, em termos de cobertura jornalística, sobre o sector bancário?
O Banco Central naturalmente tem cumprido o seu papel de regulador e de supervisor do sistema, com a publicação de relatórios periódicos. Esses relatórios são bastante detalhados, mas cobrem mais a perspectiva do regulador do sistema. Penso que é preciso colocarmos mais na perspectiva do cliente, do utente. Este estudo da PD Consult procura captar essa perspectiva, não apenas através da análise comparada dos bancos, mas também incorporando os resultados de um inquérito que encomendamos para ouvir precisamente os clientes, o que é que pensam dos bancos, qual é a avaliação que fazem aos serviços, qual é a comparação que fazem entre os bancos relativamente aos serviços. Nessa perspectiva, a partir dos clientes, ainda temos espaço para melhorar a cobertura. Não apenas para incentivar os bancos a melhorarem a sua performance na relação com os clientes, mas até para promover uma maior competitividade entre os bancos. Há ganhos que podem ser explorados nesta dimensão.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1199 de 20 de Novembro de 2024.