Fundada por decreto régio, em 1792, a ULL tem uma comunidade académica formada por perto de 23 mil alunos e quase 1.700 professores, distribuídos por uma oferta formativa de cerca de 150 cursos. O seu responsável máximo, que conversou com o Expresso das Ilhas e Rádio Morabeza à margem do Campus África, defende a aposta na investigação e acredita que, no essencial, a missão da universidade se mantém inalterada.
Porquê a aposta no Campus África?
Esta é uma iniciativa que surge dos professores José Soliño e Basílio Valladares que há quatro anos puseram em marcha este projecto. Pareceu-me uma iniciativa muito feliz e muito acertada, porque ajuda a universidade a avançar na sua política de internacionalização, algo fundamental no momento histórico que vivemos. Se não nos internacionalizamos, se não estamos abertos a conhecer outras realidades, a aprender de outros, não somos uma universidade, somos outra coisa.
O que fizemos, sendo já eu reitor, foi ampliar esta ideia e organizar, também um Campus América. Temos um Campus África e temos um Campus América, tendo em conta a situação peculiar, geográfica e histórica, das Canárias. As Canárias, desde 1492, desde que Colombo chegou à América, têm tido um papel muito importante nas relações entre a Europa e a América. Desta forma, complementamos a ideia de que o arquipélago seja lugar de encontro tricontinental: Europa, África e América.
Um dos papéis da educação universitária é ensinar a utilizar a informação e trata-la, para a converter em conhecimento
Em 2018, que papel está reservado à universidade?
Eu creio que, essencialmente, não tem que desempenhar nenhum papel novo. Agora, podemos fazer coisas que há cem anos não eram possíveis. Há um século, não podíamos viajar com a comodidade ou facilidade com que viajamos agora. Contudo, eu creio que é fundamental que uma universidade esteja aberta ao mundo e relacionada com o mundo. Uma das coisas em que temos insistido é a intensificação, potenciação da internacionalização, como instrumento para ter um melhor ensino, uma melhor investigação e uma melhor transferência à sociedade daquilo que fazemos na universidade. Temos que conhecer a realidade de outras universidades, de outras sociedades.
Repare-se em algo tão importante como a língua, que às vezes vemos apenas como um instrumento de comunicação. As línguas ajudam-nos a melhorar a nossa visão do mundo. Cada língua tem uma certa visão. Conhecer outras línguas ajuda-nos a completar a nossa própria visão do mundo. Todo o conhecimento que consigamos obter a partir de outras universidades, de outros centros de investigação, ajuda-nos a enriquecer a universidade, a enriquecer o nosso papel.
Este é o período em que chegam à universidade os nativos digitais. Isso é um desafio para uma instituição secular?
Hoje temos mais informação do que nunca, graças à tecnologia, mas isso não quero dizer que haja mais conhecimento. O conhecimento não é a informação. O conhecimento é a organização da informação. Se não formos capazes de organizar a informação, não aprendemos mais, não entendemos melhor.
A comunicação entre cientistas é hoje uma comunicação fluída, próxima e podemos partilhar com colegas de outras universidades, nos antípodas, o conhecimento, a experiência, de forma instantânea.
Está a mudar muito a forma de aprendizagem dos estudantes. Quando eu era estudante, jovem, os livros eram um instrumento muito importante da aprendizagem. Agora, cada vez menos. Os estudantes e, por vezes, os professores, acreditam que a informação está noutro lado. Um dos papéis da educação universitária é ensinar a utilizar essa informação e trata-la, para a converter em conhecimento.
Se uma universidade não investiga, eu creio que não é uma universidade
O perfil do estudante mudou?
O perfil muda sempre. Numa sociedade que muda muito, como a nossa, os estudantes mudam. Agora, não creio que mude muito profundamente. A maioria dos estudantes de 18 anos tem o sonho de realizar-se profissional e pessoalmente, tem vontade de conhecer o mundo, mudar, de se tornar profissional. Muitos deles querem formar-se integralmente. Eu não vejo nisso grande diferença de como as coisas eram há 50 anos. Mas enfim, é verdade que hoje todos estão conectados, informam-se, têm outros instrumentos.
Há uma queixa de muitos professores que dizem que os estudantes chegam hoje à universidade sabendo menos. Não estou muito seguro de que isso seja verdade. Eu creio que os estudantes sabem outras coisas. Tendemos, professores, a idealizar os estudantes actuais tendo como exemplo nós próprios, quando éramos estudantes, e a pensar que todos os nossos colegas eram tão bons estudantes como nós fomos e isso não é verdade.
Que importância deve ter a investigação na organização de numa universidade?
Muita. Se uma universidade não investiga, eu creio que não é uma universidade. O professor universitário, acredito, deve manter vivo o estudo e contribuir para o conhecimento. Também acredito que um professor-investigador pode transmitir aos seus estudantes uma formação universitária mais completa, mais rica.
Uma carreira docente dura 40 anos e não é fácil que durante todo esse tempo o professor tenha um alto nível de investigação, mas é importante que o professor universitário esteja ligado ao mundo da investigação. Seja como investigador, seja ligado a uma equipa de investigação, motivando a que outros investiguem.
Quais serão os desafios da academia nos próximos dez anos?
A universidade deve formar os estudantes. Mais do que preparar para uma profissão, deve dar-lhes uma formação universitária. Hoje em dia, estão a ser criados nos empregos e novas profissões que antes não existiam. A universidade não pode preparar para uma profissão concreta. Deve oferecer - a nível de licenciatura - uma formação versátil, adaptável a uma realidade que muda a grande velocidade. Isto é uma grande mudança.
A universidade sempre deu formação mas, em muitos casos, ligada a uma profissão. Actualmente, a universidade não deve dar formação ligada a uma profissão. Na licenciatura, deve dar uma formação que permita ao estudante, quando acabar os seus estudos, ter um leque de possibilidades profissionais.
Também temos a ambição que os estudantes universitários, alguns deles, tenham a ambição de montar a sua empresa, criar novas estruturas económicas.