De Cabo Verde para IPO do Porto
Doutorada em Biociências Moleculares e colaboradora no Instituto Nacional de Saúde Pública (INSP), Pâmela Borges desenvolveu o projecto “Caracterização do perfil clínico e fenotípico do cancro da mama de mulheres cabo-verdianas”.
Em declarações ao Expresso das Ilhas, Pâmela Borges revela que uma das razões pela qual desenvolveu o projecto é o facto de que se tem verificado que o cancro da mama é uma das neoplasias malignas mais frequentes entre as mulheres e que a sua taxa de incidência tem aumentado cada vez mais.
“O cancro da mama é um dos tumores mais frequentes no género feminino quer a nível mundial, quer na África e tem-se verificado uma taxa de prevalência muito alta, inclusivamente mais elevada do que as observadas nos países desenvolvidos. E Cabo Verde não tem estado a fugir a esta regra”, justifica.
Conforme a biomédica, apesar do aumento da incidência, não se sabe de facto qual a real taxa de prevalência na população cabo-verdiana.
Um outro motivo pela qual Pâmela Borges optou por esse estudo relaciona-se com o facto de o cancro da mama ser “muito complexo”, com uma elevada taxa de heterogeneidade.
“Esta heterogeneidade do cancro torna muito difícil um tratamento certeiro; ter condutas clínicas e terapêuticas exactas que permitem um tratamento mais certeiro. Neste sentido, para se ter uma forma de diagnosticar de forma mais precisa o cancro da mama”, explica.
O projecto proposto pela biomédica é um estudo clínico patológico observacional. Ou seja, pretende estudar o perfil do cancro da mama na população cabo-verdiana. Isto porque, segundo a biomédica, ao entender esse perfil, é possível ajudar os médicos a propor tratamentos mais eficazes.
“Precisamente pelo facto de existir essa heterogeneidade do cancro torna-se extremamente importante conhecer e saber qual o seu perfil no seio da nossa população”, diz, acrescentando que o estudo é feito em parceria com o serviço de oncologia do Hospital Agostinho Neto.
Todas as amostras recolhidas no país, com a autorização dos doentes, serão encaminhadas para o Instituto de Oncologia do Porto onde se fará esse estudo.
“O objectivo é após a conclusão desses oito meses, regressar e tentar implementar os conhecimentos adquiridos. Nomeadamente, com isso pretendo tentar incrementar o rastreio do cancro da mama aqui em Cabo Verde”, declara.
Ainda sobre o cancro da mama
Também visando ajudar o país no combate ao cancro da mama, a biomédica e docente na Universidade de Cabo Verde, Neidy Rodrigues desenvolveu o projecto “Criação de biobancos de tumores para auxiliar no diagnóstico e tratamento dos diferentes subtipos de tumores da mama das mulheres africanas, em particular mulheres cabo-verdianas”.
O projecto, segundo explana, propõe utilizar uma abordagem multidisciplinar que envolve parcerias entre Universidade, Hospital e Instituto de pesquisa, para ajudar a dar resposta à terapêutica em doentes com cancro da mama em África, em particular no país e compreender os seus determinantes moleculares que auxiliam no tratamento.
Nessa sequência, o projecto foi beneficiado com uma bolsa pelo programa “Envolve Ciência PALOP” financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, que tem como objectivo permitir a criação e a instalação de grupos de investigação em instituições africanas, liderados por jovens investigadores dos PALOP.
“O Biobanco é uma estrutura de preservação de amostras biológicas com a missão de promover a investigação biomédica. É fundamental e urgente o desenvolvimento da investigação para o conhecimento dos mecanismos do processo de desenvolvimento de uma patologia, de vários cancros bem como o desenvolvimento de novas terapêuticas, para auxiliar no diagnóstico e tratamento precoce e eficaz, com o propósito de reduzir os gastos de saúde e melhorar a qualidade de vida das pessoas”, comunica.
Segundo Neidy Rodrigues, em Cabo Verde, a fase avançada no diagnóstico é uma característica comum do Cancro da Mama, contribuindo para baixas taxas de sobrevivência. Além disso, é a segunda causa de morte no país, segundo o último dado do relatório estatístico de 2017 do Ministério da Saúde, com cerca de 140 mortes, 52,3% do total de mortes e a segunda causa de evacuação da saúde.
Motivo pelo qual, fundamenta, decidiu-se por este projecto de modo a compreender os seus determinantes e assim prevenir as mortes relacionadas com o cancro da mama ou outro tipo de cancro em Cabo Verde.
Neidy Rodrigues garante que um dos principais objectivos da criação do Biobanco de tumores é fomentar a implementação de um laboratório de histopatologia e impulsionar a investigação biomédica no país, para ajudar na prevenção, investigação científica, tratamento precoce e, mais específicos, para os diferentes subtipos de cancro da mama ou outros tipos de cancro.
Além deste projecto, a tese de doutoramento da biomédica, foi desenvolvida numa área de pesquisa de interface de interesse crescente para a investigação biomédica entre o Metabolismo do Cancro e a Imuno-Oncologia, elucidando o impacto dos lípidos sistémicos para o metabolismo e a actividade citotóxica de células T durante a progressão do cancro da mama. O trabalho foi publicado como primeira autoria no jornal científico Cancer Imunology Reearch.
Estudar os mosquitos para combater transmissão de doenças
Na Universidade Jean Piaget de Cabo Verde foi criado em 2011 um Grupo de Investigação em Doenças Tropicais, logo após a epidemia da Dengue em 2010. O objectivo da criação do grupo foi possibilitar aos estudantes de saúde um espaço para fazer investigações, mas também ajudar as autoridades de saúde a nortear as respostas que podem dar a essas doenças.
Dentro das doenças tropicais há a área das doenças que são transmitidas por mosquitos como Dengue, Zika, Paludismo. A ideia central do grupo é um espaço onde os estudantes podem investigar coisas que são aplicáveis, que servem à saúde pública em Cabo Verde”, explana Lara Gómez, bióloga responsável pelo grupo.
O grupo que já conta 9 anos de existência é formado por estudantes de saúde do 2º ao último ano do curso e estudantes de mestrado. Até agora, a equipa já escreveu um livro, vários artigos científicos na área e participou em diferentes projectos quer a nível nacional, quer a nível internacional, além de participar em feiras de saúde.
“Temos vários trabalhos já realizados onde demonstramos a resistência dos mosquitos aos insecticidas usados no seu controlo. Temos um trabalho de 2012, um segundo de 2014, 2017 e outro 2018. Mostramos que os mosquitos são resistentes aos diferentes tipos de insecticidas usados para o controlo aqui em Cabo Verde”, aponta.
Para Lara Gómez são dados importantes que o programa do Ministério da Saúde podem ter em conta e fazer mudanças de insecticidas. Isto, dado que pouco antes da epidemia do Zika o grupo tinha descoberto que os mosquitos estavam infectados.
Entre outras investigações, a bióloga informa que o grupo tem um estudo que mostra ainda que os mosquitos existentes no país, da Dengue e Zika, são muito competentes para algumas doenças e não em outras.
“Se o mosquito é muito competente a possibilidade de epidemia de um vírus é grande, se ele é pouco competente, então a possibilidade de ter uma epidemia é menor. Temos feito esse tipo de estudo e demonstramos que o mosquito de Cabo Verde é muito competente para Dengue e Febre Amarela”, frisa.
Desafios
“A investigação científica em Cabo Verde é algo que ainda está a desenvolver. Tem-se estado sempre a fazer mas, ultimamente, tem-se reparado que cada vez mais se nota a importância de conhecer e investigar no contexto do país”, declara Pâmela Borges.
Como exemplo, a biomédica afirma que o seu projecto, que está em fase de implementação, está a decorrer na normalidade e sem problemas de maior.
“Há sempre a questão do tempo até conseguir as autorizações devidas no sentido de ser um estudo devidamente autorizado, organizado, mas tirando isso não há entraves maiores”, frisa.
Para Pâmela Borges, o principal desafio dos cientistas nacionais, não apenas mulheres, está em conseguir financiamento e um local físico para a implementação dos projectos.
Aliás, ressalta que é importante investir na investigação para se saber os problemas do país, estudá-los de forma a encontrar as melhores soluções para resolvê-los e assim contribuir para o desenvolvimento da sociedade.
De igual forma, Lara Gómez destaca como principal desafio conseguir recursos para manter o grupo de investigação. Apesar de a Universidade financiar a investigação, reitera que é preciso mais recursos para obter os materiais e fazer as experimentações.
“Isso é sempre um desafio porque quando não temos projectos financiados é muito difícil manter o grupo. Seria necessário um fundo, algum financiamento mais estável para nos manter e montar um laboratório de biologia molecular, já que temos de fazer fora, então estamos limitados às investigações”, menciona.
Entretanto, a bióloga aponta ainda como desafio conseguir com que as autoridades adoptem outras medidas a partir dos resultados de uma investigação universitária.
“Existe um vazio, um buraco entre o que é feito nas universidades e o que o governo e os políticos decidem. Acho que o grupo tem muitos resultados, sempre comunicamos às autoridades, mas depois não são aproveitados para as intervenções na saúde pública que fazem”, aponta.
Este facto, conforme salientam, acaba por se tornar uma limitação já que o objectivo do grupo é que os resultados das suas investigações melhorem a saúde pública.
A pandemia da COVID-19 acrescentou ainda um outro desafio ao Grupo de Investigação em Doenças Tropicais, que teve de diminuir o número de estudantes que pudessem fazer parte. Actualmente, apenas 6 pessoas integram a equipa e a maioria é mulheres.
Neidy Rodrigues vai na mesma linha de que é primordial o financiamento dos projectos e realça que é necessária uma nova educação que estimule o pensamento crítico baseado na evidência.
“A ciência é parte fundamental e o impulsor de desenvolvimento do país. A ciência não sobrevive sem financiamento. É fundamental que ela seja uma das prioridades na agenda política de um país. É necessário ensinar a aprender a pensar e não a deduzir, a investigar em vez de presumir”, indica.
Assim, determina como principais desafios para cientistas a regularização do estatuto do professor investigador, para que se possa desenvolver e coordenar grupos de investigação, orientar trabalhos desenvolvidos no âmbito do projecto, escrever e procurar financiamento e publicação de artigos científicos.
Além disso, prossegue, o pouco engajamento de profissionais que trabalham na área da saúde também é um desafio a superar.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1003 de 17 de Fevereiro de 2021.