As conquistas e os desafios da economia digital em Cabo Verde

PorJorge Montezinho, Andre Amaral,30 mai 2021 8:29

“Hub digital”, “porta de entrada para a África Ocidental”, “CyberIsland” e “Smart Cities”, são conceitos debatidos e trabalhados há algum tempo em Cabo Verde. Nos últimos anos, o arquipélago tem vindo a desenvolver o sector das TIC com o objetivo de criar crescimento económico, aumentar as oportunidades e melhorar a prestação de serviços de qualidade. O Plano Estratégico de Cabo Verde para o Desenvolvimento Sustentável tem na Economia Digital uma das prioridades e é considerada uma área essencial para o desenvolvimento do país. Mas a realidade, segundo os empresários do ramo tecnológico, está ainda longe da teoria.

A importância atribuída à Economia Digital conduziu ao desenvolvimento da Estratégia Digital de Cabo Verde que quer o país como plataforma internacional e fornecedor de serviços digitais, tirando partido da localização geográfica na região atlântica, da estabilidade política e social, do Estado de direito, da conectividade digital internacional, das infraestruturas tecnológicas e de telecomunicações e das capacidades digitais.

A Estratégia Digital de Cabo Verde, em curso, alinhada com a visão de transformar Cabo Verde numa plataforma Digital, está estruturada em linhas de acção, onde se destacam (i) Expansão da infraestrutura de conectividade; (ii) Educação e fortalecimento da formação profissional e (iii) Disponibilidade de serviços digitais no mercado regional. A implementação desta Estratégia Digital é cofinanciada por fundos do Banco Mundial.

Para promover um ecossistema de inovação e empreendedorismo assente na tecnologia regional de alto nível, está em curso o desenvolvimento de Zonas Económicas Especiais de Tecnologias (ZEET), inicialmente localizadas fisicamente no Parque Tecnológico de Cabo Verde e que inclui um conjunto de serviços, como Centros de negócios; Centro de incubação; Centro de certificação e treinamento e os Data Center na Praia e no Mindelo.

O Parque Tecnológico de Cabo Verde, com núcleos na Praia e no Mindelo, tem como objectivo central estabelecer parcerias com os principais actores internacionais do sector das TIC; atrair investimento directo estrangeiro para serviços baseados em TIC; potencializar o desenvolvimento, dar visibilidade e distribuição de soluções digitais; expandir e integrar soluções e serviços electrónicos para diferentes áreas de negócios; e encorajar/promover o treinamento em TIC para recursos humanos nacionais e regionais.

Em termos de conectividade e desenvolvimento de infraestruturas de telecomunicações, Cabo Verde pretende construir uma rede convergente de comunicações (Internet), constituída por cabos submarinos de fibra óptica ligando a costa atlântica à sub-região africana.

Ao estabelecer estas bases para se tornar um Centro de Referência Digital na região, pretende-se aumentar o número de pessoas com melhor acesso à Internet em banda larga; melhorar a segurança e redundância do acesso internacional; diminuir os custos de banda larga, Internet fixa e móvel; e o aumentar o tráfego internacional da Internet.

Governo reforça ambição

O programa eleitoral do MpD, sufragado e apoiado pela maioria dos eleitores no passado dia 18 de Abril, reitera a aposta na economia digital. “Para o Movimento Para Democracia”, lê-se, “Cabo Verde deve desenvolver a economia digital, como um sector exportador de serviços e fazer do digital, um acelerador da modernização da administração pública central como local, ao serviço do cidadão e das empresas, da promoção da transparência na gestão pública, da melhoria do ambiente de negócios e sobretudo da melhoria da eficiência e da produtividade nas empresas e um acelerador da aproximação da diáspora e do reforço da sua participação, quanto da conectividade interna”.

“O Movimento Para Democracia ambiciona, fazer de Cabo Verde uma economia transformada e digitalizada, um hub regional das telecomunicações, um centro regional da inovação, do empreendedorismo e da excelência e um mercado regional de referência da economia digital”.

“Para o Movimento Para Democracia Cabo Verde tem oportunidades de posicionamento no mercado global como país empreendedor e inovador na nossa região africana e no mundo e merecem destaque:

A FINTECH ou seja a promoção de start-ups que trabalham para inovar e otimizar serviços do sistema financeiro, no domínio do turismo, pelo posicionamento regional de produtos eGOV, na agricultura, na pesca , nas Cidades Inteligentes com Smart City e da cultura designadamente na divulgação da música e como HUB Regional dos Direitos Autorais”.

Depois, para realizar esta ambição, propõe-se fazer da internet um bem essencial; assegurar a soberania tecnológica, ou seja, garantir que pelo menos metade das empresas cabo-verdianas priorizam ter as suas Bases de Dados em CLOUD Nacional; assegurar um ecossistema de inovação e desenvolvimento, ou seja, no mínimo 1% do PIB em investimento em investigação, inovação e desenvolvimento, expandir o número de investigadores e de patentes registadas no País; fazer de Cabo Verde uma Nação Eficiente, com pelo menos metade da população com registo digital; promover o Parque Tecnológico para albergar um número crescente de inquilinos, a geração start-up, promover a Cyber Segurança e garantir a implementação de dezenas de FINTECH; e garantir o posicionamento internacional, ou seja, que o Parque Tecnológico tenha um número crescente de empresas, elevada dinâmica de financiamento de projetos de internacionalização e de implantação internacional das marcas Made in Cabo Verde bem como dinamizar a exportação de produtos EGOV e Smart City.

O outro lado

Este é o projecto, em teoria. Na prática, as dificuldades são ainda muitas, como explica ao Expresso das Ilhas o fundador da Bonako, Jacob Adesida. A começar pelo financiamento. “Para criar uma empresa tecnológica e concorrer no mercado são precisos muitos recursos. Empresas como a Spotify, ou outras, não ganharam dinheiro nos primeiros anos, pelo contrário, investiram milhões durante esses anos. Aqui, em Cabo Verde, temos de começar a amortizar logo no primeiro dia, isso não é possível. Depois, não temos acesso a capital de risco. Esse é outro grande desafio. Quase todas as empresas tecnológicas em Cabo Verde, estão falidas. Outra luta é a capacitação. Sim, hoje temos muitos programadores, mas não temos massa crítica. Se tiver um grande projecto amanhã e precisar de contratar 100 programadores para os pôr a começar a trabalhar, não encontro os suficientes. Além disso, quando temos uma equipa, depois de anos a investir na sua formação, chega o governo e dá o dobro do salário e eles saem”.

A Bonako é uma empresa de jogos digitais e aplicativos móveis que ambiciona colocar África no mapa dos produtores de videojogos e de aplicativos. Na área das aplicações desenvolveu produtos como o Muska, um serviço musical, ou o Passa Free, uma ferramenta para gestão de eventos e venda de ingressos. “Como não há capital para financiar os projectos que queremos fazer, entramos em concursos e fazemos plataformas, por exemplo, para a ONU, ou para a OMS em Brazzaville”, refere o CEO da empresa.

Mas exportar serviços digitais não é fácil. “O ecossistema cabo-verdiano ainda não é suficientemente desenvolvido para ter essa capacidade. Para já, não tem. O Estado fala, os políticos falam, mas ficam no querer. Ainda na semana passada estivemos na Guiné Conacri para procurar mercado, mas não é fácil”, sublinha Adesida.

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Para o empresário, é fundamental que o governo repense a estratégia e a política para o sector. “Se há sector que pode alavancar e diversificar a economia de Cabo Verde é a tecnologia. Basta um computador e o negócio é produzir e ver o que se faz lá fora, mas para fazer isso precisamos de um ecossistema mais desenvolvido, precisamos de resolver o lado do financiamento, o lado de capacitação, de treinamento e monitorização para ajudar as empresas que estão a surgir, para conseguirmos ir para fora do país, porque o mercado doméstico é muito pequeno. Na tecnologia, o que interessa são os números, mas sair da Praia, ou do Mindelo, tem custos e o sistema não tem capacidade para ajudar as empresas”.

“Cabo Verde”, continua Jacob Adesida, “tem de fazer um trabalho prévio de marketing, mostrar o que pode oferecer, porque os outros países estão a fazer isso. Para Cabo Verde concorrer a nível global tem de ser mais activo. Não é só falar”.

Mesmo os investimentos feitos, como o novo cabo submarino, ou o parque tecnológico, nada garantem, diz o CEO da Bonako. “Tudo isso é necessário, mas não é suficiente. Construir infra-estruturas é bom, mas não é o único. É preciso mais. Qual é a estratégia para atrair as empresas cabo-verdianas para o parque? Não há. E as empresas de fora? Vão chegar, vão ver um parque sem empresas locais, vão ter interesse em ficar? É preciso um conjunto de estratégias e envolvimento das pessoas do sector para trabalhar junto em estratégias”, conclui.

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A NOSiAkademia

No campo da formação e capacitação digital,Cabo Verde tem apostado no acesso às competências digitais, fortalecendo as capacidades digitais dos jovens através de diferentes canais como a implementação deWebLabsem todas as escolas secundárias e, numa segunda fase nas escolas primárias, ou aNOSiAkademiacom estágios profissionais na área das TIC.

No passado dia 29 de Março, mais 48 jovens licenciados entraram para o programa para frequentar o estagio profissional e remuneradodurante 6 (seis) meses. Desde a sua implementação em 2016, vai na sua 12ªedição, a NOSiAkademia já recebeu um total de 1500 candidaturas.

Além do estágio, o programa tem várias outras iniciativas. Como o JumpStart – NOSiAkademia, que apoia gratuitamente projetos de investigação e desenvolvimento das empresas nacionais, ou a Pré-incubadora TicSeed – um programa de fomento ao empreendedorismo, através do qual os jovens são capacitados para desenvolver e implementar uma ideia de negócio de base tecnológica, após o fim do estágio. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1017 de 26 de Maio de 2021.

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Autoria:Jorge Montezinho, Andre Amaral,30 mai 2021 8:29

Editado porAndre Amaral  em  31 mai 2021 6:40

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