Vacina contra covid - Terceira dose cada vez mais “inevitável”

PorNuno Andrade Ferreira,29 ago 2021 9:15

Cada vez mais países avançam para dose de reforço. OMS discorda do timing. Cabo Verde sem decisão.

Uma, duas, três. A regra de uma terceira dose de vacina contra a covid-19 é adoptada por um número progressivamente maior de países, convencidos da importância de reforçar a resposta imunitária, especialmente de populações mais vulneráveis, como idosos, imunodeprimidos ou doentes crónicos.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) está contra, pelo menos por enquanto. A agência da ONU alerta que a prioridade na distribuição de lotes deveria ser dada às regiões que ainda não conseguiram imunizar as suas populações.

“Em vez de passarem aos reforços, é melhor partilhar com outros países essas vacinas, para que outros países possam alargar a administração a uma primeira ou segunda dose, ter uma maior cobertura de vacinação e, depois, podemos fazer reforços”, declarou recentemente o director-geral, Tedros Ghebreyesus.

Por cá, ainda não há uma decisão sobre o assunto. O Director Nacional de Saúde, Jorge Barreto, explica ao Expresso das Ilhas que, para já, o foco é outro.

“Por enquanto, estamos focados em administrar as primeiras doses das pessoas que ainda não foram vacinadas e também completar a vacinação. A nossa taxa de cobertura de pessoas completamente vacinadas é de 14%, que ainda é muito baixa. Há uma série de factores e de informações que têm que ser analisados, antes de Cabo Verde tomar uma decisão nesta via”, destaca.

A necessidade de uma terceira dose é justificada pelo maior risco representado pela variante Delta e pela queda significativa de anticorpos, alguns meses depois de completo o esquema de vacinação, tal como demonstrado por vários estudos serológicos.

Uma pesquisa publicada este mês na revista Science Translational Medicine, elaborado por investigadores das universidades de Nottingham e Liverpool, no Reino Unido, confirma que a dose de reforço pode ser relevante na produção de anticorpos capazes de lidar de forma rápida com novas variantes.

A resposta do nosso sistema imunitário não é feita apenas de anticorpos e depende, em larga medida, da resposta celular, as chamadas células de memória B e T. Contudo, são os anticorpos que impedem a entrada do vírus nas células.

O investigador cabo-verdiano da Universidade de Cambridge, Jailson Brito Querido, destaca o alto nível de protecção das vacinas - concretamente da Pfizer, Moderna e Astrazeneca - contra doença grave e morte, mesmo com as novas variantes, mas admite a necessidade de reforçar a resposta imunitária.

“Para algumas pessoas, como os idosos e pessoas com sistema imunitário debilitado, uma terceira dose poderia ser benéfica para a prevenção da doença grave. Por isso, para o grupo de risco, a terceira dose será mesmo inevitável. Para a restante população, não existem dados científicos que suportem esta decisão. Contudo, porque os riscos associados à vacinação são tão baixos, é expectável que um reforço, nos países onde há essa disponibilidade, venha a fazer parte do plano de vacinação”, acredita.

O médico e professor universitário cabo-verdiano, radicado nos Estados Unidos, Júlio Teixeira, concorda com a inevitabilidade de uma terceira dose, mas recorda questões éticas associadas à decisão.

“Estamos a chegar a uma fase de compreensão de que esta terceira dose vai ser importante, mas do ponto de vista da saúde pública temos questões medico-éticas também muito importantes, que se prendem com o facto de existirem várias populações onde a penetração da vacinação ainda é baixa”, relembra.

Israel, Hungria, Rússia, França, Alemanha, Indonésia ou Estados Unidos estão entre os países que já decidiram pela dose de reforço. Os critérios de aplicação variam. Na Hungria, por exemplo, o governo disponibiliza uma terceira dose a todos aqueles que a queiram tomar. Israel está a reforçar a imunidade dos maiores de 60 e pertencentes a grupos de risco. Nos Estados Unidos da América, a partir de Setembro, uma terceira dose estará disponível para todos os norte-americanos adultos.

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Acima das expectativas

A comunidade científica é unânime: as vacinas são seguras e eficazes a prevenir doença grave e mortes por covid-19. Apesar disso, as novas variantes baralharam as contas da imunidade de grupo.

O investigador da Universidade de Cambridge, Jailson Brito Querido, realça a importância de os planos de vacinação irem mais além.

“As vacinas têm atingido, talvez superado, as expectativas iniciais, protegendo da doença grave e da mortalidade. Contudo, o aparecimento de novas variantes mais infecciosas, como a Delta, é um dado novo que veio alterar os planos e as metas de vacinação. Ao contrário das outras variantes, para as quais as vacinas reduzem o risco de infecção e de transmissão do vírus, a variante Delta consegue mais facilmente driblar as defesas criadas pelas vacinas, o que torna os casos de breakthrough [infecção em pessoas com vacinação completa] mais frequentes. Isto tem um enorme impacto na imunidade de grupo. Hoje, as metas dos planos de vacinação têm de ser muito mais ambiciosas do que aquelas que poderíamos ter há seis meses”, comenta.

O médico Júlio Teixeira sublinha que, neste momento, nos Estados Unidos, 99% dos óbitos entre pacientes infectados com o SARS-CoV-2 e 90% dos internamentos pela mesma causa acontecem em pacientes não vacinados.

“Neste momento, falamos da epidemia dos não vacinados. Os vacinados estão mais protegidos do que os que não estão vacinados. A vacina não é um vestuário que nos protege. É uma maneira de se criar resistência no sistema imunológico, de tal modo que, se entrarmos em contacto com o vírus, temos capacidade de responder e de nos defender”, recorda.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1030 de 25 de Agosto de 2021.

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,29 ago 2021 9:15

Editado porAntónio Monteiro  em  29 ago 2021 19:28

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