“Escutei com muita atenção o que se disse nesta câmara e fora”, afirmou, perante risos dos deputados, acrescentando que, mesmo existindo apoio a grande parte do texto, a solução para a Irlanda do Norte causou muitas objecções.
A declaração foi feita naquele que deveria ser o quarto de cinco dias de debate que deveriam culminar com uma votação na terça-feira sobre o acordo de saída do Reino Unido da União Europeia e a declaração sobre as relações futuras entre as partes.
May disse que falou com vários líderes europeus durante o fim de semana e vai usar o Conselho Europeu de quinta e sexta-feira para negociar com os homólogos de outros Estados membros e dirigentes europeus.
“Vou discutir com eles as preocupações claras que esta Câmara expressou. Estamos também a olhar atentamente para novas formas de capacitar a Câmara dos Comuns para garantir que qualquer provisão para um ‘backstop’ tenha legitimidade democrática” e também para permitir que a solução não possa ficar em vigor indefinidamente.
A hipótese de a votação ser adiada começou a ser especulada ainda na semana passada na imprensa britânica, que deu conta de membros do governo preocupados não só com o conteúdo do texto, mas também com as possíveis consequências da votação.
Dezenas de deputados do partido Conservador, actualmente no poder, manifestaram-se publicamente contra o acordo, ameaçando com uma derrota esmagadora do Governo, que não tem maioria na Câmara dos Comuns, o que poderia forçar a demissão de Theresa May.
O deputado conservador Philip Lee, que se demitiu em Junho de um cargo governamental no ministério da Justiça por discordar da estratégia de negociação do ‘Brexit’, afirmou ontem que “atrasar o voto é apenas adiar o inevitável” devido à diferença de opiniões existente no parlamento.
“O parlamento precisa de decidir se vamos ter um ‘Brexit’ sem acordo, ou um voto popular, e eu prefiro um voto popular”, afirmou hoje na BBC, a propósito da campanha por um novo referendo.
Já Stephen Kinnock, do partido Trabalhista, argumentou a favor de uma moção de censura ao governo para forçar uma adesão à Associação Europeia de Comércio Livre (European Free Trade Association, EFTA em inglês), que inclui a Noruega, Islândia, Suíça e Liechtenstein.
O acordo de saída da UE, bem como a declaração política não vinculativa que o acompanha sobre as relações futuras, foram o resultado de 17 meses de negociações intensas com Bruxelas e aprovadas finalmente há duas semanas pelos líderes dos restantes 27 estados membros.
O documento define os termos da saída do Reino Unido da UE, incluindo uma compensação financeira de 39 mil milhões de libras (44 mil milhões de euros), os direitos dos cidadãos e um mecanismo para manter a fronteira da Irlanda do Norte com a República da Irlanda aberta se as negociações para um novo acordo não forem concluídas até ao final de Dezembro de 2020, quando acaba o período de transição.
Porém, a solução de salvaguarda para a Irlanda do Norte foi rejeitada, tanto por adeptos como por opositores ao ‘Brexit’, devido ao risco de deixar o país “indefinidamente” numa união aduaneira sem o poder de sair unilateralmente.
Conhecido como ‘backstop’, o procedimento mantém o Reino Unido num sistema aduaneiro com a UE que só será revogado se for substituído por uma outra solução, o que um parecer jurídico do governo admitiu poder deixar o Reino Unido bloqueado em “rondas de negociações prolongadas e repetidas”.
O processo do ‘Brexit’ levou a primeira-ministra britânica a falar durante o fim de semana com vários líderes europeus, incluindo o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, que hoje recusou a possibilidade de renegociar o ponto específico em causa.
“Não é possível reabrir qualquer aspecto do acordo sem reabrir todos os aspectos”, afirmou hoje, alegando que o governo irlandês “já ofereceu muitas concessões”, antecipando um possível pedido de May para renegociar o texto na quinta-feira a Bruxelas, onde se realiza uma reunião do Conselho Europeu de dois dias, e que inicialmente não tinha o ‘Brexit’ na agenda.
A intensificação dos rumores levou hoje à desvalorização da libra nos mercados cambiais devido à incerteza em torno da economia britânica, que desacelerou ao crescer apenas 0,4% entre Agosto e Outubro, contra 0,6% nos três meses precedentes.
O contexto em redor do ‘Brexit’ complicou-se ainda mais esta manhã, quando o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a pedido de políticos escoceses, confirmou que o Reino Unido pode desistir de deixar o bloco europeu sem necessitar a autorização dos restantes países da UE.