Antes de tudo, devemos saber que procurar significado nos mercados financeiros é como procurar padrões num mar violento. No fundo, a informação que emerge é o produto da compra e venda das pessoas, com todas as suas contradições. Os preços refletem uma mistura de emoção, preconceitos e cálculos a olho. No entanto, juntos, os mercados expressam algo sobre o humor dos investidores e o temperamento dos tempos. E os perigos são muitas vezes ignorados até ser tarde demais (e 20008 continua bem presente na nossa memória). No entanto, o clima dominante nos mercados de hoje, como tem sido em grande parte da década passada, é a ansiedade. E está a aprofundar-se a cada dia que passa.
Isto é mais evidente, como escreve o The Economist, no apetite surpreendente pelo mais seguro dos activos: títulos do governo. Na Alemanha, onde os números desta semana mostraram que a economia está a encolher, as taxas de juros são negativas desde os depósitos overnight até aos títulos a 30 anos. Ou seja, os investidores que comprarem e mantiverem títulos até vencerem terão uma perda financeira garantida. Na Suíça, os rendimentos negativos estendem-se até aos títulos a 50 anos. Mesmo na Itália endividada e suscetível a crises, um bónus de dez anos dá apenas 1,5%. Enquanto isso, na América, a curva é invertida - as taxas de juros dos títulos de dez anos são menores do que os de três meses – uma situação peculiar que é um prenúncio da recessão. A angústia é evidente noutros lugares também. O dólar, moeda refúgio, está em confronto com muitas outras moedas. O ouro está em alta há seis anos. Os preços do cobre, uma variável da saúde industrial, caíram acentuadamente. E apesar da apreensão de petroleiros no Golfo do Irão, os preços do petróleo caíram para 60 dólares o barril.
Os economistas receiam que estes sinais estranhos sejam o início de uma recessão global. Ou que, pelo menos, as nuvens de tempestade estão a reunir-se. Ainda esta semana, a China disse que a produção industrial está a crescer ao ritmo mais lento desde 2002. Por outro lado, a expansão de uma década da América é a maior já registrada. Digam o que disserem os especialistas, a crise estará atrasada? Certo é que com as taxas de juros já tão baixas, uma das capacidades de combater a possível crise está já esgotada. E os investidores temem que o mundo esteja a transformar-se no Japão, uma economia entorpecida que luta para vencer a deflação e propensa a retroceder.
No entanto, uma recessão é, para já, um medo e não uma realidade. A economia mundial continua a crescer, embora a um ritmo menos saudável do que em 2018. Os empregos abundam; os salários têm aumentado; o crédito ainda é fácil; e o petróleo mais barato significa que há mais dinheiro para gastar. Além disso, houve poucos sinais da exuberância inebriante que normalmente precede a queda.
Se não houve uma explosão e a economia mundial ainda não rasgou, por que estão os mercados tão ansiosos? A melhor resposta, segundo o The Economist, é que as empresas e os mercados estão ainda a familiarizarem-se com a incerteza. Essa questão, e não as tarifas, é o maior prejuízo da guerra comercial entre a América e a China. Os limites da disputa estenderam-se desde a importação de alguns metais industriais até categorias mais amplas de produtos acabados. Entretanto, abriram novas frentes nesta batalha, como cadeias de fornecimento de tecnologia e, neste mês, as moedas. Dados da JPMorgan Chase sugerem que os gastos globais de capital estão em queda. A evidência de que o investimento está a reduzir é refletida em pesquisas sobre a queda do sentimento empresarial, na paralisação da produção industrial em todo o planeta e no desempenho intermitente das economias lideradas pela indústria, como acontece na Alemanha. Aliás, esta segunda-feira, o relatório mensal do Bundesbank afirma que o Produto Interno Bruto (PIB) alemão “pode continuar a cair ligeiramente” no terceiro trimestre, ou seja, entre Julho e Setembro. A confirmar-se, será o segundo trimestre consecutivo de contração da economia alemã, depois de o PIB ter recuado 0,1% no segundo trimestre, entre Abril e Junho. “O desempenho económico geral pode recuar ligeiramente mais uma vez. Crucial para isso é a desaceleração em curso na indústria”, afirma a instituição, citada pela Associated Press.
Certo é que os bancos centrais também estão ansiosos. Em julho, a Reserva Federal baixou as taxas de juros pela primeira vez numa década, como um seguro contra uma recessão. É provável que haja com mais cortes. Em resposta, os bancos centrais do Brasil, Índia, Nova Zelândia, Peru, Filipinas e Tailândia também reduziram as taxas de juros de referência. O Banco Central Europeu provavelmente retomará o programa de compra de títulos.
Apesar destes esforços, a ansiedade pode transformar-se em alarme e o crescimento lento pode modificar-se para recessão. E há três sinais de alerta, sublinha o The Economist. Primeiro, o dólar, que é um barómetro do apetite ao risco. Quanto mais os investidores procuram a segurança do dólar, mais eles percentem o perigo. Em segundo lugar, as negociações comerciais entre os EUA e a China. Nesta semana, o presidente Donald Trump, inesperadamente, atrasou as tarifas anunciadas para o dia 1 de Agosto sobre algumas importações, aumentando as esperanças de um acordo. O terceiro é a rentabilidade dos títulos corporativos na América. Os custos de financiamento permanecem notavelmente baixos. Mas o spread - ou rendimento extra - que os investidores exigem para manter a dívida corporativa de risco começou a aumentar.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 925 de 21 de Agosto de 2019.