“Infelizmente, a cartilha não é boa e o professor não é bom e, portanto, o elogio que se faz a Macau, com grandes aspas, de ser um bom aluno, é o sinal dos tempos”, afirma à Lusa o advogado português, com mais de 12 anos de trabalho no território.
Também o mais jovem deputado de Macau, o pró-democrata Sulu Sou, é da opinião que a China quer passar a ideia “ao mundo que Macau é o mais bem-sucedido caso do princípio ‘um país, dois sistemas’”.
Mais pragmático, o único deputado português em Macau e conselheiro das comunidades portuguesas no território, José Maria Pereira Coutinho, disse à Lusa que “nunca houve uma ligação forte” entre Macau e Hong Kong, “mesmo com a administração portuguesa, entre o Governo Britânico e o Governo de Portugal”.
“E assim continua a ser, porque nós somos diferentes, herdámos uma herança diferente e Macau está a caminhar de uma forma diferente de Hong Kong”, sublinha.
Tanto em Macau, como em Hong Kong, aquando da transferência dos dois territórios para a República Popular da China, sob o princípio "um país, dois sistemas", foi acordado um período de 50 anos com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário, com o Governo central chinês a ficar responsável pelas relações externas e defesa.
Em 2047 termina o período de transição de Hong Kong, enquanto em Macau isso acontece dois anos mais tarde, em 2049.
Apesar de os princípios fundadores consagrados na Lei Básica [mini-constituição] dos dois territórios serem muito semelhantes, tem havido diferenças, tanto na interpretação, como na aplicação da lei, lembra o advogado Jorge Menezes, que defendeu Sulu Sou de um crime de desobediência qualificada enquanto participava numa manifestação em 2016.
“Em Hong Kong, as manifestações que têm ocorrido têm sido, a maioria delas, permitidas. É lá que se sentem os problemas e é lá que a polícia autoriza que elas sejam feitas”, afirma o advogado, numa referência às sucessivas manifestações pró-democracia na antiga colónia britânica há quase quatro meses, naquela que é a mais grave crise política desde a passagem para a China, em 1997, com acções e manifestações quase diárias, exigindo reformas democráticas, como eleições livres.
Por outro lado, em Macau, onde não há “o activismo cívico e político que há em Hong Kong (…) nem sequer foi autorizada a manifestação que foi projectada em solidariedade com Hong Kong”, sublinha.
A polícia de Macau proibiu uma manifestação contra a violência policial em Hong Kong que estava agendada para dia 19 de Agosto no centro da cidade, “uma completa fraude à lei”, que apenas serve para “reprimir a liberdade de expressão”, acusa Jorge Menezes.
O advogado português e o mais jovem legislador do território têm sentido nos últimos anos o segundo sistema a ser ‘engolido’ pelo primeiro, o comunista, que foi fundado no dia 01 de Outubro 1949, quando Mao Zedong proclamou o estabelecimento da República Popular da China sob a liderança do Partido Comunista da China.
“Nos últimos anos, tanto Pequim como as autoridades de Macau dão mais ênfase à importância do ‘um país’”, aponta Sulu Sou.
“Eles repetem essa importância que nós todos sabemos, mas quando enfatizamos a importância dos ‘dois sistemas’ somos criticados e atacados por isso”, considera, frisando que não quer ver no futuro Macau e Hong Kong transformarem-se “numa cidade normal, numa outra cidade chinesa”.
Daí a importância da preservação do segundo sistema, assim como da cultura local, das origens do território e do próprio estilo de vida, afirma.
Apesar de reconhecer o sucesso económico do território graças ao princípio ‘um país dois sistemas’, do ponto de vista político isso não tem acontecido: “não temos eleições livres para eleger o chefe do Executivo”, lembra.
“Só depois de Macau ter eleições livres é que se pode considerar que o ‘um país, dois sistemas está a funcionar a 100%”, argumenta.
A curto prazo, Sulu Sou não acredita em eleições livres no território, visto que, no seu entender, Pequim receia uma reforma política em Macau devido ao que está a acontecer neste momento em Hong Kong e ao risco de propagação.
O deputado de 28 anos recorda que Macau já não tem muito tempo para implementar eleições livres, até porque daqui a 30 anos termina o período de transição e, consigo, possivelmente, o segundo sistema.
Já Pereira Coutinho é da opinião que ao longo dos últimos 20 anos, desde que foi consagrado o ‘um país, dois sistemas’ em Macau, “de uma forma geral” a avaliação “é positiva”.
A estabilidade social, a distribuição da riqueza, apesar de algumas falhas, e o “incremento das relações comerciais entre Portugal e a República Popular da China, tendo Macau como plataforma”, são provas disso, avalia.
Contudo, admite que a meta final é o sufrágio universal ser implementado um dia.