"É importante sublinhar que o país tenha conseguido, desde 1994 até hoje, com regularidade, organizar eleições, acho que é positivo para a democracia a ‘rotinização' [do sufrágio universal], se assim se pode dizer, porque acaba criando esse laço importante entre políticos e cidadãos", considerou Salvador Forquilha, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), um centro de pesquisa independente de Moçambique.
Salvador Forquilha entende que as eleições gerais em Moçambique têm propiciado um contacto mais intenso entre os partidos políticos e os cidadãos.
Apesar de o escrutínio do dia 15 de outubro ser o sexto do género desde a introdução do multipartidarismo, Forquilha defendeu que o país não tem aprendido com os erros cometidos em cada eleição.
"Quando se olha para o passado, constata-se que há erros que o país cometeu em processos eleitorais e que ainda continua a cometer, nomeadamente toda a questão ligada aos problemas de recenseamento e da logística [do processo eleitoral]", declarou Salvador Forquilha.
O director do IESE apontou a polémica sobre o registo eleitoral na província de Gaza, sul de Moçambique, como exemplo de situações que fragilizam e descredibilizam a democracia em Moçambique.
O recenseamento eleitoral naquela província apurou mais de 300 mil eleitores a mais que as projecções do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), levando a uma polémica que provocou a demissão do presidente desta entidade, Rosário Fernandes.
Adriano Nuvunga, director-executivo do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), organização da sociedade civil, elogiou a "consistência" com que Moçambique tem tido eleições gerais e o facto de o sufrágio universal ser uma oportunidade para a participação política dos cidadãos, mas criticou a falta de transparência dos escrutínios.
"O processo democrático moçambicano ainda não tem um aspecto importantíssimo que é a concordância das elites políticas sobre as regras do jogo democrático, a forma como as eleições moçambicanas se realizam é a continuação do conflito civil através de meios relativamente pacíficos", considerou Adriano Nuvunga.
As principais elites políticas do país, principalmente da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder, e da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido da oposição, ainda não aceitam que as eleições são um espaço legal para os cidadãos realizarem os seus direitos e liberdades e permitir o direito ao voto sem coação e adulteração das regras de jogo, disse.
O director do CDD assinalou que há uma transgressão deliberada das regras democráticas por parte da Frelimo para se manter no poder.
"As eleições moçambicanas são caracterizadas por significativo abuso das regras de jogo, justamente porque não há ainda o reconhecimento de que as eleições não são para as elites lutarem entre elas", defendeu ainda Adriano Nuvunga.
Sérgio Chichava, investigador no IESE, defendeu que as primeiras eleições gerais da democracia moçambicana, realizadas em 1994, foram as únicas transparentes, porque as quatro seguintes foram "problemáticas" e marcadas pela opacidade.
"De lá para cá, nunca tivermos um ambiente de eleições livres e justas, havia esperança de que Moçambique seria uma democracia, democracia é um sistema no qual os partidos perdem eleições, no nosso sistema, isso não é possível", disse Chichava.
Há um partido, a Frelimo, que desde 1994 ganha consecutivamente eleições, mas não porque é o mais popular, é porque se aproveita da falta de transparência dos processos eleitorais.
"É por isso que não temos paz, sempre, de eleição em eleição, há focos de conflito militar", frisou.
Segundo Sérgio Chichava, que é também docente, a recusa dos órgãos eleitorais em realizar uma auditoria independente ao registo eleitoral na província de Gaza é uma demonstração de que não há interesse em promover processos eleitores com lisura.
Em 15 de Outubro, 12,9 milhões de eleitores moçambicanos vão escolher o Presidente da República, dez assembleias provinciais e respectivos governadores, bem como 250 deputados da Assembleia da República. Esta vai ser a primeira vez que os governadores vão ser eleitos - em vez de nomeados pelo Presidente da República -, velha aspiração da Renamo, principal partido da oposição.
A medida faz parte do acordo alcançado entre o chefe de Estado, Filipe Nyusi, e o histórico líder da Renamo, Afonso Dhlakama, que morreu em 03 de Maio de 2018.
Dos acordos que consensos que Dhlakama estabeleceu com Nyusi nasceu o acordo de paz assinado entre o presidente moçambicano e o novo líder da Renamo, Ossufo Momade, em 06 de Agosto.