"Tropas da Eritreia que lutaram no estado de Tigray, na Etiópia, mataram centenas de civis desarmados na cidade de Axum, entre os dias 28 e 29 de Novembro de 2020, abrindo fogo nas ruas e conduzindo ataques porta-a-porta", referiu a AI, num relatório hoje divulgado.
De acordo com o documento da organização não-governamental (ONG) "este massacre pode representar um crime contra a humanidade".
Resultante de entrevistas feitas a 41 sobreviventes e testemunhas, incluindo refugiados recém-chegados ao leste do Sudão, o relatório indicou que estes "descreveram execuções, bombardeamentos indiscriminados e pilhagens, depois de as tropas da Etiópia e da Eritreia terem liderado uma ofensiva para assumir o controlo da cidade".
Em 04 de Novembro, o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, Nobel da Paz em 2019, lançou uma operação militar na região de Tigray após meses de tensão crescente com as autoridades regionais da Frente Popular de Libertação do Tigray (TPLF, na sigla em inglês).
A AI recorreu a uma análise de imagens de satélite que confirmam "os relatos de bombardeamentos indiscriminados e pilhagens em massa", assim como de "novos locais que serviram para sepultar pessoas" perto de duas igrejas da cidade.
O diretor da AI para a África Oriental e Austral, Deprose Muchena, assinalou que "as provas são convincentes e apontam para uma conclusão assustadora".
"Tropas da Etiópia e da Eritreia cometeram vários crimes de guerra na ofensiva para assumir o controlo de Axum. Porém, além de tudo isto, mataram sistematicamente centenas de civis a sangue frio, o que parece constituir crimes contra a humanidade", sublinhou o responsável.
"Estas atrocidades estão entre as piores que, até agora, foram documentadas neste conflito. Além do número de mortos, os residentes de Axum foram atirados para dias de trauma coletivo, durante a violência, o luto e os funerais em massa", acrescentou Deprose Muchena.
Segundo as testemunhas, as vítimas não carregavam qualquer tipo de armas e muitas fugiam dos soldados quando foram abatidas.
De acordo com a AI, depois dos primeiros tiros e das mortes registadas em 28 de Novembro, as tropas eritreias dispararam sobre quem tentasse mover os corpos presentes nas ruas e praças de Axum.
A ONG de defesa dos direitos humanos estimou que pelo menos 240 pessoas foram mortas nos dois dias.
Na quarta-feira, o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a situação dos direitos humanos para a Etiópia, o sudanês Mohamed Abdelsalam Babiker, solicitou, junto do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, uma investigação às alegações de abusos cometidos por soldados eritreus em Tigray.
"Estou preocupado com as alegações de envolvimento de forças eritreias em graves violações dos direitos humanos, tais como raptos ou regresso forçado de refugiados e requerentes de asilo eritreus, que são posteriormente aprisionados na Eritreia", disse então Babiker.
Junto do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, Babiker sublinhou que "tais alegações devem ser rápida e exaustivamente investigadas por mecanismos independentes".
A ONU manifestou já preocupação sobre possíveis assassinatos e raptos por parte de soldados eritreus.
"Estou particularmente preocupado com dois campos de refugiados, que acolheram mais de 25.000 refugiados eritreus na região de Tigray -- Hitsats e Shememlba -- e que foram, alegadamente, destruídos durante os ataques das tropas eritreias e etíopes entre Novembro de 2020 e Janeiro de 2021", acrescentou Babiker.
O sudanês apontou que enviou também uma carta, em 28 de Janeiro, ao Governo da Etiópia na qual exortou o executivo a proteger os refugiados e requerentes de asilo da Eritreia.
A presença de tropas eritreias, em apoio às forças federais etíopes, tem sido relatada por residentes, trabalhadores de ajuda humanitária e funcionários locais, mas é algo que é negado por Asmara e Adis Abeba.
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mais de 60.000 pessoas fugiram da violência em Tigray, tendo procurado refúgio no vizinho Sudão.