"É difícil pensar numa actuação independente por parte do Conselho Nacional Eleitoral", diz em entrevista à Lusa a presidente da Missão, a portuguesa Marta Valiñas, justificando as "suspeitas muito elevadas" relativamente à falta de independência do órgão eleitoral venezuelano -- célere em proclamar a vitória do Presidente cessante, Nicolás Maduro -- com o facto de, "desde logo", o presidente do CNE, Elvis Amoroso, ter sido o responsável por decretar a "inabilitação" de várias figuras da oposição que pretendiam candidatar-se a eleições no país.
Apontando que o actual presidente do CNE ocupou anteriormente o cargo de auditor-geral do Estado, sendo assim "a pessoa que estava a cargo de decretar as inabilitações políticas [de candidatos a cargos políticos], e fê-lo em relação a María Corina Machado", a actual líder da oposição, da mesma forma que impediu candidaturas de outros dirigentes opositores, Marta Valiñas comenta que "não haveria nada de mal, não fosse o facto de muitas dessas inabilitações", incluindo a de Corina Machado em específico, terem sido decretadas, do ponto de vista da Missão da ONU, "de forma arbitrária", sem qualquer fundamentação, nem notificação formal ou possibilidade de recurso.
"Essas decisões são tomadas sob um véu de mistério. Além disso, atingem só membros da oposição", nota.
O facto de a Assembleia Nacional da Venezuela, onde o 'chavismo' detém a maioria, ter nomeado no ano passado as novas autoridades principais e suplentes do CNE no ano passado, escolhendo então para presidente Amoroso, "que já foi deputado pelo partido de Nicolás Maduro", é, no entender da Missão independente da ONU, revelador.
"Logo desde aí [a nomeação] levantou muitas suspeitas sobre a independência do CNE [...] Há várias coisas que indicam que há uma preparação com vista à realização de eleições, neste caso de assegurar que a presidência desta instituição é claramente pró-governo actual," comenta, acrescentando que as suspeitas se intensificaram naturalmente a partir do momento em que órgão eleitoral declarou a vitória de Maduro com base em resultados preliminares "sem ter a capacidade de demonstrar ao povo venezuelano" as actas de voto, às quais nem sequer tiveram acesso "os observadores eleitorais independentes que estiveram no país a convite do próprio CNE", o Centro Carter.
"Daí, realmente as suspeitas de falta de independência deste órgão serem muto elevadas e muito preocupantes. E daí o facto de organismos internacionais, como a ONU e vários Estados, estarem a reclamar uma verificação independente da contagem dos votos. Portanto, há responsabilidade ao nível do CNE, mas o que se reclama é que essas actas possam ser vistas e analisadas também por técnicos independentes", aponta.
"Claro que isto requer autorização de Nicolás Maduro (Presidente venezuelano) e, enfim, esse é um cenário difícil de imaginar neste momento", assume a presidente da Missão independente da ONU.
A Venezuela regista desde segunda-feira protestos em várias regiões do país contra os resultados anunciados pelo CNE, que proclamou oficialmente, na segunda-feira, como Presidente Nicolás Maduro para o período 2025-2031.
De acordo com os dados oficiais do CNE, Nicolás Maduro foi reeleito para um terceiro mandato consecutivo com 51,2% dos votos contra 44,2% do principal candidato da oposição, Edmundo González Urrutia.
A oposição venezuelana reivindica, contudo, a vitória nas eleições presidenciais, com 70% dos votos para Gonzalez Urrutia, enquanto o Centro Carter defendeu na terça-feira que o processo "não se adequou" aos parâmetros e padrões internacionais de integridade eleitoral e, por isso, esta "não pode ser considerada uma eleição democrática".
ONU, União Europeia (UE), Estados Unidos, Brasil, Colômbia, Chile, México, Argentina e Espanha, entre outros, pediram às autoridades eleitorais venezuelanas que publicassem os registos das votações para verificar a alegada vitória de Maduro.