Cabo Verde tem algumas características que em outros países foram factores que os impeliram para ter uma educação de qualidade a nível mundial. Como Singapura, Estónia, Irlanda e Finlândia, Cabo Verde é um país pequeno, jovem e pobre, se não mesmo desprovido de recursos naturais. Também tem uma consciência nacional de há muito consolidada que devia traduzir-se em propósitos colectivos de sacudir a dependência, engajar o mundo com inteligência e desenvoltura e potenciar a capacidade de todos na construção do caminho para a prosperidade. Ou seja, tem vários dos ingredientes que nos países referidos e outros similares serviram de motivação para a construção de sistemas de educação capazes de resultados que competem com os mais altos atingidos a nível mundial. Saber por que apesar dos propósitos declarados aqui não se conseguiu pôr de pé uma educação de qualidade é crucial e devia anteceder estratégias e planos de reorientação do sistema educativo no sentido de maior eficácia e impacto na vida das pessoas e no desenvolvimento do país.
A Ministra da Educação recentemente lembrou numa intervenção no fórum sobre educação que no final do século XX Cabo Verde já tinha atingido as metas mundiais quanto à universalidade da educação básica e a paridade do género mas que se registavam ainda baixos níveis de aprendizagem e a persistência de práticas educativas desajustadas que afectavam a permanência no ensino secundário e estariam na origem da falta de sintonia entre a formação e o mercado de trabalho. A constatação da ministra traduz uma realidade muito conhecida que é a disparidade entre, por um lado, os investimentos feitos e os números publicitados que projectam uma imagem de sucesso do sistema de ensino e, por outro, os resultados concretos que ficam invariavelmente aquém do que na prática são precisos para ter impacto no desenvolvimento.
Os países que apostaram na educação como base fundamental para o crescimento económico não se limitaram a ficar pela mediania e por comparações com os piores na sua vizinhança. Ambicionaram sempre competir com os melhores no mundo. Por isso, certificaram-se que a democratização do ensino não podia acontecer sacrificando a qualidade. Em Singapura, por exemplo, os melhores professores são encaminhados para as escolas com maiores dificuldades porque fazem questão que todos os alunos tenham o melhor nível de ensino possível. É claro para os seus dirigentes que não há qualidade de ensino sem uma aposta séria na qualidade dos professores. Andreas Schleicher, director de Educação da OCDE e administrador dos testes PISA é peremptório em dizer que “nenhum sistema educativo pode ser melhor que a qualidade dos seus professores”.
De facto, não se pode pretender melhorar a qualidade do ensino sem colocar o foco na formação do professor, nos critérios meritocráticos que devem presidir à sua ascensão na carreira e no reconhecimento social que o seu trabalho deve merecer. Por isso, nos países de maior sucesso educativo os melhores graduados das escolas são atraídos para a profissão de professores e grandes investimentos são postos na sua formação específica e em instituições especialmente preparadas. Também os políticos querendo dar maior ênfase ao papel dos professores não podem propor-se simplesmente a satisfazer “reivindicações de natureza sindical” em termos de promoções, progressões e reclassificações ainda para mais, na perspectiva político-eleitoralista que muitas vezes é apresentada. A melhoria das condições dos professores, uma prioridade numa sociedade que quer desenvolver-se, tem que ser acompanhada de exigências de formação e de melhoria objectiva e quantificável do trabalho docente prestado.
A Educação deve ser vista como um ecossistema em que vários elementos concorrem para a sua estabilidade, foco e progresso. Para além da qualidade dos professores é fundamental o comprometimento de toda a sociedade com a procura do conhecimento, com o cultivo da excelência e com adopção de critérios meritocráticos na progressão nas carreiras e na ascensão profissional. Não se pode ficar por uma perspectiva que terá vingado no passado em que mandar os filhos para a escola e, a partir do diploma adquirido, dar um salto para um trabalho seguro no Estado era uma forma de contornar as incertezas derivadas da fragilidade económica do país. O engajamento das pessoas e do próprio Estado na educação deve ser outro: menos instrumental e paternalístico como outrora foi e mais potenciador do desenvolvimento do indivíduo e da sua capacidade de contribuir para a sua prosperidade pessoal e do seu próprio país. Por isso mesmo, mais inclusivo, mais enriquecedor e mais comprometido com o futuro.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 880 de 10 de Outubro de 2018.