O aspecto principal dessa modernização prende-se com a necessidade de estabelecer um quadro para a articulação entre o planeamento e o orçamento, com vista a garantir que o orçamento traduza os objectivos e políticas do Governo e se alcance deste modo uma maior eficácia e eficiência na sua materialização. Sendo o médio prazo o horizonte para a implementação das políticas e objectivos do Governo, é necessário fazer com que o orçamento, embora anual, se insira numa gestão de médio prazo das Finanças Públicas.
Ao mesmo tempo, a adopção de um horizonte de médio prazo cria melhores condições para a garantia da sustentabilidade das finanças públicas. O propósito de orientar as despesas públicas para os objectivos e políticas do Governo é prosseguido através da adopção do orçamento por programas. Outros objectivos dessa modernização do quadro orçamental são o reforço da responsabilidade fiscal, da transparência, do controlo e da prestação de contas.
A proposta em discussão procura corresponder a esses propósitos, largamente consensuais, de resto. Todavia, à luz das modernas práticas internacionais, ela fica aquém do que é recomendado nalguns aspetos importantes. A meu ver, convém que essas insuficiências sejam superadas, sob pena de os princípios enunciados na Lei não terem a eficácia pretendida. Sejam referidos aqui alguns desses aspectos pela sua relevância:
Regras orçamentais – São retomadas as regras orçamentais constantes da Lei de Enquadramento em vigor. Ora, a inadequação destas é por demais evidente já que o país está sobreendividado sem que essas regras tivessem sido aparentemente violadas. O limite de endividamento de 3% só se refere ao financiamento interno e o limite de dívida de 60% do PIB apenas considera a dívida de curto e médio prazos.
Em alternativa, poderiam ser adoptados como critérios o défice global de 5% após donativos e 80% para a dívida pública global, estabelecendo-se a obrigatoriedade de o Governo propôr um plano para a redução do rácio da dívida sempre que este ultrapasse o tecto estabelecido. Estes limites afiguram-se razoáveis, considerando o potencial de crescimento da economia, a convergência da inflação com a Zona Euro e o nível actual do rácio Dívida Pública/PIB.
Reconhece-se hoje em dia que são necessárias regras orçamentais, mas não convém manter regras que são ineficazes nem estabelecer regras que são violadas porque não atendem à realidade específica do país. Desde que sejam estabelecidas na lei as circunstâncias extrordinárias que podem levar a uma suspensão temporária do cumprimento das regras orçamentais e o quadro em que isso pode ser feito, pode-se ter regras orçamentais eficazes e que, ao mesmo tempo, permitem flexibilidade na gestão orçamental em caso de eventuais choques à economia.
No nosso caso, a necessidade de haver disciplina na gestão das Finanças Públicas decorre do próprio regime cambial adoptado e que assenta na paridade fixa com o Euro. Acresce que este regime cambial é intrinsecamente pro-cíclico, obrigando à manutenção de espaço orçamental e de um nível adequado de reservas externas com vista a fazer face a flutuações a nível da actividade económica.
Na sequência de derrapagem financeira dos anos 1999/2000, soubemos tirar a ilação necessária e reforçar a autonomia do Banco Central, clarificando a interdição do financiamento monetário do Estado. Saibamos agora, face ao excessivo endividamento público, tirar as ilações necessárias e consagrar limites eficazes na gestão das Finanças Públicas.
Avaliação independente do risco das finanças públicas e do cumprimento das regras orçamentais – Reconhece-se hoje que da arquitectura para uma eficaz gestão do risco macro-fiscal deve fazer parte a avaliação independente do cumprimento das regras orçamentais e da sustentabilidade das finanças públicas. Da proposta inicial do Governo submetida à consulta pública fazia parte a instituição de um Conselho de Finanças Públicas, já mencionado no Programa do Governo. Foi agora anunciado que esse Conselho irá ser criado através de legislação própria.
Em todo o caso, o modelo vazado na proposta inicial em que os membros do Conselho seriam nomeados pelo Primeiro Ministro não se afigura poder garantir a necessária independência e credibilidade à instituição. Um modelo alternativo podia consagrar o envolvimento da Assembleia Nacional, do Tribunal de Contas e, eventualmente, do Presidente da República na nomeação dos integrantes do Conselho.
Conteúdo do Orçamento, Mapas Orçamentais e anexos informativos– É aconselhável que o conteúdo das informações que devem constar do Orçamento seja fixado na Lei de Bases. À semelhança do que actualmente acontece, devem ficar na Lei os Mapas e anexos que devem obrigatoriamente integrar o Orçamento do Estado.
Directrizes Orçamentais– Na proposta do Governo, a preparação da Proposta de Orçamento inicia-se com a emissão das Diretrizes Orçamentais. Como foi referido no debate, recomendam as boas práticas que haja um Pre-Budget Statement. As Diretrizes Orçamentais podiam perfeitamente desempenhar esse papel, bastando para isso que fossem submetidas à Assembleia Nacional ou pelo menos publicadas no Boletim Oficial, estabelecendo-se para tal um prazo que pode ser, por exemplo, 31 de Maio. Outrossim, teria de ser estabelecido o conteúdo necessário dessas Directrizes:
Perspectivas Económicas e Financeiras
(Relatório sobre o Risco das Finanças Públicas)
Estratégia de Gestão das Finanças Públicas (Actualização)
Opções de Política Orçamental e Fiscal
Alocação de Recursos (em função dos programas)
A submissão das Directrizes Orçamentais à Assembleia Nacional ou a sua publicação no Boletim Oficial favoreceria a materialização do enunciado princípio da audição e a participação dos agentes económicos e da sociedade civil na gestão dos recursos públicos.
Segurança Social– Pela suaimportância, justifica-se que a Segurança Social tenha um tratamento especial, devendo ser apresentado um Orçamento da Segurança Social que tenha em conta o equilíbrio actuarial e a necessidade de garantir a sustentabilidade dos diferentes esquemas públicos de segurança social.
Se vierem a ser acautelados estes aspectos, o país ficará dotado de bases modernas para a Administração Financeira do Estado, propiciadoras da eficácia e eficiência da actuação do Estado e da estabilidade macroeconómica e com isso do próprio desenvolvimento.
Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 899 de 20 de Fevereiro de 2019.