Haverá forma de expor uma fragilidade mais desarmada do que esta: “Estou nas suas mãos”? Haverá uma forma de pedir, não importa o quê, mais delicada, mais tocante, do que dizer ao outro:” Estou nas suas mãos”?
E não é nas mãos de um familiar ou de um amigo, do gestor de contas ou da nossa médica, não. Estamos nas mãos de um desconhecido que, por força das circunstâncias, passa por nós por acaso e a quem, ainda por força das circunstâncias, um estúpido vírus decidiu nos unir. Ninguém quer ligações que não escolheu, nem quer estar nas mãos de um anónimo qualquer, mas a verdade é que não podemos determinar absolutamente nada, nem podemos exigir coisa nenhuma salvo pedir: Tome conta de mim. Estou nas suas mãos.
E se cada um de nós repetir a frase e puser em prática as recomendações, ordens, dos Serviços de Saúde, será a comunidade toda, as ilhas todas, o mundo todo a se proteger e, em consequência, a proteger o outro e, claro, a mim.
Por favor, lave as mãos. Não facilite a propagação da COVID-19. Não dê beijos e abraços. Mantenha-se a uma distância saudável do outro. Pratique o distanciamento social.
Por favor não espirre para as mãos. Toda a vida aprendemos a, perante um espirro, dizer: “saúde”, “santinho”, “Deus te salve” e outros epítetos semelhantes, aliás um costume comum a alguns países e eu sempre interpretei essa participação no espirro dos outros como um ato solidário, uma forma de ajudar o “espirrante” num momento às vezes altamente embaraçoso.
Depois, com as dinâmicas sociais, aprendemos que não é civilizado ou, minimamente educado e sobretudo, aceite, espirrar ou tossir para a cara dos outros ou para o ar, como uns desalmados, no gozo patético do seu espirro. De forma nenhuma. Isso chama-se selvajaria, em tempo do novo corona vírus e, daqui em diante, em outro tempo qualquer.
Então, generalizou-se o comportamento saudável e elegante, mais elegante do que saudável, de espirrar para um lenço. Para ser justa devo dizer que essa prática evitava atingir o próximo com o catarro e as gotículas que chegam com o espirro. No entanto, o lenço era um produto raro e, portanto, apenas para determinados grupos sociais. Para a maioria das pessoas eram apenas as mãos (quando usadas) que aparavam a expetoração e recolhiam a “lixarada” que chegava com o espirro.
De recordar que a seguir era com essas mãos que se dava um aperto de mãos em cumprimento solene ou amigável. E era ainda com essa mão emporcalhada que se fazia uma festinha a uma criança ou que se bebia café e comia um bolo. Foi há séculos? Não, foi há poucos dias. São gestos sociais que se enraizaram, apesar do alto grau de falta de limpeza que transportam, ou simplesmente falta de noção ou desinteresse de alguém pela imagem imunda que transmite, mas também por falta de cuidado pelo próximo e pelo ambiente.
Fiquemos atentos aos espirros dos outros, e aos nossos, porque se dantes apelavam à nossa gentileza ou solidariedade com um “santinho”, agora o que convidam é a um afastar da fonte do espirro ou da tosse de todos os que estão à volta. Mantenha-se afastado dos possíveis focos de contaminação. Isole-se. O tempo da COVID-19 não está para convívios e, perante a iminência de um espirro há formas civilizadas e recomendáveis para o exercer.
E querendo ser redundante: por favor lave as mãos que andam por aí soltas e agarram tudo o que contém sujeira. Basta imaginarmos as várias tarefas ao longo do dia, todas elas necessárias, mais íntimas ou não, e as poucas vezes que a maior parte de nós lava essas mãos, para termos uma ideia da imundície que se acumula (segundo opiniões, mais sujas que o tampo de um caixote de lixo). Basta pensarmos nas inúmeras coisas que pegamos para não estranharmos essa informação. De facto, lavar as mãos é sinal de civilidade, de espírito comunitário, de generosidade e responsabilidade, ou seja, é um sinal de que estamos atentos à proteção seja individual ou coletiva e do ambiente. Penso que podemos viver o momento presente em que a COVID-19 nos ameaça para ousarmos o início de novos desafios e comportamentos.
Estamos nas tuas mãos. Toma conta de nós.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 955 de 25 de Março de 2020.