O ano de 2019 foi o melhor ano de sempre para todos os indicadores do crescimento do turismo, incluindo receitas geradas, chegadas de turistas, número de emprego, entre outros. Porém, com o assalto do COVID-19 em finais do ano passado, esta pandemia causou uma crise sem precedentes para a indústria do turismo em todo o mundo. Estima-se que as chegadas internacionais de turistas devem reduzir-se entre 60 a 80 por cento em 2020, e os gastos com o turismo provavelmente não retornarão aos níveis anteriores à crise até 2024, numa óptica bastante optimista. O impacto no emprego poderá ser nefasto, pondo em risco cerca de 120 milhões de empregos, ou seja cerca de 30% de postos de trabalho em todo o mundo que dependem do turismo directa e indirectamente.
Em Cabo Verde, os dados registados pelo INE no primeiro trimestre deste ano apontam para uma quebra de quase 27% no número de turistas no país em comparação com o período homólogo, redução essa que aconteceu ainda em plena época alta que decorre até finais de Março. Porém, o impacto da COVID-19 só veio a ser deveras sentido em Cabo Verde a partir de finais de Março, com a declaração do estado de emergência, isto é, depois da época alta. Assim, o impacto negativo da COVID-19 no primeiro trimestre do ano foi relativamente moderado comparado com o expectável, dado o período relativamente tardio que esta pandemia atingiu Cabo Verde. Todos os demais indicadores em termos de ilhas preferidas, mercados emissores, taxa média de dormidas, preferência de alojamentos, etc., mantiveram-se de forma proporcional.
Não obstante, o INE ainda não ter divulgado dados estatísticos para o segundo trimestre do ano, estima-se que a quebra nos negócios do turismo e afins serão muito mais grave durante este período, considerando que o país ficou fechado ao exterior com a entrada em vigor do estado de emergência, a partir de 29 de Março. Esta situação constrangedora é confirmada no inquérito do INE da conjuntura de operadores económicos para o segundo trimestre de 2020. O sentimento dos operadores económicos confirma claramente que a situação futura no sector só vai piorar no próximo trimestre, já que “os empresários perspectivam a diminuição tanto da actividade das empresas como do volume do emprego, comparativamente ao mesmo período de 2019. Assim, é expectável que a redução no volume de negócios da indústria turística no segundo trimestre do ano, embora acontecendo na época baixa, vai ser muito pior do que no primeiro trimestre. Como a esperança é a última coisa que morre, espera-se que até a época alta que começará em Novembro, não haja nenhum novo surto da pandemia e que protocolos sanitários bem estabelecidos assim como algum solução curativa para o COVID-19 seja encontrada, já que não se prevê, segundo a OMS, encontrar uma vacina eficaz e fiável antes da segunda metade de 2021, para permitir a retoma, mesmo que tímida, da actividade do turismo internacional.
Algumas modalidades do turismo sofrerão mais do que outras. É expectável que o chamado turismo de massas e o turismo de cruzeiros serão dois dos segmentos mais atingidos, com enormes perdas em números de turistas e consequente quebras no volume de negócios, que certamente levarão a falências de empresas, grandes e pequenas, bem como a correspondente perdas de empregos daí advenientes. Como disse recentemente o Secretário Geral da OMT, os grandes números de turistas que caracterizavam o segmento de turismo de massas já é uma coisa do passado que poderá não retornar por muito tempo. Todo o turismo com hóspedes em estreitas proximidades uns dos outros e que não favorece o distanciamento social será particularmente penalizado. No caso do turismo de cruzeiro, o risco de infecção a bordo de um navio é muito elevado por causa das proximidades dos hóspedes. Como comunicou recentemente a Cruise Lines International Association (CLIA), que representa mais de 95% da capacidade de cruzeiro oceânico, “a indústria foi devastada pela pandemia. Cada dia que os navios ficam inactivos custa US $ 110 milhões em perdas de actividade económica.”
Estima-se que os segmentos do turismo que sofrerão menos serão aqueles de menos aglomeração, quer o segmento de alta gama ou o turismo de natureza, turismo de aventura, ou ainda o turismo rural onde é possível praticar com mais facilidade o distanciamento social. Os investimentos feitos em grandes resorts terão de ser repensados, reduzindo grandemente a lotação dos hóspedes e aumentado, claro está, os respectivos preços, por forma a garantir a rendibilidade da operação. Uma coisa é quase certa, o turismo de massa da gama “low cost” com alto volume de hóspedes e baixos preços, do tipo praticado em Cabo Verde e outros países concorrentes, já não é compatível com as restrições sanitárias impostas pela COVID-19. Paradoxalmente, esta sóbria realidade poderá significar uma oportunidade para os investidores em Cabo Verde elevarem a sua oferta turística para níveis mais comparáveis com outros pequenos países como as Seychelles, por exemplo, onde um turista da Alemanha, paga por uma noite, o valor que um turista alemão paga por uma semana em Cabo Verde! Isto pode significar uma grande oportunidade para o upgrade substancial do custo-benefício da nossa oferta turística no país. Há evidências que nos indiciam que antes da pandemia, o produto turístico de Cabo Verde estava sendo comercializado abaixo do nível de mercado internacional. Um claro exemplo disto é o facto dos hotéis de 5 estrelas que começam a aparecer cada vez mais no país, registarem taxas de ocupação mais altas das de gamas inferiores, bem como menos sazonalidade, não obstante practicarem preços mais altos. Embora a oferta do turismo cabo-verdiano ainda não esteja a nível de comandar os 700 Euros por dia (alojamento, alimentação e outras regalias) como nas Seychelles, 700 Euros por semana em Cabo Verde também está nitidamente abaixo do valor do nosso produto. Assim, os investidores em Cabo Verde, estão perante uma grande oportunidade para reconverterem seus estabelecimentos e reposicionarem a oferta turística de Cabo Verde a segmentos de turistas mais selectos e com poderes de compra compatíveis com a oferta e respectiva baixa densidade da taxa de ocupação exigida. Certamente, é uma proposta de valor win-win que tanto o investidor como o país ganham.
A expectativa é que a atenção será agora virada para o turismo interno, o que é uma grande oportunidade para finalmente valorizar a oferta interna, o que ironicamente é muito mais apreciada pelos estrangeiros do que pelos nacionais. Daí o novo conceito de turismo interno denominado “staycation”, ou seja o turismo de ficar em casa, na cidade ou no país.
No próximo artigo abordaremos as medidas sanitárias, económicas e de apoio às empresas que estão sendo tomadas em todo o mundo e em Cabo Verde para dinamizar a retoma do turismo e permitir os turistas conviverem em segurança no tempo da COVID-19.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 978 de 26 de Agosto de 2020.