Fonte dos operadores que estão em Cabo Verde disse ao Expresso das Ilhas que o regresso do turismo só acontecerá mais para o final do ano, mas com poucas certezas. Victor Fidalgo, consultor na área do turismo, desaconselha soluções como a do “corredor de segurança” que começa a ser testada na Europa.
Os operadores contactados pelo Expresso das Ilhas foram taxativos, o regresso do turismo a Cabo Verde depende dos voos e estes dependem das seguranças sanitárias que o país garanta. Apesar da TUI, empresa responsável pela maioria dos voos da Europa para Cabo Verde, ter o arquipélago na lista de destinos que pretende reatar, a partir do aeroporto de Birmingham, o Ministério das Relações Exteriores de Inglaterra continua a desaconselhar as viagens não essenciais, o que significa que algumas apólices de seguro de viagem serão inválidas. E isso é um rude golpe para Cabo Verde.
As questões de saúde estão, mais do que nunca, em cima da mesa quando um turista decide onde vai passar férias e, segundo fonte dos operadores que trabalham em Cabo Verde, o país não oferece ainda garantias, principalmente nas ilhas mais turísticas, de ter um sistema de saúde que garanta um atendimento de qualidade no caso de haver uma emergência. O que querem os operadores? Hospitais equipados e com bons recursos humanos.
Apesar de reconhecerem que é mais fácil o diálogo com a actual tutela, os operadores repetem o que já foi dito tanto por estudos como por vários especialistas nacionais, o turismo aconteceu em Cabo Verde e nunca nenhum governo criou uma estratégia. A Primavera Árabe fez com que os turistas fossem desviados para o arquipélago e as autoridades, referem os operadores, limitaram-se a aproveitar a galinha dos ovos de ouro dos impostos e da criação de emprego.
Nada de novo, estudos do Banco Mundial, ano após ano, vinham alertando para o facto de Cabo Verde ser um dos países mais dependentes do turismo e, ao mesmo tempo, um dos menos competitivos a nível mundial. Em 2012, um documento da instituição alertava para os perigos estratégicos reais enfrentados por Cabo Verde, um deles, agora profético, era que o sector do turismo era vulnerável ao colapso por eventos que minam a confiança do operador turístico no destino, como é o caso da actual pandemia.
Os operadores ouvidos pelo Expresso das Ilhas sublinham que o turismo não funciona como um interruptor, que é possível voltar a ligar e fazer com que tudo volte ao normal. Para já, sabemos que o regresso do turismo, ou pelo menos dos voos internacionais, só vai acontecer em Agosto, entretanto, destinos concorrentes, como as Canárias ou a Turquia, já estão a lançar campanhas agressivas para reconquistarem o seu lugar ao sol.
Nestas condições, referem, num país como Cabo Verde onde as condições sanitárias são más, será mais complicado que um operador arrisque atrair turistas para o arquipélago. Há também o risco da TUI decidir ir para mercados que são mais rentáveis ou que oferecem melhores condições, principalmente em termos de saúde. Ninguém arrisca, para já, avançar uma data para o regresso dos turistas, mas a projecção mais realista aponta para o último trimestre do ano.
Como reabrir, a questão fundamental
As Ilhas Baleares, em Espanha, estão a experimentar um modelo de retoma que oferece os chamados, “corredores aéreos”. Por estes dias, preparam-se para receber 10 mil turistas alemães, que chegam, são encaminhados para os hotéis, passam as suas férias, e regressam imediatamente para o país de origem. Sem quarentena, nem testes massivos.
O Expresso das Ilhas falou com o economista e consultor de turismo Victor Fidalgo, que não defende esta estratégia para Cabo Verde. “Essa forma de fazer turismo não seria desejável nem positiva. O Turista, se é verdade que tem como leitmotiv o usufruto do ambiente sol e praia, quer também poder sair para conhecer o local. Pelo menos ele quer ter essa liberdade. Se não a tiver, fica constrangido e pode decidir não visitar o destino. Antes da Covid-19, vimos que no Sal, os turistas saem em excursões para visitar Buracona, Salinas de Pedra de Lume, almoçando em Pedra de Lume, Buracona, Palmeiras ou no Nortenha (Espargos). Visitam o Café Bom Dia que se tornou uma referência nos Espargos. À noite, vão aos restaurantes do Américos, Cultural Café, Barracuda, Odjo d’Água, etc, onde além da culinária, consomem a nossa cultura, nomeadamente a música. Outros fazem excursões a vários pontos da ilha. Na Boa Vista, idem, visitam a praia de Santa Mónica, o deserto de Viana, o Norte da ilha, certos restaurantes à noite, etc. Ou seja, se o All- inclusive é a base da sua estadia nas ilhas do Sal e Boa Vista, tem havido um número crescente de turistas que procuram interagir com a vida real no sítio das suas férias e isso também dinamiza grandemente e economia local, criando muitos empregos e gerando rendimentos fora dos hotéis. Penso que as medidas que o governo está a tomar visam precisamente a preparação sanitária do destino, o que inclui não só os hotéis, mas também os vários restaurantes, bares e pontos de visita dos turistas. Acredito que numa segunda fase, esse trabalho de requalificação sanitária será estendido a outras ilhas, tais como Santiago, S. Vicente, Santo Antão e Fogo onde não existe o “all-inclusive” mas que a pouco e pouco estão ganhando o seu lugar como destino complementar ou diversificado dentro do produto Cabo Verde”.
O economista acredita na retoma do turismo, mas considera difícil conseguir projectar o volume desse regresso, até porque o contexto actual é de uma verdadeira “guerra económica”, com os principais países emissores a convencer os seus cidadãos a passar as férias no país ou pelo menos na Europa. “O Verão que já era fraco em Cabo Verde, vai ser mais difícil este ano”, diz Victor Fidalgo. “Além dos habituais países do Sul da Europa que são os nossos concorrentes tradicionais nos meses de Junho a Setembro, temos os demais países desse Continente a desencorajar os seus cidadãos de viajar, tomando medidas legislativas (interdição ou dificuldade de voos para fora do espaço europeu), exigências sanitárias especiais, etc)”.
Para o consultor, outro factor a ter em conta é a debilidade de Cabo Verde, tanto em matéria de equipamentos de tratamento da Covid-19, de gestão dos casos identificados no país, de ausência de especialistas nas várias áreas da saúde, como também do saneamento, da organização urbanística e de ocupação do território. “A nossa bandeira que era “Sal – ilha sem casos de Covid-19”, rasgou-se e pode até incendiar-se, se não formos rigorosos e firmes na aplicação das medidas necessárias. Como disse, o Governo está a trabalhar na qualificação sanitária do destino, a fim de dar confiança aos turistas, mas há que reflectir sobre os outros sectores que enformam o ambiente económico e social de Cabo Verde, enquanto destino turístico seguro. Contudo, temos grande esperança que a partir de Novembro, a nossa “época alta” poderá retomar-se progressivamente, mas nunca ao nível dos anos anteriores. Será uma retoma lenta e mesmo em 2021, estaremos ainda a recuperar da queda de 2020. Mas a vida não pára em 2021. Agora é o momento de, paralelamente à requalificação sanitária, urbanística, ambiental, etc., do destino Cabo Verde, intensificarmos os esforços na mobilização de investimentos privados externos para alargar a base da nossa oferta turística nas ilhas de S. Vicente, Santo Antão, Santiago e Fogo. Isso teria várias vantagens, económicas, sociais, demográficas e da melhoria do rendimento das pessoas”.
O consultor avisa também que não é o tempo para fazer experiências. Diversificar, sim, mas sem nunca esquecer o negócio principal do turismo cabo-verdiano. “Temos pouco a oferecer além do sol e praia. Devemos insistir e persistir não na substituição do sol e praia, mas sim no sentido de trazermos mais produtos complementares e enriquecer progressivamente o que temos como produto ou modelo inicial. As ilhas de Santo Antão, Fogo e Brava, jamais serão um destino de sol e praia. Mas terão produtos interessantes que já estão a atrair alguns turistas e, com o tempo, vão atrair muito mais. Há que qualificar os caminhos vicinais das montanhas de Santo Antão, Santiago e Fogo. Há que trabalhar seriamente na transformação da visita à Chã das Caldeiras, à Serra Malagueta ou ao Monte Verde numa aventura histórica e científica, ou mesmo a estrada Volta-Volta no Fogo ou a volta a Santiago, etc. Portanto temos muito que fazer e um grande espaço de progressão na criação de valor acrescentado turístico para além do sol e praia. Mas nada de veleidades”.
Fundamental, conclui Victor Fidalgo, serão as garantias que Cabo Verde deve oferecer se quiser ser, mesmo, um destino de férias a ter em conta. “Já havia um conjunto de medidas necessárias e identificadas em matéria de mais rigor na ocupação do solo e ordenamento do território, no limite da carga turistas por hectare, na urbanização e criação de espaços verdes, no saneamento e proteção ambiental, na habitação, na segurança de pessoas e bens, na criação de melhores infraestruturas de saúde e melhores condições de mobilidade entre as ilhas. Com esta crise de Covid-19, Cabo Verde deve, aliás já começou, abrir-se mais ao mundo, importando as melhores práticas no domínio do protocolo sanitário (processo já em curso), de certas especialidades de medicina, incluindo o fim definitivo da decisão arcaica que dificultava ou impedia os médicos estrangeiros de exercer em Cabo Verde e permitir ou mesmo encorajar o aparecimento de clínicas privadas, especializadas tanto na virologia que vai tornar-se uma exigência universal, como na traumatologia e outras áreas. A segurança sanitária tanto do ponto de vista saúde propriamente dito como de toda a cadeia alimentar e de entretenimento passa a ocupar o lugar de destaque e devemos dar prioridade a este aspecto. Só assim daremos aos turistas a confiança necessária e razões e vontade de viajar para Cabo Verde e interagir com as suas gentes”.
As últimas projecções da Organização Mundial de Turismo, publicadas no passado mês de Maio, mostram que, este ano, o número de turistas no mundo pode cair entre 60% e 80% por causa dos efeitos da pandemia.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 969 de 24 de Junho de 2020.