Cabo Verde na era da pandemia: uma Ameaça para a Democracia

A democracia, como qualquer outro sistema político, só faz sentido na medida em que serve para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Os seus logros históricos são inevitavelmente motivos mais do que suficientes para a sua implementação a nível global, quanto mais não seja pela sua capacidade de gerar prosperidade e liberdade.

Porém, nem tudo tem sido um mar de rosas para este sistema de convivência pacífica que, apesar dos seus desequilíbrios e limitações, tem sido capaz de proteger as liberdades individuais, forjar Estados robustos que amparam os mais débeis e favorecer o progresso de forma mais igualitária possível, como tinha vaticinado A. de Tocqueville.

Senão vejamos: se, por um lado, o aparecimento dos inimigos internos como a corrupção, os abusos de poder e o deterioramento de lideranças geram frustrações nos indivíduos, por outro lado, o ressurgimento de soluções extremistas que dizem acudir ao resgate do povo, das pessoas e/ou das nações face às injustiças do capitalismo, tendem a resvalar no recrudescimento de partidos xenófobos e racistas, sobretudo, no (des)norte da Europa.

Entretanto todos estes sistemas celebram eleições periodicamente.

A diferença é que nos modelos autoritários as eleições são controladas e manipuladas, enquanto que nos sistemas democráticos são livres e os governos são eleitos por um período limitado de tempo. Votar em liberdade constitui o maior logro da democracia, a sua maior grandeza.

Precisamente por isso, são muito importantes as eleições, porque desta forma escolhemos quem nos governa e como queremos que nos governem. E se este instrumento não funcionar então a democracia deixa de cumprir o seu papel fundamental.

É importante ter em conta tudo isto, sobretudo, com as eleições legislativas marcadas para daqui a um mês. Mas, mais ainda, pelo seu carácter ambíguo e único na história do nosso país: a da realização de eleições legislativas em plena Pandemia, com os seus contornos e variantes.

Passado um ano depois da Organização Mundial da Saúde ter declarado como uma pandemia à escala global, o vírus Sars-cov-2, comummente denominado de Covid-19, continua sem dar sinais de trégua, causando muito sofrimento e colapsando economias mundiais, mau grado algumas exceções.

Espera-se, contudo, uma maior solidariedade entre os países e uma providência divina para podermos ultrapassar esta catástrofe.

Se, por um lado, estas eleições são importantes para a estabilidade da nossa jovem democracia, por outro, assume um papel de relevância extrema num contexto cada vez mais complexo, com uma crise económico-financeira eminente tendo mais de metade da população activa a residir no estrangeiro sob a égide e auferindo o estatuto de diáspora.

É caso para se dizer que o partido vencedor destas eleições legislativas em Cabo Verde vai ter que governar numa situação de crise profunda e sobretudo vencê-la, mas também governar para aqueles que são os não-residentes. Escusado seria dizer que também eles estão a sofrer na pele esta crise, em primeiro lugar porque estão longe dos seus entes queridos e, depois, porque nem a Europa nem tão-pouco os EUA estão a desenvolver políticas de acolhimento para as comunidades imigrantes, derivadas as constantes e cíclicas crises que têm assolado os dois continentes.

Daí a necessidade de olhar para a nossa comunidade extraterritorial com novos planos e estratégias:

- O de incentivar a participação cívica (extremamente importante) através de uma plataforma em rede, onde os membros da diáspora possam participar directamente, expondo as suas preocupações, indicando os problemas que os afetam, mas também propondo as boas práticas nos seus respectivos países de acolhimento e estudar a possibilidade de serem aplicadas também em Cabo Verde;

- Criar condições para o voto on-line, porque infelizmente a não participação dos imigrantes na tomada de decisões, deve-se, em parte, à obrigatoriedade de ser votar presencialmente nas eleições e, além disso, o contacto com os partidos, movimentos cívicos e sindicatos são extremamente reduzidos, o que aumenta sobremaneira o sentimento de frustração e afastamento dos cabo-verdianos emigrados, daquilo que se vai passando em Cabo Verde;

- É necessário tirar partido das novas tecnologias de comunicação, para que os cabo-verdianos residentes na diáspora e não só, possam participar na vida política do país e assim darem o seu contributo.

Cabo Verde não pode ficar de braços cruzados perante esta realidade e os nossos candidatos a políticos têm de estar à altura das circunstâncias, afigurando-se perspicazes e capazes de congregar todos os recursos disponíveis para fazer face aos novos tempos, que se advinham nada fáceis, sem o risco de exclusão e por uma questão de honra ultrapassar esta crise.

A maioria dos países que reconhecidamente sempre ajudaram Cabo Verde, neste momento, as suas economias encontram em recessão e, nalguns casos, a situação é de alarme como é o caso de Portugal (nosso maior parceiro económico). Em suma, se os nossos amigos se encontram em dificuldades, como poderão nos ajudar?

Não obstante, com profunda preocupação, constato um silêncio total em relação a este facto por parte dos partidos que se candidatam para serem os nossos garantes, num momento crucial da nossa história democrática, furtando-se a qualquer debate com os nossos intelectuais e cientistas na diáspora e relegando-nos apenas o papel de injector de capital nos momentos de aflição, e algum que outro obsequio como tanto proclamam aos quatro ventos, tais “embaixadores da nossa cultura”.

Enquanto isto, os países ricos e industrializados estão a recorrer a fundos e mundos, alçando fronteiras entre eles e resgatando até velhas glórias de outrora como seus melhores recursos para se protegerem das intempéries desprevenidas.

Portanto, quanto mais tarde nos lançarmos na construção deste projecto, tanto mais tempo teremos de ver o vácuo de legitimidade ocupado pelos grandes países, os grandes poderes e as rotinas sem rosto dos lobbies, da burocracia e da tecnocracia.

Resumindo, para que estas eleições tenham alguma utilidade, seria recomendável que aqueles que pretendam governar o nosso país, nos explicassem como pretendem fazê-lo e com que armas e recursos.

O objetivo final destas eleições, não deveria ser o de ganhar, mas sim de governar, que ao fim ao cabo, é o verdadeiro propósito das eleições numa democracia.

Lucca, 3/03/21

João Pedro Tavares de Oliveira

Politólogo 

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Autoria:João Pedro Tavares de Oliveira,10 mar 2021 9:27

Editado porSara Almeida  em  8 dez 2021 23:21

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