Devido ao insistente apelo, por parte da organização do evento, para que estivesse presente, analisei as consequências pessoais e profissionais, acabando por anuir em deslocar-me a Marrocos e fazer a minha estreia internacional como representante do xadrez nacional.
A viagem de ida acabou por ser uma autêntica odisseia, pelo menos para a minha mala de porão, que só me chegou às mãos, mais de 24 horas depois de me ter hospedado em Marrakesh. Tudo porque a bagagem foi despachada directamente de S. Vicente para Marrakesh, embora tivesse feito escala e pernoitasse uma noite em Lisboa.
O certo é que no dia em que viajei de Lisboa para Marrocos, enquanto esperava na viatura que me levou ao avião, vi a minha mala ser colocada à boca do porão, pronta a ser carregada para a aeronave. Imaginem qual não é a minha surpresa, chegado a Marrakesh e, não encontrar a minha mala. Pensei logo que tinha sido furtada ao chegar a terras do Rei Maomé VI. O organizador do Congresso lá me acalmou dizendo que nos aeroportos de Marrocos ninguém rouba nada. Ou a mala estava perdida no aeroporto e iria aparecer ou então tinha ficado em Lisboa. Depois de ter visto a mala, antes da partida, junto ao porão do avião onde viajei, a hipótese da mala ter ficado na capital portuguesa, para mim, nem sequer era hipótese.
Mais tarde, regressado ao aeroporto marroquino para saber do paradeiro da bagagem, obtive como resposta a maior surpresa, o que eu achava impossível ter acontecido: a mala tinha ficado em Lisboa e seguiria no avião do dia seguinte.
Realmente assim aconteceu e embora privado de bagagem durante 24 horas, lá fui conhecendo e convivendo com alguns dos participantes do congresso, grande parte deles, meus homólogos nos respectivos países e que cumprimentei pela primeira vez.
Não posso deixar de relembrar que foi neste evento que conheci o velho coronel Michel Nguele Viang, que se me apresentou como sendo o presidente da nossa zona na FIDE e presidente da Federação de Xadrez dos Camarões. Foi através dele que outros dirigentes africanos me foram apresentados. Embora discordantes em relação a algumas politicas do xadrez africano, sempre mantive uma relação de amizade e cordialidade com este saudoso amigo, desaparecido o ano passado.
A Bengala - Pres. Fed. Mali, Pres. Fed. Sudão, Organizador e eu, com a bengala oferecida, na mão direita)
No Congresso, a minha intervenção, efectuada em língua francesa, porque ao contrário do que era indicado na programação, não havia tradução de e para a língua de Camões, foi bem acolhida pelos restantes presentes e deixou-me satisfeito por verificar que me estava a “entrosar” bem com os restantes dirigentes Africanos.
Os diversos intervalos que fomos tendo, foram sempre aproveitados para algumas trocas de ideias, a 2 a 3 ou a 4. Eu, particularmente, interessado em melhor conhecer os restantes dirigentes.
Num desses momentos travei conversação com o presidente da Federação do Mali, ele também com uma deficiência física, e que, tal como eu, fazia-se acompanhar de uma bengala. Durante este congresso, acabamos por nos encontrar e conversar por diversas vezes até que, numa delas, estava também presente o principal organizador do evento, quando chega até nós o presidente da federação do Sudão. Falando árabe, solicita ao organizador que traduza para o francês o que tinha para nos dizer. Assim, começa por dizer que traz, da sua terra natal, uma lembrança para nós, mas para não interpretarmos mal, pois tinha trazido lembrança igual para os outros participantes.
Acrescentou que no país dele só quem for “gente importante” é que é portador do utensílio que nos estava a oferecer.
Feita esta introdução e explicação, entrega ao meu homólogo maliano, primeiro, e depois a mim, um pequeno e comprido embrulho.
Desembrulhadas as ofertas, verificamos tratarem-se de duas bengalas, uma para cada um de nós.
Percebi então o seu receio em que tivessemos uma interpertração errada fa lembrança oferecida.
No regresso a Cabo Verde, depois de cumprida a missão, vim com a satisfação de que se um dia for ao Sudão, serei gente importante, bastando para isso não me esquecer de levar a bengala oferecida pelo meu homólogo sudanês, naquele Verão de 2018 em Marrakesh.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1036 de 6 de Outubro de 2021.