Essa Cimeira que ocorreu num momento particular por causa da pandemia da Covid-19 que assola o mundo deve constituir uma viragem nas relações entre a Europa e a África tanto do ponto de vista político como do ponto de vista económico e social, devendo os dois continentes trabalhar, conjuntamente, para uma verdadeira Parceria «win-win», como, aliás, fez questão de frisar, na abertura dessa Cimeira, o Presidente da União Africana, Mack Sall, que, também, é Presidente do nosso vizinho Senegal.
Os desafios que o continente africano enfrenta para conseguir o seu desenvolvimento económico e social são enormes e a Europa tem todo o interesse, geopolítico e económico, para apoiar a África a ultrapassar os problemas que enfrenta e que travam o seu desenvolvimento.
Sendo a África um continente rico em recursos minerais e cada vez mais procurado por investidores de potências económicas mundiais, como a China e os Estados Unidos da América, a Europa tem a consciência que caso não apoie o continente africano para ultrapassar os problemas que enfrenta como, por exemplo, pobreza desemprego jovem, problemas com a saúde, educação, instabilidade política, democracia, violação dos direitos humanos, a almejada «Parceria renovada» que ambas as partes pretendem não passará de simples intenções.
É que, não pode haver uma verdadeira Parceria Estratégica entre os dois continentes, enquanto a África continuar na situação de dependência e mãos estendidas para sustentar o seu processo de desenvolvimento.
A pandemia da Covide-19 veio revelar um continente africano incapaz de ajudar as suas populações, nomeadamente no plano vacinal e pôs a nu a fragilidade sanitária desse continente. Apesar da iniciativa Covax, da Organização Mundial da Saúde, OMS, a África é o continente que recebeu menos vacinas e continua com o risco de agravamento dessa pandemia.
Na verdade, as poucas vacinas que chegaram ao continente africano foram doadas, a conta-gotas, por alguns países, nomeadamente, europeus, que, entretanto, recusam a autorizar o levantamento das patentes das grandes indústrias farmacêuticas para permitir os países africanos a fabricar as suas próprias vacinas. Essa situação de vulnerabilidade, demonstra que a África deve dar um grande impulso no seu processo de desenvolvimento para poder estar em condições de estabelecer uma Parceria com a Europa. E, a Europa deve contribuir para essa nova alargada do continente africano se, efetivamente, como parece, deseja uma Parceria estratégica, pragmática, com resultados concretos e palpáveis com a África.
A Europa comprometeu-se, na Cimeira de Bruxelas, em apoiar a África com 450 milhões de euros para acelerar o processo das vacinas, apoiar na produção das vacinas e na formação das equipas de vacinação. Comprometeu-se, ainda, a apoiar a transferência de tecnologias para seis países do continente africano que passarão a fabricar as suas próprias vacinas, através do chamado ARM Messenger Hub, e apoiar o continente africano. Mas o que pretendia, e ainda pretende, o continente africano é o levantamento das patentes para que os países africanos possam fabricar as suas vacinas sem o pagamento dos direitos de propriedade intelectual às farmacêuticas. Essa pretensão legítima dos africanos foi recusada.
Outro resultado prático saído dessa Cimeira é o compromisso da europa em investir cerca de 150 milhares de euros nas infraestruturas em África, nomeadamente na eletricidade e nos transportes, até 2030. Muitos consideram esse pacote financeiro insuficiente para um continente que precisa de industrializar e resolver os graves problemas de infraestruturas transportes e outros, imprescindíveis ao seu desenvolvimento.
As questões migratórias, particularmente, a migração dos jovens da África para a Europa e a política de incentivo ao regresso desses jovens aos seus países, também mereceu a atenção da Cimeira tendo as partes chegado a um entendimento de que é preciso investir muito mais em África e criar oportunidades aos jovens africanos para encontrar trabalho no seu próprio continente. Para tanto, é preciso apostar na formação dos jovens e criar-lhes oportunidades de trabalho digno no solo africano.
Aliás, a preocupação com a juventude africana e a necessidade de investir mais nos jovens foi o foco da quinta Cimeira Europa- África que teve lugar em Abidjan, Costa de Martim, de 29 a 30 de novembro de 2017 e que ainda debruçou sobre a problemática da paz e segurança em África, democracia, boa governação e dos direitos humanos.
A Cimeira de Abidjan, a semelhança do que aconteceu com a presente Cimeira de Bruxelas, debruçou ainda sobre a necessidade de uma Parceria África- Europa onde todas as partes são tratadas em pé de igualdade e onde cada parte que recebe dá a outra parte a sua contrapartida. É essa a essência de uma verdadeira Parceria que as partes almejam.
Mas, se é verdade que essa Parceria é desejável e vantajosa para ambas as partes, não deixa de ser verdade que a África precisa de resolver os problemas que entravam o seu desenvolvimento, nomeadamente, instauração de um Estado de direito democrático, boa governação, transparência, respeito pelos direitos do homem, combate a pobreza, com a consequente redução das desigualdades sociais, enfim, a África precisa de alinhar a sua política com a Agenda 2030 das Nações Unidas sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
É evidente que se a África pretende um novo quadro de Parceria com a Europa, diferente do Acordo de Cotonu, (Acordo que vigorou até 2020 e que enquadra as relações de cooperação entre a Europa e os países ACP- África, Caraíba e Pacífico) que condicionava o apoio aos países ACP à implementação de determinados valores, como a democracia, boa governação e os direitos humanos, nesta fase «pós-Cotonu» a África deve estar à altura dos desafios de uma Parceria com vantagens recíprocas e sem condicionalismos. É esse o caminho, é esse o verdadeiro challenge que se espera da África e dos seus dirigentes.
Outros desafios dos novos tempos que a África deve preparar-se para enfrentar, com sucesso, prendem-se com a transição energética, economia verde e os problemas ambientais. A África não pode perder mais oportunidades sob pena de perder definitivamente o comboio do desenvolvimento. Os sinais são bons e é preciso acreditar em África.
Os africanos têm o dever histórico de construir um futuro próspero para o seu povo. Cremos ser esta a vontade dos participantes da Cimeira Europa- África que vem de terminar.
A adoção de mecanismos de implementação e acompanhamento das decisões saídas dessa Cimeira testemunha a vontade das partes em remover os obstáculos que neste momento travam uma verdadeira Parceria entre a Europa e a África. E, por isso, há razões para estarmos otimistas quanto ao futuro dessa Parceria.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1056 de 23 de Fevereiro de 2022.