Certamente que as conversas políticas abordaram ainda outros pontos que dizem respeito à situação na nossa sub-região e da própria Organização perante os múltiplos desafios e ameaças que fazem o seu quotidiano. Nesta pequena contribuição, pretendo me debruçar sobre a forma como iremos abordar e resolver os graves desafios e ameaças do momento, uma preocupação maior na sub-região.
Com efeito, a Organização encontra-se a braços com agressões terroristas a vários países membros, golpes de Estado militares (contra Poderes estabelecidos e considerados legítimos), países sob sanções, democracias em construção espezinhadas e o lançamento sub-reptício e com contornos de perfídia, juntando entidades e interesses estranhos à região, de uma moeda regional, instrumento de poder essencial para qualquer economia ( ECO, do nome da moeda em processo de criação pela CEDEAO para os seus membros). Sem falar que a nossa sub-região está ainda enfrentando uma pandemia mortífera e duradoura, os impactos devastadores e de consequências incalculáveis das mudanças climáticas e as devastadoras consequências, ainda por avaliar, da guerra na Ucrânia. A nossa região, sem dar por isso, está a descer lentamente os nove círculos do Inferno de Dante Alighieri.
Nestes tempos de ameaças concretas e profundas mudanças para o mundo, a CEDEAO não pode contentar-se com a aplicação cega dos textos da sua Carta e dos Protocolos que regulam a sua ação há já vários anos. A Comissão deve poder ajudar a fazê-los evoluir e adaptar-se às situações novas e disruptivas que se apresentam à sub-região e aos seus países. A CEDEAO, longe de ficar nas mãos de dois ou três Chefes de Estado para decisões que engajam o devir da região deve ser capaz de se transformar num instrumento de adaptação e transformação ao serviço de todos e não um meio de paralisação ou de atraso dos demais. Este é o momento em que devemos, todos os membros da CEDEAO, refletir profundamente e nos prepararmos para mudar a nossa forma de pensar a integração, a nossa maneira de cooperar e de nos relacionar uns com outros, dando mais consistência à solidariedade e acreditando mais no bem comum coletivo para além dos interesses estritamente nacionais. Pois, se não somos iguais nem pelo tamanho, pelo número da população, nem ainda pela riqueza e outros possam ser mais iguais que outros, como diria George Orwell, podemos, entretanto, escrutinar vias novas e caminhar juntos, ajudarmo-nos mutuamente e ter as mesmas ambições de desenvolvimento para cada um de nós e para a nossa região.
Cabo Verde, segundo o Economista Carlos Lopes, representa 3% da economia da Nigéria. Isto é somos «Peanuts» para este enorme país. Mas o nosso país tem experiências e valores em diferentes domínios que podem servir a Nigéria ou outros países da região. Num processo de integração nos nossos dias, não se pode contabilizar na balança só o peso económico, pois, as mais valias da democracia cabo-verdiana e as suas transições e alternâncias de poder pacíficas, o «savoir-faire» das indústrias criativas e do turismo, os avanços tecnológicos e as suas aplicações em diferentes domínios, as riquezas estratégicas do mar podem ser também contabilizados e valer como bens do património nacional e regional de reconhecido valor, na partilha de responsabilidades ou de benefícios a qualquer altura. Para que essas mais valias possam ser levadas em conta, devemos saber que é preciso ainda muito esforço para acabar com o menosprezo consciente e caricatural e a desvalorização subtil, mas intimidante daqueles que se vestem do seu tamanho em relação aos pequenos num mundo onde ser Grande exige mais do que ser um travesti. Mas perante os perigos que enfrenta a nossa sub-região, só a nossa defesa comum (que exige união, partilha de informação e conhecimento e, seguramente, complementaridade ativa e de confiança), deveria incitar-nos a reforçar os nossos laços de amizade, complementaridade e cooperação e a pôr em comum as nossas inteligências e expertises.
Não podemos perder mais tempo perante os perigos do narcotráfico que aumentam e vêm quantas veze do mar, perante pandemias que hoje sabemos poderem surgir a qualquer momento e as consequências da guerra na Ucrânia que ninguém sabe onde poderá levar o mundo. Perante esse cenário, devemos trabalhar para que os sucessos de uns possam repercutir-se nos outros da mesma forma que as mortes intoleráveis de refugiados às portas da Europa afetam a todos. Hoje, após o Brexit que fragilizou a UE e a guerra na Ucrânia que está permitindo o reforço da NATO, compreendemos que para construir a integração dos nossos países Oeste-africanos, não temos que seguir as pisadas de nenhuma outra Organização.
Temos que criar a cada dia o nosso próprio devir, mantendo os nossos objetivos e reforçando as nossas capacidades e juntos negociarmos as nossas mais valias, para materializarmos os nossos sonhos. Devemos nos convencer que o futuro não pode estar no rearmamento e/ou na hostilidade permanente. O futuro só pode residir na busca da Paz, na resolução pacifica dos diferendos e numa cooperação sã entre Estados caminhando pelas sendas da boa-fé e da vontade política. De outra forma, não nos enganemos, não pode haver futuro. Depois de cada uma das duas guerras mundiais e constatando as terríveis atrocidades cometidas e a escala assustadora das destruições, o compromisso em geral foi sempre: «Nunca mais isso». Quem nos garante hoje que não nos dirigimos para a pior de todas as guerras, porque nuclear? Alguém estará a querer justificar por outros meios, o fim da história de Fukuyama? Hoje sabemos que um iluminado pode chegar ao poder numa superpotência e literalmente, ficar com a segurança de todos sob a sua alçada. Mais uma vez, a presente geração deverá temer o futuro?
Pensemos juntos o nosso futuro oeste africano e saibamos ultrapassar em conjunto os obstáculos que se nos deparam. Muitos desses, estão há muito tempo identificados, esperando por decisões políticas ou pela implementação das mesmas ao nível dos Estados membros. Poderá haver melhor momento para essa verdadeira revolução pacífica que este que a conjuntura regional e mundial nos oferece? Cabe aqui referir que a integração regional afinal reside no pôr em comum das capacidades, das experiências e das inteligências, a fim de criar maiores oportunidades visando o bem-estar de todos.
Aquando de um simpósio em Dakar, há alguns tempos atrás, um Comissário da nossa Organização, Sr. Hamid, pôs em relevo um dos males que nos gangrena dizendo o seguinte: «Não há interesse em questões de produção, de criação de riqueza. Não nos entendemos sobre o que produzir, quanto, quando e como o produzir. Não nos reunimos para procurar soluções desta forma, contentamo-nos com estratégias com orientações, objetivos gerais (...)» E continuou deplorando: «No final do período de planeamento ou da implementação dos planos, ao fim ao cabo, vemos que não há nada na área da transformação, industrialização, criação de recursos».
É de se acreditar que ainda neste início do seculo 21, após tanto tempo depois das nossas independências, temos barreiras no nosso espírito que nos subjugam, que nos interditam de pensar de forma libertadora e consciente, mas sobretudo, de forma ousada. O que será isso? Devemos questionar o nosso processo de educação que anda às cegas ou a ideologia muitas vezes restritiva e intolerante que pomos ao serviço do Estado?Que avanços sérios podemos esperar após tantos anos de letargia desintegradora? Como obrigar os Estados a cumprirem com as suas próprias decisões? Há poucos dias, o Tribunal da Justiça da CEDEAO reuniu-se na Praia e ouvimos muitos discursos não só interessantes como esclarecedores sobre os poderes e limites desse órgão regional e o caminho que resta a percorrer para a sua plena realização.
Somos na CEDEAO, a grande maioria de nós, países frágeis pelas nossas economias de escala, políticas muitas vezes inapropriadas e a extrema pobreza que grassa entre nós. Mas devemos realizar que juntos temos mais riqueza que qualquer dos Estados do G7. Não são riquezas minerais que nos faltam, mas sim a capacidade de pensar estrategicamente as vias e meios do nosso progresso coletivo e do nosso bem-estar comum.
Por isso, e se queremos verdadeiramente construir um futuro melhor para os filhos da região, devemos evitar o que nos enfraquece e consolidar o que nos une e nos torna mais fortes porque iremos precisar de força e de união no futuro próximo. Imposta nos tempos da guerra fria por estrategas presos nas redes armadilhadas das rivalidades dos outros e de interesses individuais estritos, a ideia que temos de nos mesmos, tem de mudar. Enquanto Estados procurando uma integração viável e de todos, não nos devemos ver antes de tudo como grandes, nem pequenos, nem ricos, nem pobres, mas sim como peças complementares de um mesmo puzzle, Nações solidárias e destinadas a unirem-se, povos convivendo com o mesmo historial de sofrimento esclavagista e de grandeza imperial, assumindo a nossa extraordinária história comum, partilhando dos mesmos dramas e das mesmas esperanças. Não podemos tornar a história nem antiga, nem recente, em mais um elemento de contradição ou de rivalidade, ou pensarmos que podemos ficar desprendidos perante o infortúnio dos outros. Pois, todos, podemos sofrer, com as mudanças climáticas, desastres repentinos, de escala descomunal e precisar de ajuda alheia célere e prestável. Devemos acreditar que somos uma comunidade só, sonhando todos os mesmos sonhos de liberdade, de progresso e de modernidade, visando todos o mesmo futuro de paz e harmonia social numa região que nos pertence a todos, com os seus desequilíbrios e suas dinâmicas e que nos amamos.
Em cada um dos nossos países e aqui em Cabo Verde, devemos nos interessar mais por aquilo que se passa na nossa sub-região, porque somos vizinhos e não podemos fugir da desgraça que possa atingir a casa ao lado. Porque somos ligados a essa região pela história, pelas migrações, pelos flagelos climáticos ou não e não podemos também fugir a esse fato.
Claro que ao nível regional, temos dificuldades enormes de toda a ordem (as nossas sociedades são complexas e cheias de reminiscências e possivelmente de rancores que ainda não conseguimos ultrapassar) para podermos estar senão em pé de igualdade, pelo menos juntos e vibrando com a mesma assunção de integração. Pois se queremos preservar o nosso futuro devemos saber porque estamos na CEDEAO e lutar por ela em consciência. Teremos de encontrar atalhos salvadores com presteza, pois o tempo não labora a nosso favor.
Os eventos marcantes da atualidade e as ameaças cada vez mais precisas na cena internacional e na região devem ensinar-nos algo que ninguém nos vai ajudar a compreender. Desses eventos e ameaças, devemos reter que o mundo que nos espera num futuro breve, não será nem mais pacifico, nem mais benevolente para connosco. As Superpotências de hoje, longe de procurar fundar as suas relações na cooperação e na busca da paz, devido as ameaças globais que a todos interessam e interrogam, como as mudanças climáticas ou a luta contra as pandemias, mostram-se cada vez mais interessadas em enfraquecer ou derrubar o adversário em vez de cooperar na paz para o bem comum. As suas relações muito antes da guerra na Ucrânia já estavam enfermas de pesadas suspeitas e confrontações veladas em teatros de operações como a Líbia ou a Síria e mesmo hoje, no Mali.
A ONU parece ter-se tornado uma concha vazia, sem prestígio, sem autoridade e sem valor justamente quando nunca foi mais precisa e mais valiosa. Procura-se culpar o Secretário-Geral quando são os membros do Conselho de Segurança que têm responsabilidades na presente situação por não terem sabido antecipar, prevenir e evitar ao mundo ser colocado a beira do precipício. Isso lembra-me o destino reservado a Boutros Boutros Ghali, um brilhante filho de África que só queria ter mais autonomia nas suas decisões e poder refletir fora do padrão imposto. Foi impedido de fazer um segundo mandato à frente da ONU apesar dos muitos sucessos que teve no primeiro.
O mundo, nesse contexto de rivalidades exacerbadas dos Grandes e de uma imprensa mundial eurocêntrica e conservadora, cada vez menos plural e menos objetiva, será sim mais hostil e mais despreocupado do que nunca com o nosso destino coletivo. Nesse contexto perigoso que parece privilegiar ou evidenciar o direito da força em detrimento da força do direito, poderão surgir mais políticas de influência, de hegemonia, de divisão e de captação das riquezas de África. Nunca antes talvez, tivemos mais necessidade de nos unir de facto, de partilhar em consciência as nossas prioridades e de nos defender juntos. Trata-se, quanto a mim, de uma exigência histórica, sem o que devemos esperar o pior para todos e só se trata aqui de sublinhar uma evidencia, pois há muito a fazer e pouco tempo para lá chegar. Se alguns dos países membros escolherem resolver individualmente os seus problemas com parceiros privilegiados e deixar de lado as soluções coletivas, estaremos escolhendo mais uma vez parcerias externas pontuais, em detrimento da nossa Organização regional e travando, uma vez mais, a marcha da integração num momento critico.
A nossa salvação, que será coletiva ou não será, reside numa integração renovada, bem pensada, igualitária, aceite e promovida por todos para ser bem-sucedida. O status-quo atual na região está prenhe de riscos existenciais.... Devemos evoluir, mudar ou desaparecer.
Só entendendo, como uma exigência premente, a nossa objetiva interdependência e o nosso destino coletivo comum, poderemos vencer as ameaças e perigos do lento afundamento da nossa Organização e trabalhar seria e afincadamente ao nosso ideal de integração. Cada um dos seus Membros tem hoje um papel crucial a desempenhar nesse sentido e isso só será possível, combatendo de forma resoluta os nossos próprios males e desacertos internos a cada Estado, pondo de lado as desconfianças, as suspeitas e os ressentimentos a nível externo e entrando resolutamente num diálogo aberto, franco e frutífero entre os membros, incluindo, alem dos governos, os académicos e as sociedades civis.
Devemos dar mais atenção e combate aos perigos e estratagemas vindos de fora da nossa Organização; devemos melhor nos defender contra os perigos da nossa divisão sob uma forma ou outra. Devemos coletivamente prestar mais atenção a tudo que possa levar ao isolamento de qualquer dos nossos membros. Perante os perigos importados e os conflitos terroristas que se alastram, devemos dar uma prioridade absoluta ao diálogo sobre as sanções e à solidariedade sobre a desunião, estudando cada caso e recomendando sempre as soluções apaziguadoras em detrimento das decisões que prolongam as incompreensões e as divisões e perpetuam o status-quo. Não esqueçamos que antes de sermos países membros de uma Organização, somos países irmãos. Devemos estar todos, os membros/irmãos da CEDEAO em estado de alerta perante a situação periclitante na nossa sub-região e com a nossa Organização regional doravante em perigo avançado de falhanço, se não queremos reviver os grilhões do passado e se queremos que a nossa integração se torne uma realidade de todos e para todos.
Nha Nacia Gomi ([1]) dizia «Sima nu sta nu ka pode fika, sima nu kre nu ka pode sta…» ([2]). Uma saída a essa situação tem de ser encontrada.
A CEDEAO não pode desaparecer porque somos nos todos a seiva da sua sobrevivência e obreiros do seu destino.
[1]() Célebre artista tradicional de Cabo Verde, cantora de Finaçon, do Batuque, um género Santiaguense do património musical cabo-verdiano.
[2]() «Como estamos não podemos ficar, como queremos não podemos estar»
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1069 de 25 de Maio de 2022.