Uma leitura da Democracia Cabo-Verdiana com base em indicadores

PorJosé António dos Reis,13 fev 2023 9:43

“As democracias estão em declínio ou estagnadas diante de um contexto global em rápida mudança. Mesmo os países anteriormente considerados democracias ‘estabelecidas’ têm vulnerabilidades que não podem ser ignoradas. Ao mesmo tempo, os regimes democráticos não defenderam de forma convincente que podem oferecer o que as pessoas precisam” O Estado Global da Democracia 2022 - Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA)

Ultimamente, foram publicados vários relatórios sobre o estado da democracia, da liberdade de expressão e económica, da participação cívica, da segurança e justiça, da liberdade de imprensa no mundo, destacando-se os da Mo Ibraim, da Freedom House, da The Economist Intelligence, do Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA), sem, no entanto, deixar de mencionar a da Afrosondagem, uma entidade sedeada no país.

O relatório do IDEA sobre o Estado Global da Democracia 2022, de alguma forma corroborado por outros, nos dá conta que a democracia global se encontra sob ameaça e declínio. O IDEA afirma, de forma categórica, que “o número de países que caminha para o autoritarismo é mais que o dobro do número que caminha para a democracia”, e ao mesmo tempo que assinala que a “fé das pessoas na importância e eficácia das instituições democráticas está diminuindo de forma preocupante”,o que deixa subentendido que há necessidade de medidas inovadoras para inverter o curso da atual tendência.

Cabo Verde, embora não esteja numa situação preocupante, terá de estar atento às manifestações que se apresentam em alguns indicadores constantes desses relatórios.

O nosso país aparece no relatório sobre o Estado Global da Democracia 2022, estando cotado como “país democrático”.

Pontuação de Cabo Verde no Relatório do IDEA

Governo Representativo Direitos Fundamentais Fiscalização do Governo Imparcialidade da Administração Engajamento e Participação
0,80/1 0,67/1 0,70/1 0,57/1 0,61/1

As cotações mais baixas obtidas por Cabo Verde, que variam de 0 a 1, incidem sobre a imparcialidade da administração e a participação dos cidadãos na gestão pública.

No relatório Mo Ibrahim, um documento de carácter regional, Cabo Verde encontra-se classificado na 4ª posição, atrás das Maurícias, Seychelles e Tunísia.

Pontuação de Cabo Verde no Relatório da Mo Ibrahim

Melhor Pontuação Pior Pontuação
Segurança Direitos Administração Pública A infraestrutura Ambiente Empresarial e Trabalhista Anticorrupção
89,2 84,5 83,5 54,2 59,2 59,7

Nesse relatório regional, Cabo Verde tem uma boa cotação nas categorias de segurança, direitos e administração pública, mas apresenta desempenho menos positivo na esfera de infraestruturas, ambiente empresarial e de trabalho, incluindo medidas anticorrupção.

Importa, no entanto, referir que Cabo Verde teve um desempenho acima da média continental em todas as subcategorias e se encontra entre os dez primeiros lugares das 14, num total de 16 subcategorias em 2021.

Cabo Verde é cotado no relatório da Freedom House como um “país livre”, destacando-se como um dos melhores em África.

Pontuação de Cabo Verde no Relatório da Freedom House

Cabo Verde Liberdade Global Direitos Políticos Liberdades Civis
92/100 38/40 54/60

O país é referido neste relatório com uma classificação muito positiva, sendo sublinhado que se trata de uma “democracia estável, com eleições competitivas e transferências periódicas de poder entre partidos rivais”. Merecem ainda destaques o facto de o país respeitar e proteger as liberdades civis. Porém, o relatório também salienta que “o acesso à justiça é prejudicado por um sistema judicial sobrecarregado, e o crime continua a ser uma preocupação”. Para além desses aspetos sublinhados, o relatório acrescenta que as “desigualdades persistentes para as mulheres e os trabalhadores migrantes” constituem problemas por solucionar.

Já no relatório da “The Economist Intelligence”, Cabo Verde é classificado como uma “democracia imperfeita”, sendo segundo em África, logo atrás das Maurícias, o único país no continente africano a ser considerado de “democracia completa”.

Pontuação de Cabo Verde no Relatório de The Economist Intelligence

Pontuação geral Processo Eleitoral e Pluralismo Funcionamento do governo Participação Política Cultura Política Liberdades Civis
7,65 9.17 7.00 6.67 6.88 8.53

O desempenho menos conseguido de Cabo Verde, neste relatório da “The EconomistIntelligence”, prende-se com os fatores “participação e cultura política”.

Embora os documentos aqui analisados estejam a medir categorias e dimensões, em alguns casos, distintas, não deixa, contudo, de ser verdade que convergem em vários aspetos, quer em termos de apreciação positiva, quer na de negativa.

Nesse particular, importa destacar que Cabo Verde obtém nesses diferentes relatórios o status de país “democrático”, “livre” e de “democracia imperfeita, sendo cotado, praticamente em todos, como um dos primeiros em África.

No entanto, há um ponto mais ou menos comum em todos os relatórios: a participação cívica é identificada como um dos handicaps do país.

Aliás, a problemática de participação dos cidadãos é um dos requisitos para obtenção da classificação de “boa governação” que na perspetiva das Nações Unidas se define como um modelo de governação em que “os recursos e problemas públicos são geridos de forma eficaz, eficiente e em resposta às necessidades críticas da sociedade”. Para além disso, as Nações Unidas sublinham que as “Formas democráticas eficazes de governança dependem da participação pública, prestação de contas e transparência.

Outrossim, se juntarmos os dados revelados pelos relatórios internacionais aos que a Afrosondagem publicou recentemente, teremos certamente elementos que devem não só chamar a nossa atenção, mas que seguramente reclama da nossa reflexão.

Dados da Afrosondagem

Cabo-verdianos pouco ou nada satisfeito com a democracia Cabo-verdianos que acham que somos uma democracia com grandes problemas Cabo-verdianos consideram que os políticos nunca/poucas vezes fazem o melhor para ouvir aquilo que o povo tem para lhes dizer Cabo-verdianos que aprovariam que apenas um partido político fosse autorizado a concorrer em eleições e a governar
70% 42% 80% 22%

Os indicadores da Afrosondagem dizem que cerca de 70% dos cabo-verdianos estão pouco ou nada satisfeito com a Democracia. Estes dados, de alguma forma, mantêm alto o nível de insatisfação com a democracia, já verificado em 2019. Relativamente à auscultação dos cidadãos por parte dos políticos, cerca de 80% acham que os cidadãos não são ouvidos.

Mas, nesses dados da Afrosondagem, o que mais chama atenção, não é o facto de haver 42% que diz que somos uma democracia com grandes problemas; o que mais “preocupa” é o facto de se constatar que existe na nossa sociedade democrática cerca de 22% de cidadãos que se declaram que não se importariam em aprovar um regime de partido único, ou seja: não se importariam em aprovar uma ditadura ou solução autoritária.

Temos, pois, um misto de esperança e de apreensão, na linha do que está espelhado no documento sobre o Estado Global da Democracia 2022, que, antecipando o que eventualmente está para vir, propõe aos países que estabeleçam um CONTRATO SOCIAL que permita inverter “o declínio da fé pública no valor da própria democracia”, e, ao mesmo tempo, sugere, em termos de conteúdo do que deverá ser o contrato social, quando afirma que “O cerne de qualquer contrato social é que os cidadãos consentem em ser governados em troca de certos bens básicos fornecidos por aqueles que governam” ou seja, e de forma mais específica: “Os contratos sociais são acordos implícitos sobre o que os governos fornecem ao seu povo em troca de legitimidade pública”.

A grande dúvida lançada no documento é a seguinte: a democracia se compagina e se fortalece com desigualdades socialmente inaceitáveis?

Cada um que responda como entender! 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1106 de 8 de Fevereiro de 2023.

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Autoria:José António dos Reis,13 fev 2023 9:43

Editado porAndre Amaral  em  13 fev 2023 9:43

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