Porto autónomo de águas profundas em Rincão

PorJosé Maria Rosário,12 jun 2023 8:15

“A riqueza de um país reside mais na sua capacidade inovadora e criativa, do que nos seus recursos naturais”

Rincão, município de Santa Catarina, em Santiago: qualquer cristão que chega a esta pacata aldeia piscatória, situada depois de Achada Grande, no extremo oeste da ilha de Santiago, não resiste à tentação de se aproximar da orla marítima e contemplar a combinação do mar e terra, que desemboca numa enseada estonteante.

O malogrado autárca Beto Alves, sonhava tornar o povoado “mais bonito e mais atractivo, para que dê gosto às pessoas de viverem, de visitarem e de investirem nessa localidade”.

Desde então, muitas obras foram levadas a cabo pela edilidade, com melhorias significativas nas condições de vida da comunidade.

Reportando-se ao estudo de uma possível via rápida Praia/Tarrafal, em delarações exclusivas ao “Expresso das Ilhas”, o Primeiro-ministro afirmou: “Será um acelerador do desenvolvimento da ilha de Santiago e de Cabo Verde. Tendo cerca de metade da população do país, Santiago tem de emergir, no quadro do plano estratégico de desenvolvimento sustentável II e da ambição de Cabo Verde para 2030, como uma economia dinâmica”.

Não seria exequível uma simbiose dessa via rápida e um porto de águas profundas em Rincão? O que diria um estudo de pré-viabilidade (técnico, económico e financeiro), englobando esses dois empreendimentos?

Desde 1991 que se vem falando com uma certa tibieza sobre um segundo porto na ilha de Santiago. “Não sendo contemplada com investimentos compatíveis com a sua dimensão física e demográfica e com os fluxos crescentes de populações vindas de outros pontos do País, não poderá jamais Santiago fazer frente aos graves problemas económicos e sociais que a afligem”, Jorge Querido .

A visão do Primeiro-ministro condensa ideias mestres ao take off da ilha “espartilhada”, pacientemente à espera ao longo de décadas, do rumo certo para o seu desenvolvimento. Santiago tem potencial de se transformar num verdadeiro centro internacional de prestação de serviços, remata ainda Ulisses Correia e Silva.

Agora, em plena era de transição energética, não podemos perder a carruagem da transformação de reciclagem de ajudas para uma economia de produção: “Temos de mudar o modelo de desenvolvimento económico ou não conseguimos o mínimo de bem-estar para todos.”

Ao abeirarmos de meio século de existência vimos o país a mergulhar-se, paulatinamente, “num cemitério de projectos” dispersos e que no fim, em vez de sustentabilidades, acabam quase sempre sobrando ónus para o tesouro.

Já se perderam décadas com ideias megalómanas e ilusão de desenvolvimento: o passado à misericórdia, confiança no futuro.

Reportando-se ainda àquela via, considera o Chefe do Governo: “Viabilizará um reordenamento completo do território da ilha, reduzirá substancialmente a migração interna na ilha de Santiago assim como as assimetrias regionais. Permitirá, por outro lado, que as infraestruturas e os investimentos em qualquer ponto da ilha sirvam toda a ilha, com impactos económicos, sociais e políticos importantes”. (In Expresso das Ilhas).

Paralelamente, e com os mesmos pressupostos, a nossa ambição traduzir-se-á na maximização da posição geoestratégica do país e projecção de portos à dimensão da Casablanca (Marrocos) ou Dakar (Senegal), com vocação para comércio marítimo internacional e hub. “Não dispondo de portos nem de projectos de portos com reais e ambiciosas perspectivas futuras, Santiago ficará irremediavelmente secundarizada no plano nacional e internacional”. As vantagens de um novo porto seriam incomensuráveis:

*capitaliza a estabilidade política do país, criando um abrigo seguro e hub no corredor do Atlântico (um piscar de olhos à rota da seda);

*cria condições para revitalização do estaleiro naval da Cabnave, uma importante e colossal infraestrutura adormecida na Baía do Porto Grande;

*descongestiona o Porto da Praia e optimiza o turismo de cruzeiro:

*amplia a dinâmica económica que se vislumbra no município de Santa Cruz, com destaque para o mercado abastecedor.

A génese de uma nova cidade industrial emergiria, em Santiago Norte, com impacto sócio-económico de Santo Antão à Brava.

O mar (havendo um consenso que a economia não pode dormir apenas à sombra do turismo) é a via vocacional da nossa integração económica à escala global.“Se ca bado, ca ta birado”.

Aliás, projectos estruturantes estão já em curso, como a ZEE-Zona Económica Especial, em S. Vicente.

Escusado será destacar o papel que é reservado à Universidade Técnica do Atlântico, em todos os processos concernentes à economia azul.

Todavia, as vulnerabilidades do país alertam para alguns males a combater: a mentalidade mágica (um dos temores de Amilcar Cabral quanto à fase seguinte, da luta armada); erosão visível de uma cultura de trabalho: os partidos políticos têm passado a mensagem de dar tudo a todos sem exigir nada de ninguém; sangria do erário público: psicose na criação de instituições, delírio de PCCS (visto como panaceia para todos os males) e reivinicações laborais que até “fazem os anjos chorar no céu”.

Por outro lado, o sector privado deverá estar à altura dos desafios e oportunidades que se vislumbram no horizonte, interno e externo.

Porém, não deixa de ser preocupante uma certa mentalidade de que o empresário deve ser “rico, muito rico”, ignorando o princípio que os ingleses chamam de “service”, ou seja, “a utilidade, fazer as coisas bem-feitas e com proveito para todos”.

Igualmente, é imperioso um maior engajamento da massa cinzenta da diáspora no desenvolvimento do país, pelo que dever-se-á ultrapassar a fase da dialética e passeatas, e iniciar-se o arar do solo para o efeito.

O país precisa muscular-se para uma integração plena e com resultados na CEDEAO, pois, de contrário, essa organização não passaria de um “clube de diversão”.

O Vice-Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças, Olavo Correia, disse recentemente aos jovens empreendedores: “Quando se pede um apoio ou subsídio ao Estado, temos de compreender que o dinheiro que será afetado a esse apoio é dinheiro que veio do bolso de cada um dos contribuintes”.

O mesmo alinhamento deveria ter as políticas públicas, desvinculando-as do coitadísmo e assistencialismo que tem sido a bandeira de todas as câmaras em campanha permanente. “Se nós é pobre, ca nu fazê política de rico”.

Só uma política de rendimentos levará a uma mudança de atitude, para que “todos nós percebámos que não há dinheiro público, mas sim dinheiro que vem de todos nós dos impostos que cada um paga”.

Doutro modo, a ambição de Cabo Verde para 2030 será apenas uma miragem e em vez de se eliminar a pobreza extrema, será o próprio país a afundar-se em pobreza extrema. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1123 de 7 de Junho de 2023.

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Autoria:José Maria Rosário,12 jun 2023 8:15

Editado porAndre Amaral  em  6 mar 2024 23:28

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